É possível, no decorrer da vida, encontrar casos em que uma determinada pessoa x, que certamente conheceu a outra num determinado local e, que, por sua vez, se encantou pela mesma, pois, ela lhe seduziu, apresentando, no início, ser vislumbrante, “boa praça”, como diz o ditado brasileiro, de bons costumes ou valores mas, por conseguinte, revelou sua verdadeira identidade através de falcatrua, que fez-lhe capaz de sentir-se enganado e traído, uma vez que ela apresentou-lhe o lado mais ardil de si mesma, com o pacote do lado mais obscuro do egoísmo, da insensibilidade humana, pois, sempre arquitetou planos para sobressair-se em vantagem, desejando sentir-se sempre superior aos outros, sem demonstrar remorso e quaisquer sentimentos. O comportamento é padrão e contínuo.
Ou vislumbrar àquele representante político brasileiro que, certa vez, governou o país como Presidente da República entre os anos de 2003 à 2011 (Luiz Inácio Lula da Silva), sempre arguindo ser o “homem mais inocente e honesto do Brasil”, sendo que o mesmo foi condenado a 12 anos e 11 meses por corrupção e lavagem de dinheiro pelo juízo de 1ª instância[1], através da operação Lava Jato e que por unanimidade, três desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) votaram em favor de manter a condenação e ampliar a pena de prisão[2].
Lula só se encontra solto atualmente em virtude da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou a possibilidade de prisão após condenação em 2ª instância, não por sua honestidade e inocência.[3]
O Supremo Tribunal Federal (STF) firmou-se novo entendimento, no sentido de que a execução penal provisória, antes de findadas as oportunidades para recurso, somente é cabível quando houver sido decretada a prisão preventiva do sentenciado, nos moldes do artigo 312 do Código de Processo Penal Brasileiro.
Além disso, o plenário do STF anulou, posteriormente, as decisões da Justiça Federal de Curitiba contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 4 processos da Lava Jato, tornando-o elegível e apto para disputar para as eleições de 2022, sob a justificativa de que às decisões judiciais foram proferidas por juiz incompetente. [4]
Nessa linha, ambos, isto é, a pessoa x e o representante político, possuem algo em comum: A incapacidade de conscientizar e reparar erros.
Pois bem.
Esses dois indivíduos apresentados acima, no caso, a pessoa x que seduziu a outra apresentando-se supostamente e, de forma sedutora, como vislumbrante e “boa praça” e posteriormente revelou-se como egoísta, ardil e insensível, bem como a do representante político arguido acima, podem ser diagnosticadas como portadoras do Transtorno de Personalidade Narcisista, mais popularmente conhecido como narcisismo.
Isso porquê o narcisismo é uma condição psicológica e cultural, não uma doença, que pode ser considerada como a perda de valores humanos assim como uma ausência pelo meio ambiente e qualidade de vida pelos seres humanos seus semelhantes.
Assim pontua Alexander Lowen:
“O narcisismo descreve uma condição psicológica e uma condição cultural. Em nível individual, indica uma perturbação da personalidade caracterizada por um investimento exagerado da própria pessoa à custo self. Os narcisistas estão mais preocupados com o modo como se apresentam do que com o que sentem. De fato, eles negam quaisquer sentimentos que contradigam a imagem que procuram apresentar. Agindo sem sentimento, tendem a ser sedutores e ardilosos, empenhando-se na obtenção de poder e de controle. São egoístas, concentrados em seus próprios interesses, mas carentes dos verdadeiros valores do self – notadamente, autoexpressão, serenidade, dignidade e integridade. Aos narcisistas falta um sentimento do self, vivem a vida como algo vazio e destituído de significado. É um estado de desolação. Em nível cultural, o narcisismo pode ser considerado como perda de valores humanos – uma ausência de interesse pelo meio ambiente, pela qualidade de vida, pelos seres humanos seus semelhantes.”
Alexander Lower.
Uma pessoa que sacrifica a própria natureza humana de autoexpressão, serenidade e dignidade em prol da ambição do êxito acima da necessidade de amar e ser amado em prol do poder e do lucro, revela a própria insensibilidade dela em face das necessidades humanas, tanto que a falta ternura, compaixão e solidariedade.
Assim observa Alexander Lowen:
Quando a riqueza ocupa uma posição mais elevada do que a sabedoria, quando a notoriedade é mais admirada do que a dignidade, quando o êxito é mais importante do que o respeito de si mesmo, a própria cultura sobrevaloriza a “imagem” e deve ser considerada narcisista.
Alexander Lower.
Tal comportamento alcança um imenso grau de irrealidade, ultrapassando a neurose e tocando as raias da psicose.
Todavia, é importante arguir sobre a existência de diferentes padrões de comportamentos humanos. Carl Jung discrimina oito grupos tipológicos: Duas atitudes da personalidade – introversão e extroversão – e quatro funções ou formas de orientação – pensamento, sensação, intuição e sentimento -, cada qual operando de modo introvertido ou extrovertido.
A introversão, enfatiza, Jung, “costuma ser caracterizada por uma natureza vacilante, meditativa, reservada, que espontaneamente se mantém isolada dos outros, recua diante dos objetos e está sempre um pouco na defensiva”.
A extroversão, pelo contrário, “costuma ser caracterizada por uma natureza saliente, franca e obsequiosa, que se adapta com facilidade às situações propostas, estabelece rapidamente ligações e, pondo de lado qualquer tipo de apreensão, arrisca-se, com despreocupada confiança, a situações desconhecidas”.
No tocante ao sentimento e a intuição, Jung também as define. Para ele, o sentimento é a função do julgamento ou da avaliação subjetivos enquanto a intuição refere-se à percepção através do inconsciente (por exemplo, receptividade ao conteúdo do inconsciente).
Entretanto, embora à existência de diferentes padrões de comportamentos humanos, uma das respostas possíveis para justificar o motivo pelo qual a pessoa e o representante político arguido acima se comportar continuamente daquela forma, sendo, ainda, incapaz de reconhecer e reparar erros é a do transtorno de personalidade narcisista, que, como dito, não consiste numa doença.
No caso da pessoa e do representante político explanado em linhas anteriores, ambos também possuem outra característica em comum: A preocupação somente consigo mesmos, com a exclusão de todos os outros, assim como não saber gerir o conflito interno no tocante a apresentar-se na imagem ideal e demonstrar quem realmente são.
Isso, por sua vez, define o que é ser narcisista, conforme explana Alexander Lowen:
Mas como poderemos definir mais precisamente o narcisista? Em linguagem comum, descrevemos o narcisista como uma pessoa que está preocupada consigo mesma, com exclusão de todos os outros. Como disse Theodore I. Rubin, eminente psicanalista e escritor, “o narcisista torna-se o seu próprio mundo e acredita que todo o mundo é ele”.
Alexander Lower argui sobre o tema, apontando o pensamento de Kernberg:
Os psicanalistas reconhecem que o problema se desenvolve nos primeiros anos da infância. Kernberg aponta para a “fusão, na criança pena, do self ideal, do objeto ideal e das imagens reais do próprio indivíduo como uma defesa contra uma realidade intolerável na área interpessoal”. Em linguagem não técnica, Kernberg está dizendo que os narcisistas ficam agarrados à sua própria imagem. Com efeito, são incapazes de distinguir entre uma imagem do que se imaginam ser e uma imagem do que realmente são. As duas visões tornaram-se uma só. Mas essa afirmação ainda não é suficientemente clara. O que ocorre é que o narcisista identifica-se com a imagem idealizada. Autoimagem real se perdeu.
Em linhas gerais, a pessoa narcisista sempre se apresenta como um personagem, não como ela realmente é, até porque nem ela mesma sabe quem e como é de verdade. É o caso da pessoa e do representante político explanado acima.
No entanto, quando olha pra vida real, geralmente não tem resultados práticos, não tem dinheiro, status, respeito, fama, seja lá o que a pessoa narcisista acha que merece por natureza. De toda forma, é possível concluir que a pessoa narcisista é pobre e miserável.
A vítima do narcisista, pode, em muitos casos, depreciar-se profundamente, assim como ter outras consequências negativas de cunho psíquico.
Não é em vão que a depressão atualmente é considerada o mal do século XXI. Estima-se que ela atinge 10% da população mundial e esse índice aumenta a cada ano.
Doença silenciosa e não uma escolha individual, ela ainda é incompreendida inclusive por quem sofre do problema. A Organização Mundial da Saúde (OMS) a considera como a doença mais incapacitante do mundo, em virtude de muitas pessoas, principalmente a narcisista, ainda associarem a um estado de espírito, a uma falta de otimismo ou de pensar positivo, além de não verem a ou simplesmente a acreditarem em se tratar de “frescura”, ou a “necessidade de chamar atenção.[5]
Esse tema, por sua vez, foi discutido nesta plataforma, através de Rodrigo Bueno e Vitor Matos Souza. Recomendo a leitura para aprofundar-se no assunto. Segue o link abaixo:
E quais as consequências jurídicas para a vítima que sofreu com o narcisista? Elas, de fato, existem?
No ordenamento jurídico brasileiro não existe uma lei que combata diretamente comportamentos narcisistas ardis. A depender do caso, e se for entre pessoas que não possuem mandatos políticos, pode sim haver consequências, na qual a vítima do narcisista poderá buscar uma reparação moral por meio de indenização na esfera judiciária (Ação de indenização por danos morais).
Todavia, conforme a situação, pode-se buscar uma reparação de cunho moral em virtude de violência psicológica, tendo em vista ela consistir em toda forma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobrança exagerada, punições humilhantes e utilização da pessoa para atender às necessidades psíquicas de outrem, colocando em risco à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento.
Afinal, o que consiste em um dano de caráter moral? O dano em caráter moral seria aquele dano que não tem caráter patrimonial, ou seja, todo dano não-material. É uma lesão de um bem integrante da personalidade; violação de bem personalíssimo, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, vexame, sofrimento, desconforto e humilhação à vítima.
Há também o conceito de dano moral na Constituição Federal de 1988, no tocante ao artigo 1º, inciso III, que consagrou a dignidade humana como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito.
Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, a tese pela reparabilidade dos danos imateriais era impossível, em virtude de os tribunais, concomitantemente com o entendimento doutrinário sobre o tema, terem, naquela época, dificuldades na visualização da sua determinação e quantificação.
Assim preceitua Flávio Tartuce:
A tese pela reparabilidade dos danos imateriais tornou-se pacífica com a Constituição Federal de 1988. Antes disso, era tido como impossível aceitar a reparação do dano moral, eis que doutrina e jurisprudência tinham dificuldades na visualização da sua determinação e quantificação. Constituindo o dano moral uma lesão aos direitos da personalidade (arts. 11 a 21 do Código Civil), para a sua reparação não se requer a determinação de um preço para a dor ou o sofrimento, mas sim um meio para atenuar, em parte, as consequências do prejuízo imaterial, o que traz o conceito de lenitivo, derivativo ou sucedâneo. Por isso é que se utiliza a expressão reparação e não ressarcimento para os danos morais, conforme outrora foi comentado. Desse modo, esclareça-se que não há no dano moral uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados. Tal dedução justifica a não incidência de imposto de renda sobre o valor recebido a título de indenização por dano moral, o que foi consolidado pela Súmula 498 do Superior Tribunal de Justiça, do ano de 2012. Fernando Noronha esclarece que “a reparação de todos os danos que não sejam suscetíveis de avaliação pecuniária obedece em regra ao princípio da satisfação compensatória: o quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser equivalente a um ‘preço’, será o valor necessário para lhe proporcionar um lenitivo para o sofrimento infligido, ou uma compensação pela ofensa à vida ou à integridade física” (Direito das obrigações…, 2003, p. 569). Aliás, entendimento ao contrário carregaria de imoralidade o dano moral. Além do pagamento de uma indenização em dinheiro, presente o dano moral, é viável uma compensação in natura, conforme reconhece enunciado aprovado na VII Jornada de Direito Civil (2015): “A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retração pública ou outro meio” (Enunciado n. 589).
Todavia, temos hoje o que pode ser chamado de direito subjetivo constitucional à dignidade. Ao assim fazer, a constituição deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos. Dano moral à luz da constituição vigente, nada mais é do que violação do direito à dignidade, que automaticamente, viola a intimidade da vida privada, no diz respeito do Direito da personalidade (art. 11 e seguintes do Código Civil de 2002).
Além disso, o comando constitucional do artigo 5º, inciso V e X, também é claro quando ao direito da vítima a indenização do dano moral sofrido. É um direito constitucional.
E se não bastasse o direito constitucional previsto no artigo 5º, é a própria Carta Magna que em seu preâmbulo alicerça solidamente como um dos princípios fundamentais de nossa nação e, via de consequência, da vida em sociedade, a defesa da dignidade da pessoa humana. Dignidade que foi ultrajada, desprezada pelo narcisista em face à vítima.
Ainda, dependendo das consequências negativas, a vítima também poderá buscar na esfera judiciária uma reparação de cunho material, se houver prejuízos financeiros e patrimoniais.
Quanto ao representante político narcisista, principalmente este citado acima, a vítima poderá buscar alguma reparação jurídica? No Brasil, essa expectativa não existe no âmbito individual, mas, de forma coletiva.
Diferentemente nas relações individuais entre pessoas físicas e jurídicas, no tocante ao representante político, se porventura este se encontrar exercendo o mandato de Presidente da República e vier atentar contra os princípios da Constituição Federal, a segurança interna do país, a probidade da administração, a guarda e o emprego legal dos dinheiros públicos, o exercício da União, o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados, bem como o cumprimento das decisões judiciárias, poderá acusa-lo pela prática do crime de responsabilidade, necessitando, portanto, o “impeachment” do Presidente para que os anseios da maioria dos cidadãos brasileiros sejam atendidos, conforme o art. 4º da lei 1.079/50.
REFERÊNCIAS:
Elementos da Responsabilidade Civil ou pressupostos do dever de indenizar. In: TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. Volume 02. 14ª Edição. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019., p. 591-592.
Introdução. In: LOWER, Alexander. Narcisismo – Negação do verdadeiro Self. 1ª Edição. Traduzido por Álvaro Cabral ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1983., p. 09-11.
Introdução à tipologia Jungiana. In: SHARP, Daryl. Tipos de personalidade – O modelo tipológico de Jung. 1ª Edição. ed. São Paulo: Editora Cultrix, 2021., p. 03-05.
Uma definição do narcisista. In: LOWER, Alexander. Narcisismo – Negação do verdadeiro Self. 1ª Edição. Traduzido por Álvaro Cabral ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1983., p. 16.
NOTAS
[1] Lula é condenado a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro em ação da Lava Jato sobre sítio de Atibaia – Disponível em: https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2019/02/06/lula-e-condenado-em-acao-da-lava-jato-sobre-sitio-de-atibaia.ghtml (Acesso em setembro de 2022).
[2] Em decisão unânime, tribunal condena Lula em segunda instância e aumenta pena de 9 para 12 anos. Leia mais em https://g1.globo.com/politica/noticia/julgamento-recurso-de-lula-no-trf-4-decisao-desembargadores-da-8-turma.ghtml (Acesso em setembro de 2022).
[3] Juiz manda soltar Lula após decisão do STF que derrubou 2ª instância – Leia mais em: https://exame.com/brasil/juiz-manda-soltar-lula-apos-decisao-do-stf-que-derrubou-2a-instancia/ (Acesso em setembro de 2022).
[4] Plenário do STF anula condenações de Lula na Lava Jato – Leia mais em: https://www.poder360.com.br/justica/stf-forma-maioria-para-anular-decisoes-da-justica-de-curitiba-contra-lula/ (Acesso em setembro de 2022).
[5] Depressão é o mal do século? Leia mais em: https://cliapsicologia.com.br/a-depressao-e-o-mal-do-seculo/ (Acesso em setembro de 2022).