Terminamos o mês de janeiro de 2024. Após um mês de um ano novo ter se encerrado, passamos a questionar certos planejamentos, metas e promessas feitas para consagrar a mudança de ano. Apesar da mudança de ano ser considerada por muitos o início de um novo ciclo para o planejamento da vida na totalidade, também é provavelmente mais um ciclo de tentativas fracassadas, que sempre levam ao mesmo lugar, um espaço onde nada muda.
A partir disso, o mundo digital foi explorado por oportunistas com palavras provocantes e motivadoras. Os chamados “coaches” são um fenômeno moderno e um exemplo de seres que vivem em função da existência de ciclos mal resolvidos, caso contrário não seria necessário nenhum de seus conselhos autênticos. Esses arautos da sabedoria moderna utilizam a comunicação para proporcionar uma ilusão de progresso exponencial, que se tratando do Brasil, geralmente se trata de um discurso “dinheirista” que não encontra resistências a um povo que valoriza mais ter riquezas do que a própria liberdade. Além deles, também temos os “messias” políticos que todos os anos fazem novas promessas que provocam desastrosamente novas angústias e decepções.
Nesse contexto, o brasileiro em sua essência é um ser impulsivo e facilmente manipulado que possui as mesmas expressões emocionais de um animal como um cachorro, pois ele também se deixa enganar facilmente com promessas fracas e simplistas. Basta você falar e dar sinais corretos a um cachorro para você manipulá-lo conforme os seus interesses. Mas essa é uma comparação injusta com o pobre o animal, pois pelo menos o cachorro nos dá vários benefícios, como companheirismo, proteção e o melhor de todos, ele ainda não pode votar.
Dessa forma, é normal que pessoas enriqueçam e ganham poderes ao custo de oferecer vidas irreais, que também pode ser entendida como promessas mortas que fazem parte do imenso jogo de narrativas que várias pessoas estão dispostas a fazer, a fim de atenderem os próprios interesses. Dentro desse jogo, para ter resultados mais rápidos e eficazes, é necessário fazer sacrifícios e o mais comum dele é o valor da própria palavra.
Em tempos antigos, não era possível termos um contrato e um advogado e contar com a disponibilidade de uma corte e um juiz para lidar com questões injustas na sociedade, e por muito tempo as relações humanas prezavam pela verdade ao ponto de que se um indivíduo falasse uma mentira, seria um estigma que ele e talvez a própria família pudesse carregar para sempre. Esse estigma seria como uma mancha histórica que poderia perseguir até os descendentes, sendo praticamente impossível de ser limpa. As consequências disso seriam extremamente prejudiciais para a subsistência daquele indivíduo e seu parentesco. Nesses tempos o patriarcado era vigente na maioria das culturas, e a família tinha o direito da vida de seus filhos. Caso um dos filhos trouxesse desonra para a família, para não serem “contaminados” por esse estigma, os filhos poderiam ser punidos com o abandono total e em alguns casos punidos com a morte para restaurar a honra familiar.
Na antiguidade, o risco de manter um estigma na família não era apenas de enfrentar severas consequências comerciais, mas também sociais e de sub existência até em comunidades religiosas. Com outras palavras, o chamado “cancelamento” era algo feito para aqueles que não tinham compromisso com a própria palavra, e assim era entendido que era uma pessoa que consequentemente jamais teria compromisso com qualquer outra coisa, tornando-a um ser a ser banido daquele meio que ela estava inserida.
Esse valor pela própria palavra foi bem representado no conto dos irmãos Grimm da Princesa e o Sapo, em que resumidamente, a princesa perde seu brinquedo em um lago, e oferece ao Sapo a sua mão em casamento caso ele pegasse o seu brinquedo. Apesar do Sapo ter cumprido parte do combinado, a princesa não manteve sua palavra e buscou refúgio em seu castelo. Mas, quando o Rei, também sendo o Pai da princesa, ficou sabendo disso, obrigou que a filha cumprisse a sua palavra e casasse com Sapo. A princesa cumpriu a contra gosto, e ao beijar o Sapo foi surpreendida positivamente quando o Sapo era um príncipe, preso no feitiço de uma bruxa.
Neste conto, é fácil de imaginar que nenhum pai ou rei estaria satisfeito com a própria filha casando com um sapo, mas ter uma filha que não cumpre a sua própria palavra seria algo muito pior. No mundo moderno, é normal que as pessoas tratem esse conto com desdém, pois nas palavras dos seres modernos “era somente necessário o pai se livrar do sapo e tudo estaria resolvido”.
Mas as mentes modernas fogem da normalidade de pensamento e são incapazes de entender um conto simples para crianças. Em contextos medievais, o rei poderia exercer sua autoridade tanto como monarca e tanto como patriarca de poder punir a sua filha, pois ela ao desonrar a sua própria palavra não prejudicou apenas o sapo, mas a si mesma com o estigma de desonesta que poderia afetar o próprio pai e rei, assim como o resto da família real e também todo aquele povo.
Esse estigma, na verdade, é a compreensão de que o valor da honestidade faz parte de uma estrutura sensível de valores absolutos que apenas se sustentam em uma sociedade quando estão unidos. A queda de um desses valores pode significar o início da ruína de outros. Ao analisarmos o conto, se uma princesa não cumpre sua própria palavra, ela não é só desonesta, mas também é injusta. Se ela é injusta, então ao mesmo tempo, ela não teve coragem para cumprir sua palavra e também não foi sábia na hora oferecer algo em troca para o sapo.
Se vivemos em uma sociedade em que não se preocupa com esse estigma, então é normal que existam pessoas que queiram dar confiança para manipuladores e vendedores de sonhos inalcançáveis. Se não existe um estigma para se preocupar, qualquer coisa que agrada um instinto primitivo e selvagem igual a um cachorro já é suficiente, então apenas proporciona uma sociedade perfeita para todos que querem viver sem consequências.
Ao contrário do que muitos podem pensar, os brasileiros gostam de ser o sapo da história. Gostam de ser enganados, mesmo que não tenham um rei para reivindicar justiça para o seu lado, pois em uma espécie de vida doentia, preferem seguir crenças em gurus de faz de conta do que lembrar que são responsáveis pelas suas próprias escolhas.
Se falharem e não conseguirem bater suas metas e objetivos, podem culpar o seu atual guru e ir para o próximo, criando um ciclo de fracassos. Ao mesmo tempo, cria-se um cemitério de promessas, gerenciado pelos psicopatas, manipuladores e narcisistas nas esferas econômicas, sociais e políticas, que apenas se multiplicam para sustentar os ignorantes em seu ciclo de faz de conta que tentam ser um povo sério e civilizado. Para diferenciarmos, existe uma grande diferença entre fracassar por conveniência, e fracassar mesmo mantendo o valor da própria palavra. O primeiro tipo leva a uma ruína onde nunca permite mudança ou crescimento, o segundo não é uma garantia de sucesso e conquistas, mas ao menos proporciona alcançar lições e aprendizados que modificam a visão do que é uma vida verdadeiramente de sucesso, tema que irei me aprofundar no meu próximo artigo.