O último fim de semana trouxe três eventos de importância para as Relações Internacionais, e para as respectivas políticas externa e interna de cada um dos países envolvidos, irei abordar especialmente os Estados Unidos e os países membros do Mercosul, um desses eventos têm impacto global, a morte de Abu Bakr Al Baghdadi, líder do grupo terrorista Estado islâmico, também conhecido como ISIS. Baghdadi cometeu suicídio ao ser ver encurralado por um grupo das forças especiais americanas na noite de sábado. A morte dele guarda semelhanças com a morte de outro terrorista islâmico Osama Bin Laden.
As duas operações foram autorizadas pelo presidente dos Estados Unidos um ano antes da briga pela reeleição. Em março de 2011 a aprovação da administração Barack Obama era de 40%,(o que é muito baixo considerando que era o terceiro ano de mandato e os EUA já não estavam mais em recessão como em 2009) em maio após a morte de Bin Laden esse percentual saltou para 60% e basicamente confirmou a reeleição de Obama em 2012, agora a expectativa é que a morte do líder do ISIS tenha o mesmo efeito na aprovação do governo Trump, antes do evento de sábado a noite a aprovação de Donald Trump era de 44%, o que também é baixa, possivelmente ao longo das próximas semanas iremos testemunhar um crescimento exponencial da aprovação ao presidente Trump, e nesse momento com um pedido de impeachment prestes a ser votado na câmara o efeito pode ser ainda maior na popularidade do republicano, o senado tem maioria republicana e são necessários 2/3 dos votos para remover o presidente, os democratas sabem que as chances disso acontecer são quase 0 ( Trump tem 96% de aprovação interna no partido republicano) no entanto motivados pela opinião publica majoritariamente progressista decidiram tentar a sorte, eles não se atentaram para outra consequência não intencional dessa investigação, o único candidato democrata com chances reais contra Trump é Joe Biden, e é nele que a bomba deve explodir.
Enquanto Biden era vice-presidente de Obama, seu filho Hunter trabalhava numa grande empresa ucraniana e foi investigado por corrupção, o que motivou, em teoria o pedido de impeachment por parte dos democratas foi que Trump tentou exercer influencia para que o presidente ucraniano reabrisse o inquérito, mas as autoridades ucranianas já haviam aberto outra investigação antes de Trump ter feito qualquer coisa, com isso os democratas reduzem ainda mais sua chance de retomar a presidência, Trump já tem a seu favor a vantagem do incumbente, eleições marcadas por uma tentativa de reeleição em 70% dos casos terminam com a vitória de quem já está no cargo, é uma vantagem estrutural que o sistema político oferece ao chefe de Estado em sistemas presidencialistas, para mais informações sobre isso sugiro o livro The Science of Politics (2011)de Josep Colomer. Além disso, Trump também terá a seu favor os ganhos políticos advindos da vitória contra o ISIS, poderá usar a retórica que tentaram dar um golpe de Estado nele junto aos indecisos e poder indagar a Biden nos debates questões especificas sobre a Ucrânia.
Agora sobre os impactos globais da derrota do Estado Islâmico, a curto prazo pode significar menos atentados na europa ocidental e nos Estados Unidos, mas a longo prazo a questão é mais complicada… Como bem disse meu grande amigo Victor Mendes, especialista em mecanismos de financiamento terroristas, ele me disse: “Rodrigo, em cinco, dez ou quinze anos irá surgir outro grupo” e ele está coberto de razão, por dois motivos primordiais, um de cunho financeiro e outro de cunho cultural… a razão financeira é que cada vez mais será mais fácil para esses grupos conseguirem financiamento, o avanço tecnológico já permite e tende a facilitar ainda mais para essas organizações, criptomoedas por exemplo, o uso de paraísos fiscais para facilitar a movimentação desse dinheiro etc… Se tem uma coisa que é verdade no mundo cibernético é que o tempo de reação das forças de segurança é ainda mais lento no mundo virtual que no real, e que o criminoso por consequência está mais seguro, pois ele não se expõe.
Do ponto de vista cultural, a razão para sempre existir o terrorismo islâmico é simples, a própria existência da democracia liberal é uma afronta para as sociedades islâmicas, não estou dizendo que todo islâmico é terrorista, inclusive acho que os Emirados árabes Unidos deveriam ser um exemplo para os demais de que é possível construir uma balança entre a tradição islâmica e o mundo moderno sem descambar para radicalismos. Já escrevi sobre Samuel Huntington e o choque de civilizações no mês passado, e mais uma vez se faz necessário evocar a mensagem dele. Terroristas não são como ladrões de banco ou serial killers, eles não estão atrás de dinheiro ou fama, eles tem uma missão e se tiverem que dar a vida para completar essa missão eles o farão sempre tendo em vista que Alá os aguarda. Para os ocidentais essa ideia parece absurda especialmente devido a separação entre Igreja e Estado, mas para eles o nosso mundo é apenas degeneração, a globalização acirrou os conflitos pois tornou a convivência mais próxima e fácil, a imigração é mais fácil mas a assimilação da cultura não é, portanto o choque é inevitável. O próximo grande grupo terrorista possivelmente será mais difícil de ser derrotado, pois vão aperfeiçoar o que deu errado para a Al Qaeda e para o ISIS, será ainda mais cruel com suas vitimas e provavelmente já até existe, dissidentes do Boko Haram, da irmandade muçulmana, do Hamas e por aí vai… É válida a celebração de que ao menos por ora o modo de vida ocidental está protegido, mas sempre de olho no futuro para ser capaz de antecipar os problemas.
As Eleições no Uruguai e na Argentina
Eleições nos dois países devem dividir a vitória entre a direita e a esquerda, No Uruguai terá segundo turno entre o senador Lacalle Pou do partido nacional (conservador) e Daniel Martínez do frente ampla (esquerda), a vitória de Lacalle é praticamente certa, o que quebraria a hegemonia da esquerda que já dura quinze anos, Martinez teve mais votos no primeiro turno no entanto os dois candidatos derrotados Ernesto Talvi do partido colorado e Guido Rios do cabildo aberto não irão se aliar ao frente ampla pois ambos os partidos se situam a direita, portanto Lacalle que recebeu 635.595 votos no primeiro turno deve contar com transferência automática de votos e saltaria para 1.241.554, mais do que o suficiente para derrotar Martínez que não deve superar um milhão de votos. Se confirmando esse cenário a situação ficará bem difícil para o outro país que teve eleições no domingo a Argentina, com vitória no primeiro turno de Alberto Fernández sobre Maurício Macri, a Argentina é hoje o único país de esquerda na região, o que limitaria e muito as possíveis invenções que certamente os peronistas desejam.
Tenho visto alguns colegas e amigos levantarem preocupações a esse respeito e inclusive a possibilidade da Argentina sofrer o mesmo destino da Venezuela, nada mais incorreto na minha avaliação. A situação hoje é muito diferente da que ocorreu no inicio do século e ficou conhecido como onda rosa, um conjunto de governos de esquerda e social democratas que governou todo o continente, não é meu objetivo nesse artigo explicar as razões da derrota de Mauricio Macri, que foi extremamente incompetente e gradual em suas propostas, em resumo foi um liberal na retorica mas na prática não fez nenhuma modernização do Estado, acelerou privatizações nem nada associado ao pensamento liberal, do ponto de vista lógico a eleição dos peronistas não faz sentido, pois eles que criaram a crise que Macri não soube resolver em seu mandato, do ponto de vista econômico também não faz sentido, Fernández já anunciou restrição de moeda estrangeira, aumento do salário mínimo e congelamento de preços, receitas para a construção de um cenário de inflação inercial.
Fernández não tem muita escolha, ou ele faz o que a esquerda portuguesa vem fazendo e reduz o Estado ou é falência de verdade. Você não leu errado querido leitor, a esquerda portuguesa não é esquerda na prática do ponto de vista econômico, está conduzindo um processo de modernização do Estado e da economia como qualquer liberal como Gustavo Franco ou Paulo Guedes faria. Lembrando que esse é um fator histórico, a esquerda pode ser liberal o quanto for na prática que seus seguidores não vão fazer as acusações que são feitas a governos de direita ou até mesmo a esquerda moderada como FHC que adotam o mesmo caminho. O filósofo Eric Voegelin disse certa vez que a ideologia nunca conseguirá se sobrepor a realidade, a situação que a Argentina se encontra é essa, é histórico que nunca um único pais saiu de alguma crise econômica usando medidas heterodoxas, exceção feita talvez aos Estados Unidos na crise de 29, em que é creditado a John Maynard Keynes a solução do problema através do New Deal, dois pontos a esse respeito, 1- Não existe consenso entre os economistas que os Estados Unidos saíram da crise por causa do New Deal, e se pessoas que já ganharam um prêmio Nobel ainda se digladiam com relação a isso, quem sou eu para apontar quem está certo, apenas aponto que não há consenso, 2- Os Estados Unidos tinham reservas para usar no plano heterodoxo, a Argentina já está falida, planos econômicos heterodoxos forçam muito os gastos do Estado, a Argentina não tem capacidade para sustentar isso a longo prazo.
Por mais que os Kirchner e sua linha de esquerda tenham ambições totalitárias, a realidade é que isso é impossível hoje, vamos analisar como estão as forças políticas no continente americano hoje, Brasil com Bolsonaro, Paraguai com Benítez, Colômbia com Marquéz, Uruguai que muito possivelmente terá Lacalle, Bolívia que está sob investigação de fraude no primeiro turno pela OEA e que caso não tenha fraude no segundo turno deve dar a vitória a Carlos Mesa, e a Venezuela que está mais falida que a própria Argentina, além da ausência de alinhamento todos esses presidentes contrários ao Kirchnerismo estão no primeiro ano de seus governos. Portanto não existe espaço para a Argentina tentar se impor no continente e muito menos no Mercosul, a potência regional é o Brasil, e os demais países do Mercosul se chegar ao ponto de ter que escolher ou Brasil ou Argentina irão escolher o Brasil, não unicamente por alinhamento ideológico mas também devido ao acordo UE-Mercosul, para o Brasil esse acordo não significa tanto, mas para os demais membros é de fundamental importância, o Brasil liderou as negociações devido ao seu papel de potência regional mas não é ele que precisa efetivamente.
O Brasil tem um mercado consumidor interno enorme e por isso não precisa se preocupar tanto com participação no comércio exterior, países com baixa densidade populacional não tem esse luxo, a Argentina sabe que se for suspensa do Mercosul ela estará em uma situação extremamente vulnerável do ponto de vista econômico, e aí restará como caminho ou se adequar ou ir pro caminho da Venezuela, mas o que muitos não notam é que a Venezuela pode ser uma ditadura por um motivo chamado Petróleo, a Rússia tem muito interesse nas reservas venezuelanas e por isso não só sustenta o regime ditatorial de Nicolás Maduro como impede com seu veto por ser membro permanente do conselho de segurança das Nações Unidas qualquer ação para mandar uma missão de paz para o território venezuelano, Ai eu pergunto o que a Argentina pode oferecer para qualquer um dos P5 ( os países membros permanentes do conselho de segurança das Nações Unidas, Rússia, China, Inglaterra, França e Estados Unidos ). Será suicídio dos peronistas guiar a política externa de forma ideológica na conjuntura atual.