Nos últimos anos nenhum tema rachou tanto os conservadores quanto a questão da liberação dos jogos de azar, majoritariamente se tem dois lados na questão, os favoráveis advogam pelo potencial econômico que seria gerado, e os contrários baseiam seus argumentos na religião ou na proteção do tecido social. Devo dizer que considero que os dois lados tem excelentes argumentos e que independentemente do que for decidido pelo governo será com uma margem apertada dada a profusão de opiniões. Pretendo explicar os dois lados e trazer um terceiro argumento até então ausente no debate sobre a questão, se constitui um argumento favorável à liberação baseado na história e na criminologia (ciência que estuda as motivações do crime através da sociologia e da psicologia).
A Primeira pergunta que se coloca é se obrigatoriamente religião e o conservadorismo devem andar juntos? Não necessariamente, mas é normal que se veja dessa maneira, pois se desenvolveu ao longo dos séculos uma ligação bem forte entre as posições políticas conservadoras e a religião cristã, Martin Luther King era pastor e republicano, Eric Voegelin tinha suas obras mais respeitadas em círculos teológicos que filosóficos, e ainda antes o próprio Edmund Burke, pai do conservadorismo moderno, em sua famosa frase de que a sociedade seria um pacto entre os que já morreram, os que estão vivos e os que ainda virão a nascer deixa claro sua crença em um tipo de ordem transcendental. Entretanto não é obrigatório que se tenha uma crença religiosa para ser um conservador, Nietzche (erroneamente tido como um filósofo de esquerda) e Dostoievski já tinham trazido a perspectiva de que o homem por si só é fonte legítima e natural da moral, Russell Kirk também deixa claro na obra a Política da Prudência que “A Posição chamada conservadora se sustenta em um conjunto de sentimentos, e não em um sistema de dogmas ideológicos, portanto é capaz de abarcar uma diversidade considerável de pontos de vista”
A segunda pergunta é se os jogos de azar e o conservadorismo são compatíveis, nesse ponto a resposta é que vai depender de onde deriva o seu conservadorismo. Se o seu conservadorismo não deriva da religião, não se encontram contradições aparentes, mas ainda há o argumento contrário devido a proteção do tecido social. A posição das duas religiões majoritárias no ocidente é a seguinte. (Não pretendo entrar em detalhes para poupar o leitor, portanto será apenas um breve resumo só para estabelecer as posições)
Na tradição judaica compilada no Talmude, existe uma divergência entre os judeus ortodoxos e os judeus progressistas, enquanto para os ortodoxos o jogo é descrito como uma atividade financeira arriscada e do ponto de vista moral o jogo é visto como um pecado. Os progressistas enxergam que o mero envolvimento com o jogo não fere as regras da religião, apenas o vício seria condenado , por essa razão, vários judeus são donos de cassinos, inclusive os fundadores de Las Vegas eram judeus.
No cristianismo, o guia é a Bíblia, o livro sagrado, em relação aos jogos de azar, em vários versículos se trata com desconfiança, uma vez que é sugerido que jogar não é o caminho certo para se ganhar dinheiro, também diz que dinheiro ganho de forma desonesta não agrada a Deus. Também se pode lembrar que a ganância é um dos sete pecados capitais, portanto também para o cristianismo os jogos seriam imorais. No entanto é enfatizado a questão da liberdade do individuo.
O Melhor argumento contrário em minha avaliação é o da proteção do tecido social, afinal o vício em jogos pode sim acabar com famílias, e claramente as chances favorecem mais a casa, nos jogos envolvendo cartas você até tem mais controle, mas nos outros é somente sorte que determinará. Não faltam relatos de como o jogo arruinou a vida de muitas pessoas e sim, essa é uma questão que deve ser levada em conta pelo poder público.
O Argumento Econômico e o efeito Máfia.
Do ponto de vista econômico parece haver um consenso de que a permissão para cassinos entrarem em operação no Brasil seria bom, basicamente pela geração de emprego e renda e aumento da arrecadação do Estado, ainda pode mencionar as externalidade positivas que a existência dos cassinos possibilitaria, especialmente no setor de serviços como restaurantes, shoppings e hotéis… A questão da hotelaria merece uma atenção especial, pois já existe ampla capacidade instalada nas principais capitais do país, capacidade essa que não é utilizada pois a exceção de São Paulo o Brasil não possui um turismo de negócios forte…portanto para o setor hoteleiro as perspectivas são as melhores possíveis no aumento do número de turistas.
A cidade do Rio de Janeiro se beneficiaria em peso dessa permissão, em uma crise econômica sem precedentes, o aumento do número de turistas e em um fluxo agora constante e não mais esporádico como no carnaval pode oferecer armas ao estado para pelo menos equilibrar o jogo com os grupos paramilitares que formam uma espécie de poder paralelo nas favelas da região. Ou no cenário mais provável, e aqui entra a criminologia que mencionei acima , transferência de controle do crime desorganizado e caótico do narcotráfico para o crime realmente organizado das máfias.
Com a liberação dos cassinos no Brasil e especialmente no Rio de Janeiro, a tendência é que grupos mafiosos europeus e americanos enxerguem uma galinha dos ovos de ouro na cidade, afinal de contas o Rio de Janeiro com cassinos é Las Vegas com praia. Para conseguir esse controle a máfia serviria como se fosse um esquadrão ” black ops” para o Estado. Pois a máfia pode fazer o que a polícia não pode, sim é uma visão fria e cética, mas a história do crime organizado comprova que muitas vezes as forças de segurança precisaram escolher o mal menor frente as suas próprias restrições legais e orçamentárias. Na maioria dos casos os crimes que a máfia está envolvida nem envolve o tráfico de drogas (portanto existe aqui uma externalidade positiva ) e muitas das famílias já legalizaram seus negócios e as que não legalizaram estão envolvidas com práticas de extorsão e lavagem de dinheiro essas são as principais fontes de renda desses grupos hoje em dia, de acordo com um estudo da associação dos comerciantes italianos divulgado em 2007, a Máfia representava 7% do PIB do país, em outras palavras é a maior empresa da Itália.
No livro A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil (2013) a socióloga Camila Nunes Dias e o economista Bruno Paes Manso argumentam que algo semelhante ocorreu no estado de São Paulo, as constantes quedas nos números de crimes violentos naquele estado desde a década de 90 derivam da capacidade do PCC funcionar como um monopólio do crime, controlando as taxas de homicídio e gerando pacificação, o que não ocorre em outros estados da federação em que existe uma briga de facções por território, rotas e poder. O Renomado historiador italiano Salvatore Lupo na obra História da Máfia: Das origens até os nossos dias (2002) argumenta que o código de conduta interno das máfias gerava um certo tipo de ordem na sociedade, dentre os dez mandamentos da máfia, documento encontrado na casa de Salvatore Lo Piccolo, ex chefe da Cosa Nostra preso em 2007 estavam pautas como sempre manter a palavra, não ser infiel, tratar sempre sua esposa com respeito dentre outras.
Alguns mafiosos inclusive expulsam de suas famílias qualquer um que esteja envolvido com as drogas pois enxergam tal atividade como uma degeneração do tecido social, Um exemplo disso é que das cinco famílias que dividiam o controle de Nova Iorque (Genovese, Bonnano, Lucchese, Gambino e Colombo) apenas uma delas enxergava o tráfico de drogas como algo permitido, é engraçado perceber isso vindo de mafiosos, afinal são todos foras da lei ou flertam com a ilegalidade, mas a realidade é que mesmo mafiosos apresentavam julgamentos morais superiores aos de parte da sociedade em alguns aspectos.
Finalizo dizendo que sou sim favorável aos cassinos no Brasil, talvez com alguns critérios de descriminação por renda para proteger os mais pobres, mas no agregado é uma medida que pode acertar em cheio o maior problema no país, que é a violência gerada pelo tráfico de drogas.