Desde o primeiro debate presidencial televisionado em rede nacional, ocorrido em 1960 entre John F. Kennedy e Richard Nixon, não se presenciava uma derrota tão acachapante, e por que não dizer, humilhante, de um candidato à presidência dos Estados Unidos em um debate político. Naquela ocasião, Nixon estava visivelmente mais cansado e pálido, tendo se recuperado recentemente de uma doença e recusado o uso de maquiagem para a televisão. Isso contrastava fortemente com Kennedy, que parecia bronzeado, descansado e confiante. Kennedy compreendeu melhor o meio televisivo, olhando diretamente para a câmera e criando uma conexão direta com o público. Nixon, por outro lado, frequentemente olhava para os repórteres presentes no estúdio, dando a impressão de estar desconectado dos telespectadores. Sua linguagem corporal também prejudicou sua performance, com transpiração visível e uma aparência nervosa e inquieta. Kennedy, por sua vez, manteve uma postura relaxada e confiante.
O que assistimos nesta quinta-feira foi ainda pior. No caso de Nixon, tratava-se de despreparo para uma ocasião inédita, um debate televisivo. No caso de Biden, não estamos falando de falta de treinamento ou preparação para futuros debates, mas sim de suas capacidades mentais para governar um país. Esse debate confirmou hipóteses e impressões surgidas desde a eleição de Biden: sua senilidade, incapacidade de raciocínio lógico e dificuldade de articular palavras ficaram evidentes, assustando até mesmo as mídias simpáticas ao atual ocupante da Casa Branca.
Biden enfrentou um Trump que era a antítese de seu vigor físico e mental. A diferença de idade entre ambos não é grande, míseros três anos, mas quando vemos o semblante e a energia de um e do outro, parece que estamos diante de um atleta de alto rendimento contra um senhor debilitado em estado de coma profundo. Não é exagero usar esses termos para se referir à diferença de imagem e percepção sobre ambos, pois esses são exatamente os termos corretos. Trump não ganhou o debate por seu conteúdo — na verdade, foi um debate pobre nesse sentido, como são a grande maioria desses debates políticos, que são grandes teatros sofistas. Nenhum dos dois candidatos tinha conteúdo significativo, mas Trump venceu porque exalava energia e virilidade contra um homem abatido, de semblante cansado e deteriorado.
No primeiro bloco, transitaram por dois temas em que Trump se destacou: imigração e aborto. Trump usou de sua retórica habitual e taxativa contra imigrantes ilegais: são terroristas, estupradores, assassinos, etc. Biden teve que tentar defender sua gestão desastrosa nas fronteiras e no acúmulo insalubre de imigrantes no país, mas não conseguia concatenar três palavras sem se perder no discurso. Em um dos momentos mais constrangedores, quando tentou atacar Trump sobre questões tributárias e impostos sobre os mais ricos, ele chegou a passar quase 30 segundos olhando para baixo, se enrolando nas palavras, citando palavras aleatórias, confundindo várias vezes bilhões com trilhões, mencionando estranhamente solidariedade, elegível e COVID-19 em uma sucessão de termos sem sentido algum, até dizer, de forma muito estranha, “Finalmente batemos o Medicare”. Confesso que naquele momento, senti pena do Presidente. Me veio à cabeça: “o Partido Democrata está praticamente torturando um idoso com declínio cognitivo ao expô-lo ao ridículo; não podem continuar com isso, é imoral”. Trump, mostrando sua capacidade de usar os deslizes de Biden a seu favor, aproveitou o deslize de Biden para reafirmar o tema que dominou seu discurso durante todo o debate: a imigração ilegal e o caos gerado pela atual administração da Casa Branca nesse tema, e nisso se saiu bem, mesmo que certas afirmações absolutas sobre os imigrantes latinos sejam questionáveis.
Mesmo em temas em que as pesquisas de opinião mostram que os democratas possuem a preferência do público, como no caso do aborto, Trump soube navegar muito bem. Em uma cartada interessante, conseguiu se posicionar como moderado ao apresentar os democratas como defensores de abortos tardios. Outro ponto interessante foi nas abordagens dos dois grandes conflitos militares e geopolíticos do mundo: a guerra entre Rússia e Ucrânia e o conflito entre Israel e Hamas. Na primeira, Trump criticou os supostos gastos excessivos do Tesouro americano em um conflito distante dos Estados Unidos, reafirmou sua defesa de uma participação maior da OTAN nos gastos militares do tratado e de uma América voltada para si. Vemos aqui a postura do paleoconservadorismo de Trump: se opõe a intervenções militares no exterior, defendendo uma política externa mais isolacionista e focada em interesses nacionais diretos. O paleoconservadorismo emergiu como uma reação ao que muitos conservadores tradicionais viam como a deriva do movimento conservador dominante, especialmente durante as décadas de 1970 e 1980. Eles estavam insatisfeitos com o crescimento do neoconservadorismo, que promovia uma política externa intervencionista e uma abordagem mais liberal em certas questões sociais e culturais. A ênfase na soberania nacional é central. Defendem um controle rigoroso das fronteiras e são críticos da imigração em massa, que veem como uma ameaça à identidade cultural e à coesão social. Trump pode parecer um falastrão, mas suas ideias são herdeiras de uma tradição de pensamento e, mesmo que de forma deveras escrachada e com algumas falsificações da realidade, ele exprime o paleoconservadorismo como tese política de campanha, embora com pobreza de conteúdo. Biden, por outro lado, construiu uma série de ataques morais a Vladimir Putin e defendeu a perspectiva cosmopolita, aberta e liberal do “bloco ocidental”, recriando a retórica do Eixo do Mal do establishment político norte-americano. É preciso, então, defender.
Quando se tratava da Guerra entre Israel e Hamas, Biden buscou reiterar o apoio à Israel e comentou sobre seu plano de pacificação do conflito que não logrou êxito. Já Trump, partiu para acusações de que Biden teria uma suposta aliança com a Palestina e defendeu uma postura permissiva ao governo israelense nas suas retaliações ao Hamas. Biden não soube apresentar um plano convincente de pacificação, já Trump partiu para o ataque e acusações típicas.
Apesar das visões distintas de ambos na política externa, em um tema não só importante aos americanos, mas ao mundo como um todo, faltou conteúdo ao debate. Nada foi aprofundado, não houve uma preocupação em apresentar soluções concretas a não ser mera retórica. Neste tema, como em quase todos os outros, o que venceu não foi o conteúdo, mas a imagem e a retórica, e isso foi um banho. O resultado do debate e seu vencedor perante o eleitor americano não se deu por uma análise de qual candidatura apresentou as melhores propostas para aquilo que aflige os americanos, mas se deu pela pergunta: qual dos dois tem sanidade mental para governar os Estados Unidos. É o símbolo do declínio do maior império do século XX.
Donald Trump não apresentou um desempenho excelente. Um candidato democrata com mínima sanidade mental teria conseguido colocá-lo em uma posição delicada em temas nos quais o republicano tergiversou, especialmente sobre meio ambiente e o impacto da invasão do Capitólio em 6 de janeiro. Esses são tópicos aos quais o republicano não respondeu adequadamente ou desviou para assuntos nos quais se sentia mais confortável. No entanto, Joe Biden mal conseguia se manter em pé; não era possível esperar que ele conseguisse colocar Trump contra a parede.
O baque para os democratas se nota nas recentes especulações na mídia americana de uma desesperada troca de Biden por outro político democrata em tempo recorde às vésperas de uma convenção. Muito se fala em Gavin Newsom, governador da Califórnia, ou Michelle Obama, ex-primeira-dama. Enquanto isso, para os republicanos, o clima é, não sem razão, de um já ganhou. Foi, de fato, uma humilhação pública de Joe Biden!