Nesses últimos dias, estamos em um dos momentos mais delicados na história Brasileira, tanto politicamente, quanto economicamente. Se, por um lado, temos a crise política em que o poder executivo tem dificuldade em articular politicamente, assim como estar em harmonia com o legislativo e judiciário, por outro, há a pandemia da COVID-19, que por sua vez, está causando mortes e prejuízos à economia.
O ministro da economia Paulo Guedes reconhece a minha explanação. Todavia, ele afirmou, certa vez, que problemas de articulação política do governo com o Congresso existem, mas estão sendo resolvidos (link no final do artigo).
Entretanto, não estou vendo a resolução do respectivo problema. Contudo, ao contrário das expectativas, o que vejo atualmente são embates e mais embates, discórdias, xingamentos, palavras jogadas ao vento, traições e fake news.
RESUMO DOS FATOS
O embate mais recente foi o pedido de demissão do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, cujo motivo, segundo o mesmo, foi a exoneração, sem consentimento, do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, que era homem de confiança do ex-ministro, além de outras fortes acusações.
Ao se pronunciar ao vivo, Sérgio Moro arguiu que sofreu interferência política. Em suas palavras, “Ontem veio a insistência do presidente para trocar o comando da PF. Eu disse que seria interferência política e ele [Bolsonaro] disse que sim”.
Além disso, Sérgio Moro acusa o Presidente Jair Bolsonaro de não apresentar um motivo específico para demitir Maurício Valeixo e que ele não assinou a demissão, assim como o motivo de interferência política, uma vez que foi prometida uma total liberdade para escolher e nomear auxiliares.
Ainda, Sérgio Moro diz que a intervenção política de Jair Bolsonaro seria porque ele pretende ter na PF alguém que lhe dê informações sobre investigações e inquéritos em andamento no Supremo Tribunal Federal como relatórios de inteligência e que para ele, a autonomia da Policia Federal é um valor fundamental dentro de um estado de Direito, devendo, portanto, ser preservado.
Uma de suas declarações é que “O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência, seja diretor, seja superintendente. E realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação”.
Ele também fez uma comparação da situação com o período em que conduziu os processos da Operação Lava Jato como juiz: “Imaginem se durante a própria Lava Jato, ministro, diretor-geral, presidente, a então presidente Dilma, o ex-presidente, ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento?” Além disso, algumas fontes divulgaram que houve uma negociação para o ex-ministro ficar no cargo, oferecendo-o uma oportunidade no STF.
Por conseguinte, a oposição rebateu as justificativas, alegando o interesse de Sérgio Moro em fazer parte do corpo de ministros do STF, bem como já saber que o diretor-geral da PF pediu demissão e o que foi dito é uma grande mentira e uma traição. Ainda, foram vazados prints de conversas com o mesmo em que a Deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) se oferecia para intermediar uma negociação com o presidente Jair Bolsonaro.
. Vide abaixo:
Acerca do ex-diretor da Polícia Federal, os delegados desmentem Bolsonaro sobre sua demissão. “O presidente mentiu. Participei da reunião ontem (quinta-feira, dia 23). Valeixo não disse isso, nunca! O Valeixo nunca pediu para sair. Tinha projetos conosco. Ele falou sobre o planejamento do ano, as operações do ano”, disse um dos delegados.
Após os fatos, Bolsonaro discursou, juntamente com seus ministros e alegou tristeza com a demissão, bem como enfatizou que Sérgio Moro era, como se fosse um ídolo. Além disso, Bolsonaro rebateu à acusação, arguindo que não houve intenção em interferir na Polícia Federal.
Nas palavras de Bolsonaro, em resumo: “Será que é interferir na Polícia Federal quase que exigir, implorar a Sergio Moro, que apure quem mandou matar Jair Bolsonaro? A PF de Sergio Moro mais se preocupou com Marielle do que com seu chefe supremo. Cobrei muito deles isso daí. Não interferi. Eu acho que todas as pessoas de bem no Brasil querem saber. Entendo, me desculpe senhor ex-ministro: entre meu caso e o da Marielle, o meu está muito menos difícil de solucionar. Afinal de contas, o autor foi preso em flagrante de delito, mais pessoas testemunharam, telefones foram apreendidos. Três renomados advogados, em menos de 24 horas, estavam lá para defender o assassino. Isso é interferir na Polícia Federal? Será que pedir à Policia Federal, quase implorar, via ministros, que fosse apurado o caso Marielle, no caso porteiro da minha casa 58, na avenida Lúcio Costa, 3.100? Quase que por acaso descobrimos. Se não pedisse para meu filho ir à portaria e filmar a secretária eletrônica, talvez ficasse a dúvida para todos que eu poderia estar envolvido nisso. Isso foi numa quarta-feira de março de 2018, onde entre a ligação do porteiro para a minha casa e as minhas digitais nos painéis de presença da Câmara tinha um espaço de menos de uma hora. Eu não estava lá. Depois, a perícia da Policia Civil do Rio ainda chega à conclusão que aquela voz não é a voz do porteiro em questão. Será que é interferir na Polícia Federal exigir uma investigação sobre esse porteiro, o que aconteceu com ele? Ele foi subornado? Ele foi ameaçado? Ele sofre das faculdades mentais? O que aconteceu para ele falar com tanta propriedade um fato que existiu há praticamente um ano atrás? É exigir da Polícia Federal muito, via senhor ministro, para que esse porteiro fosse investigado? Será que é interferir na Polícia Federal exigir uma investigação sobre esse porteiro, o que aconteceu com ele? Ele foi subornado? Ele foi ameaçado? Ele sofre das faculdades mentais? O que aconteceu para ele falar com tanta propriedade um fato que existiu há praticamente um ano atrás? É exigir da Polícia Federal muito, via senhor ministro, para que esse porteiro fosse investigado? Com todo o respeito a todas as vidas do Brasil, acredito que a vida do presidente da República tem um significado. Afinal de contas, é um chefe de Estado. Isso é interferir na Policia Federal? Cobrar isso da sua Polícia Federal? Confesso que, ao longo do tempo, como bem vos lhes disse, uma coisa é ter uma imagem, conhecer uma pessoa. A outra é conviver com ela. Nunca pedi para ele para que a PF me blindasse onde quer que fosse. Quando se fala em corrupção, eu falo da minha vida particular. Nos últimos dois anos de parlamentar, gastei menos da metade do que poderia gastar da sua cota parlamentar com passagem aérea, com despesa de combustível, com alimentação, com alugueis.”
O discurso completo do Presidente Jair Bolsonaro poderá ser encontrado nas referências abaixo.
A Deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), em entrevista à CNN Brasil, se defendeu dizendo que “A gente vê aqui que eu estou desprovida de má intenção e eu gostaria muito de saber se ele já estava fazendo prints [da tela] porque essa frase é muito calculada e parece que foi friamente colocada ali”. Ainda, continuou: “A resposta dele não combina com nada do que a gente está conversando. Parece que foi tudo muito mal intencionado da parte dele, querendo achar algo para provar depois.”
E para encerrar o caso, o chefe da Procuradoria Geral da República (PGR), Augusto Aras, pediu a abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), a fim de apurar todas as acusações, bem como trazer documentos comprobatórios e ainda, solicitou o depoimento do ex-ministro da justiça e segurança pública, com intuito de esclarecer os fatos.
ANÁLISE JURÍDICA SOBRE O CASO
No que tange o ato de exoneração do diretor-chefe da Polícia Federal, Bolsonaro a fundamentou no art. 2º-C da lei 13.047/14. Entretanto, deve-se ponderar que a lei 13.047/14 tem por objetivo alterar a lei 9.266/96 e lei 9.264/96. Neste sentido, vide o dispositivo legal:
“Art. 2º-C. O cargo de Diretor-Geral, nomeado pelo Presidente da República, é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial.”
Em outras palavras, Bolsonaro está correto em nomear ou exonerar chefes da Polícia Federal, pois, essa atribuição pertence, de fato, ao presidente da República.
De todo modo, como dito acima, Augusto Aras, chefe da Procuradoria Geral da República (PGR), solicitou a abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar os fatos. Se for comprovada as acusações de Sérgio Moro, Bolsonaro poderá, infelizmente, se despedir do seu mandato de Presidente da República, pois, cometeu crime de responsabilidade, de acordo com o art. 85 da Constituição da República e será processado de acordo com as normas definidas na lei 1079/50. Portanto, caberá a aplicação de um “Impeachment”.
Vide o dispositivo legal:
“Art. 85 da Constituição Federal – São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I – a existência da União;
II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV – a segurança interna do País;
V – a probidade na administração;
VI – a lei orçamentária;
VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.”
Todavia, o presidente Bolsonaro poderá ser enquadrado nos crimes de responsabilidade previstos nos incisos IV e V do art. 85 da CF, tendo em vista a sua intenção ter na PF alguém que lhe dê informações sobre investigações e inquéritos em andamento no Supremo Tribunal Federal como relatórios de inteligência, o que, de fato, ameaça a segurança jurídica e interna do Brasil e também pode considerar nitidamente uma prática de ato de improbidade administrativa.
A improbidade administrativa é um ato ilegal, impregnado de deslealdade e desonestidade praticado por agente público durante o exercício de suas funções, que visa o dano ao erário, o enriquecimento ilícito e a violação de princípios administrativos.
No caso em concreto, Bolsonaro poderá ser acusado de praticar ato de improbidade administrativa por violar princípios da Administração Pública, de acordo com o art. 11, Inciso I, da lei 8429/92.
Vide o dispositivo legal:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV – negar publicidade aos atos oficiais;
V – frustrar a licitude de concurso público;
VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
VIII – descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas. (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000) (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014) (Vigência)
IX – deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
X – transferir recurso a entidade privada, em razão da prestação de serviços na área de saúde sem a prévia celebração de contrato, convênio ou instrumento congênere, nos termos do parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. (Incluído pela Lei nº 13.650, de 2018)
Mas, se porventura as acusações de Moro forem comprovadamente falsas, ele perderá o seu prestígio, bem como responderá por crimes de calúnia e denunciação caluniosa, de acordo com os arts. 138 e 340, ambos do Código Penal Brasileiro. Além disso, poderá responder por crimes de falsidade ideológica, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada e coação no curso do processo.
No tocante à calúnia e denunciação caluniosa (o anúncio falso de crime), é importante esclarecer que ambos constituem um crime contra a honra. Neste sentido, a pessoa caluniada pode ficar desprotegida, a margem da tutela penal, por força de preconceito objetivo. O valor da honra é constitucional, de acordo com a dignidade da pessoa. Não importa sexo, cor, crença, nacionalidade. Ninguém merece calúnia, por mais que faça por merecer. Alguns fazem para ganhar fama na TV, mas a CF tutela a honra independentemente da vontade da pessoa, haja vista que uma pessoa não vive absolutamente sozinha. Ela pode atingir família, o legado de uma família morta. Em sentido objetivo, a calúnia é imputação de prática de crime. O autor da calúnia sabe que a vítima é inocente, não praticou crime ou praticou crime diverso.
Ainda, é de salutar também que não importa qual espécie de delito, seja tentado, consumado, hediondo, assim como não importa se existe inquérito policial, processo, sentença condenatória, quanto mais se for uma imputação plenamente falsa, a pessoa jamais praticou crime na vida. A pessoa pode ter praticado furto, por exemplo, mas é caluniada, dizendo que o agente do fato praticou roubo. A pessoa pode ter praticado ameaça e pode ser caluniada como praticou o estupro por exemplo. Neste caso é imputação falsa, mentirosa. Isso, contudo, pode ser comparado com o caso da denúncia de Sérgio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro, se porventura for falsa.
A vítima de calúnia deve ser imputável. Os inimputáveis não podem ser vítima de calúnia. O fato de calúnia deve ser determinado no tocante ao falso crime, a vítima, ou seja, o fato de calúnia não pode ser vago, impreciso. O fato da calúnia deve ser circunstanciado, ou seja, qual crime, qual dia, onde foi praticado, a hora que foi praticado, porque seria atípico um fato prático. Então o fato de calúnia merece circunstâncias, determinação, pois se não tornará atípico. Para fazer tal calúnia deverá circunstanciar, determinar o fato. Em sentido subjetivo, a calúnia precisa do dolo e animo especial. Não basta a vontade de caluniar. É necessário o ânimo de ofender gravemente a honra objetiva. Então, no caso concreto, não basta dolo. Além dele, é necessário o ânimo de calúnia, o ânimo de ofender gravemente a honra objetiva.
CONCLUSÃO
Diante da análise realizada, conclui-se que o momento político atual é delicado, tendo em vista que ambas as partes (Moro e Bolsonaro) se acusam, porém, não há provas contundentes sobre o fato. É somente com a finalização do Inquérito no STF que podemos tecer opiniões e conclusões sobre o caso em concreto.
De toda forma, mesmo se Bolsonaro sair como vitorioso nessa queda de braço, infelizmente, ele não terá mais o mesmo prestígio e respeito como antes, pois, a base de apoio foi rachada e ele não terá mais uma base forte, tanto na militância política, quanto no congresso nacional.
Além disso, Bolsonaro precisará trabalhar incessantemente para reconstruir a sua imagem política, a fim de que fortaleça a sua base aliada, bem como a sua confiança, tanto nacionalmente, quanto internacionalmente e no mercado financeiro.
REFERÊNCIAS
https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-05/problemas-de-articulacao-politica-estao-sendo-resolvidos-diz-guedes (Acesso em Abril de 2020);
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/04/23/interna_politica,847508/moro-fala-em-demissao-apos-bolsonaro-anunciar-troca-na-direcao-da-pf.shtml (Acesso em Abril de 2020);
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/04/24/leia-integra-do-discurso-de-bolsonaro-apos-demissao-de-moro.htm (Acesso em Abril de 2020);
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/04/25/carla-zambelli-mostra-mensagens-e-diz-que-moro-queria-ser-indicado-ao-supremo (Acesso em Abril de
2020);
https://revistaforum.com.br/politica/delegados-da-pf-desmentem-bolsonaro-sobre-demissao-de-valeixo/ (Acesso em Abril de 2020);
https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2020-04/pgr-pede-abertura-de-inquerito-no-stf-para-apurar-declaracoes-de-moro (Acesso em Abril de 2020).
2 Comentários
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