O início da década final do século XX parecia ser o momento mais feliz do século, a queda do muro de Berlim como demonstrado pela música da banda alemã Scorpions trouxe os ventos da mudança, a reunificação daquele país, a reestruturação econômica e política da Rússia através da Glasnost e da Perestroika, o triunfo da democracia liberal, da globalização dos direitos humanos e do livre mercado sobre os inimigos representados pela URSS, a felicidade era tanta que o renomado autor Francis Fukuyama proclamou em sentido hegeliano o fim da história.
Nesses momentos de euforia quem vai contra a multidão é chamado de louco ou histérico, exatamente o que aconteceu com Samuel Huntington e seu artigo (1993), mais tarde transformado em livro Choque de Civilizações (1996). Huntington quando o artigo foi publicado desencadeou inúmeras críticas de outros estudiosos das relações internacionais, principalmente os de vertente liberal que viam a aplicação de seu conceito da interdependência complexa como a garantia da paz mundial. Essa idéia não é da década de 90 como a de Fukuyama, a teoria da interdependência complexa foi desenvolvida por Robert Keohane e Joseph Nye Jr na obra Poder e interdependência (1977) ela estabelecia que os custos da guerra seriam muito altos o que tornaria praticamente inviável a existência de conflitos, e que os Estados fariam um cálculo de custo benefício econômico e prefeririam resolver seus problemas através da diplomacia e do chamado multilateralismo das instituições internacionais, daí vem a articulação das Relações Internacionais com a teoria dos jogos como descrito por Lisa Martin no artigo Interests,Power and Multilateralism (1992). Desde meados da década de 70 o realismo perdeu a posição de teoria principal no debate americano sobre relações internacionais e com o fim da guerra fria o realismo parecia ainda mais fora de tom, foi nesse ambiente que Huntington teve a coragem intelectual de desafiar o mainstream.
Mas afinal de contas o que era o Choque de Civilizações? Essa teoria previa que os grandes conflitos do século XXI se dariam entre as diferentes percepções culturais e religiosas dos vários povos que habitam o planeta e que o convívio entre os mesmos acelerado pela globalização não tardaria a gerar conflitos, a teoria de Huntington é sofisticada ao ponto de versar também sobre a identidade cultural dos povos para prever se o conflito é mais ou menos provável, Huntington também já pontuava naquela época que o Islamismo iria bater de frente com a civilização ocidental devido as suas pretensões de expansão e universalismo, a disputa política, cultural e ideológica entre o ocidente e os islâmicos é a grande discussão das Relações Internacionais na atual década, outro aviso de Huntington que deveria ser tomado com mais atenção é a questão do declínio do Ocidente perante seus inimigos internos e externos, nesse ponto Huntington concorda com a teoria do professor Caroll Quigley explicada na obra Tragedy and Hope: A History of the World in our time (1966)
O 11/9 pegou todos de surpresa, a magnitude do atentado foi gigantesca, o colapso do World Trade Center não significou apenas a morte de centenas de pessoas, que merecidamente nessa data devem ter homenagens ano após ano, mas também provocou uma ruptura na forma de se enxergar a política e as Relações Internacionais como um todo, não havia mais o certo e o errado como na segunda guerra mundial (1939-1945) e na Guerra Fria (1947-1991), o mundo teria adquirido, com o perdão do trocadilho, 50 tons de cinza, o inimigo poderia ser qualquer um, seu vizinho, seu irmão ou seu melhor amigo, o ataque poderia surgir em qualquer lugar, nas Relações Internacionais o 11/09 provocou um retorno do retorno a teoria realista como ferramenta de explicação sobre o que aconteceu, e também para oferecer respostas ao problema como a construção teórica da Doutrina Bush por Irving Kristol e Charles Krauthammer no chamado realismo democrático… baseada na ação unilateral, na desconfiança das instituições e do Direito internacional como ferramentas capazes de manter a paz, as guerras de mudança de regime e a preservação da hegemonia americana como garantidora de bens públicos globais. Nesse cenário Samuel Huntington, por seus pares e pela imprensa por sua capacidade de previsão, tenho certeza que Huntington preferiria estar errado e que jamais trocaria inúmeras vidas que foram perdidas apenas pelo status e influência que passou a desfrutar. O 11/09 também acabou demonstrando o erro dos liberais (exceto a Escola Austríaca) de apostar tudo no materialismo, de enxergar a primazia da economia sobre a Política e a Cultura, nesse sentido liberais e marxistas historicamente descritos como rivais estão no mesmo lado, a Economia é uma força importante na sociedade mas nunca vai conseguir controlar a política, o cálculo de custo benefício não consegue fornecer explicações teoricamente consistentes para a área das Relações Internacionais.
Por Fim o 11/09 de Setembro ainda está presente na política internacional mesmo após 18 anos do ocorrido, o terrorismo e a imigração em massa são os dois maiores problemas globais do século XXI e qualquer um que diga o contrário está retirando foco de algo que realmente necessita de uma cooperação internacional entre as agências e forças de segurança, uma tristeza dupla nesse dia além das mortes do atentado é constatar que o Realismo só é aplicado depois que grandes crises acontecem, caso ele fosse aplicado antes talvez as crises nem acontecessem.
We will never forget.