Em junho de 2021, as manchetes de uma possível reforma financeira global capitaneada pelas maiores economias do mundo tomaram de assalto as redações dos principais jornais do mundo, logo depois economistas e analistas internacionais começaram a debater quais seriam esses impactos e quais seriam os objetivos dessa reforma no sistema financeiro global. Basicamente esse novo imposto seria cobrado das multinacionais com múltiplas subsidiárias e filiais espalhadas pelo mundo. O valor final da taxa será entre 15 e 20%. Antes de tudo, precisamos entender o contexto em que esse acordo histórico ocorreu, isso não quer dizer que os seus efeitos sejam positivos, ou negativos, ou mesmo que a reforma realmente aconteça, mas o escopo do acordo é sim histórico, o maior do atual século, pelo menos.
A Macroeconomia tem a resposta que precisamos. Como todos sabem, em 2020 houve uma paralisação econômica quase que total em todo o mundo, devido a Pandemia do COVID-19 todos os países do mundo através dos seus bancos centrais tiveram que aplicar políticas monetárias expansionistas para impedir que o Consumo em seus países caísse para 0, ampliando ainda mais os efeitos da recessão gerada pelo fator exógeno da doença. O grande problema é que ao ampliar a circulação monetária se gera dois efeitos, a Inflação e o endividamento dos governos, não era uma questão de ortodoxia ou heterodoxia fiscal e monetária. Mas de própria sobrevivência, os governos sabiam que estavam adiando artificialmente a crise para poder tratar da pandemia e enfrentar os efeitos recessivos na economia depois do fim da doença.
Ao transferir renda diretamente para a população os governos ampliaram os seus gastos, e toda essa transferência se tornou inflação futura, pois aumentou a renda disponível para consumo das famílias. Paralelamente a isso, os juros no mundo todo já começaram a subir ou ainda irão subir para conter a alta inflacionária, juros baixos tornam mais atrativo consumir hoje se endividando amanhã, e esse boom de consumo volta depois configurado como Inflação, outro problema é gerado para os governos nesse momento, se os juros precisam subir para conter a inflação isso significa um consumo menor, portanto significa um PIB menor e uma arrecadação menor para o Estado.
Esse foi o peso da pandemia nos planos da reforma financeira global, encontrar maneiras de recuperar o gasto massivo que foi feito em 2020. Mas vale lembrar que os Estados Unidos, líder informal do G7 já desejava isso há algum tempo, no livro escrito por Donald Trump no período que antecedeu sua bem sucedida campanha em 2016, Trump dedicou alguns capítulos da obra “Grande Outra Vez” para falar muito sobre uma das suas principais plataformas de campanha, a iniciativa “Buy American”. Trump, assim como vários chefes de Estado e intelectuais ligados a chamada “Alt Right” começaram um movimento de questionamento ao sistema liberal vigente desde o fim da guerra fria, sistema esse que permitiu o avanço e o desenvolvimento de maior complexidade no fenômeno da globalização. O objetivo aqui não é entrar no mérito se a visão de Trump a esse respeito está correta ou não, seria uma discussão bem complexa que excede o objetivo desse artigo em específico.
A ideia de Trump basicamente é que ao permitir que as multinacionais americanas tenham suas plantas produtivas em outros países em que a mão de obra é mais barata, Os Estados Unidos resolvem o problema do desemprego desses países, mas não resolvem o problema do desemprego em terras americanas, especialmente na classe média baixa, o maior reduto do eleitorado Trumpista. Ideologicamente pode soar estranho que Biden dê andamento a uma proposta que carrega todas as digitais do seu antecessor, e Biden sempre se posicionou como alguém que seguiria, na economia, o que ficou conhecido por “Consenso de Washington “ Série de medidas de equilíbrio fiscal e monetário que foi amplamente usada para combater os efeitos das crises geradas pelos choques do petróleo e da década de perdida de 1980. Talvez Biden tenha observado que seria uma boa ideia olhando o pano de fundo pandêmico, ou talvez, e mais provável, essa tenha se transformado em uma Política de Estado americana e não uma política de governo, demonstrando o que nem republicanos e nem democratas gostariam de admitir, que existe certo grau de continuidade em certos tópicos no Estado americano.
Outro ponto que não deve ser esquecido é que por mais que essa discussão pareça ter uma máscara técnica de discussão puramente econômica, existe um pano de fundo eminentemente político nessa proposta do G7. Uma forma de combater a influência da China, A OMC (Organização mundial do Comércio) se mostrou ineficiente para lidar com o frequente Dumping chinês, Dumping significa fazer uso da economia de escala para quebrar os concorrentes e então se tornar monopolista, a China vem fazendo isso constantemente desde o início da última década, sempre sendo denunciada e nunca sendo punida a respeito. Os países do G7 pretendem dar um basta nisso com a taxa mínima global, se independentemente de onde o produto é produzido ele irá pagar 15% de taxa, os incentivos para mover plantas produtivas para locais de baixos impostos e mão de obra barata não existiriam mais. Os países ocidentais também irão perder com isso ? Economicamente sim, mas se a China perder mais do que eles, seguindo os princípios da distribuição de poder relativa, pode sim valer a pena.
Erra quem tenta entender esse assunto estritamente do ponto de vista econômico, essa é uma discussão ancorada no Realismo Político da Teoria Política Internacional. Em TheoryofInternationalPolitics (1979) o Cientista Político e teórico das relações internacionais, Keneth Waltz (1924-2013) argumenta que o fator de maior peso na definição da política externa por parte do Estado é a sua posição em relação aos demais Estados, baseando se nisso Waltz constrói a teoria da distribuição de poder relativa, em certos momentos o Estado pode até aceitar perder, se o seu rival sair perdendo mais do que ele, essa visão teórica é hoje conhecida como Realismo Defensivo, na mesma obra se pode encontrar explicações do porque os países europeus e o japão concordaram com o projeto americano, isso é explicado pelo conceito de bandwagoning (seguir o líder).
Os demais países têm mais a ganhar com um sistema financeiro internacional desenhado por um aliado, e não por um rival, apoiando e fazendo parte do projeto americano esses países poderão influenciar de certa maneira para onde o sistema irá e como essa regulamentação será construída, caso eles não apoiassem e o projeto naufragasse, no médio prazo a China poderia se tornar a maior economia do mundo e exercer o papel hoje exercido pelos Estados Unidos.
O ponto de interesse que o G7 tornou público não foi o geopolítico, e também não foi a necessidade de recuperar fundos devido aos gastos extraordinários do ano passado, o ponto que os ministros da economia dos países integrantes do bloco declararam publicamente é o combate à sonegação fiscal e aos chamados paraísos fiscais, no sistema atual as grandes empresas têm o incentivo de constituir manobras contábeis complexas para reduzir o valor da sua contribuição ao fisco, se instalando em países que oferecem menos burocracia e carga tributária menos agressiva. A questão é que a manobra capitaneada pelo G7 colocaria em risco de falência um grande número de Estados que desenvolveram suas economias a partir de regras bem construídas de competitividade tributária, o Panamá, o Uruguai, Irlanda, Hungria, Bulgária, Luxemburgo dentre outros ficariam consideravelmente mais pobres caso a proposta capitaneada pelos países ricos entre em vigor com a evolução das negociações, portanto não será simples as negociações e o acordo por uma taxa que satisfaça todos os países envolvidos.
Analisar moralmente a situação fica ainda mais difícil, porque ao mesmo tempo que Paraísos Fiscais podem servir somente para as empresas fugirem de impostos corporativos que já são muito altos, fora o quão caro é em alguns países da Europa Ocidental manter os funcionários e ainda ter de lidar com a moeda única da zona do Euro, que na prática tornou a desigualdade entre a Europa rica e a Europa pobre ainda maior. Por um lado Paraísos Fiscais tornam as empresas mais ricas, com isso permitem maior orçamento para a área de P&D, como isso se gera mais inovações de produto e processos que levam a uma maior variedade e maior competição entre as empresas, reduzindo o valor dos bens e serviços como bem apontado pelo economista Joseph Schumpeter, por outro lado os Paraísos Fiscais também são utilizados pela criminalidade internacional, Cartéis como o de Sinaloa, a Máfia italiana, grupos fundamentalistas como o ISIS e o Talibã fazem uso das facilidades e anonimatos garantidos por tais países através de empresas de fachada.
A solução para a reforma financeira global não é simples, mas sem dúvida é um tópico que merece a atenção de todos interessados em Economia e Política Internacional.