Nessa última semana o grande assunto da Política e da Economia Global foram as Tarifas internacionais aplicadas no comércio global pelo presidente americano Donald Trump (republicano).
Dezenas de analistas se debruçaram para decifrar economicamente o que isso significará nas relações econômicas internacionais e no fluxo de comércio global. Minha abordagem nesse artigo irá combinar aspectos econômicos com aspectos políticos para uma visão mais macro do tópico embora menos técnica do que os economistas podem fornecer.
Trump já deixou muito claro que suas duas maiores inspirações são dois ex-presidentes do século XIX dos Estados Unidos. Sua política externa é guiada pelos preceitos de Andrew Jackson (1829-1837) que foi influente o suficiente para deixar uma escola de pensamento na política que externa americana que carrega o nome de jacksoniana.
“A Escola Jacksoniana é comparativamente mais isolacionista que as escolas hamiltonianas e wilsonianas, os jeffersonianos também são comparativamente mais populistas que as duas, porém não são populistas” ( MEAD, 2006, p.226).
O Jacksonianismo surge particularmente ligado a cultura folk americana e carrega suspeitas em relação ás elites e sempre se colocam dispostos a lutar em defesa do que os jacksonianos percebem como valores únicos da cultura americana(MEAD,2006 ,p.224).
Na economia o grande herói de Trump é William McKinley (1897-1901). Um dos presidentes americanos que acabou assassinado e tinha o apelido de “ The Tariff Man”.
O grande problema das inspirações de Trump no plano prático da Política mundial é que ambos os presidentes que ele se inspira eram presidentes de um Estados Unidos que não tinha a responsabilidade de prover bens públicos globais como os Estados Unidos de hoje tem. Como evidenciado nos vazamentos da rede social Signal, J.D. Vance, o vice de Trump reconhece que apenas os Estados Unidos seriam capazes de desbloquear o mar vermelho para reestabelecer as rotas navais bloqueadas pelos terroristas Houthis no Oriente médio.
O mesmo Vance mostra descontentamento com o fato de que mesmo sendo uma rota que importa muito pouco para os Estados Unidos e muito para os Europeus eles que tinham que resolver mesmo. O nome disso é responsabilidade negativa, os Estados Unidos fazem porque ninguém mais é capaz. Mesmo quando seus dois maiores cargos políticos não dão a mínima para isso.
É muito fácil ser isolacionista como Jackson e McKinley foram quando o mundo estava no auge da Pax Britânica (1815-1914) com a Royal Navy britânica controlando os mares e combatendo piratas e outros tipos de saqueadores e naquele momento tendo a responsabilidade negativa de manter o mundo estável.
Agora o momento é outro. Os Estados Unidos são o Hegemona global e com isso vem vários benefícios mas também responsabilidades que Trump parece disposto a ou terceiriza-las ( como na exigência que os aliados da OTAN ampliem consideravelmente seus gastos de defesa ) ou até mesmo ignora-las (como no caso da reciprocidade das tarifas).
A reciprocidade das tarifas pode parecer razoável para o observador desatento, e até mesmo pode vender para o leigo que realmente era injusto para os Estados Unidos o sistema anterior… Não é por acaso que o grosso do apoio e eleitorado trumpista vem de setores de baixa escolaridade que não entendem os mecanismos da economia global.
O déficit comercial que os Estados Unidos poderia ter com relação a alguns desses países retornava para os Estados Unidos como superavit financeiro através do Dólar. Seja para comprar ou vender para os Estados Unidos ou para qualquer outro país se estava utilizando a moeda americana. Pouco importa na prática a balança comercial com um ou outro país.
Trump diz querer proteger o Dólar da ameaça de Estados Revisionistas como a China mas está dando razões para os países operarem em outra moeda já que ele descumpriu a parte americana no trato.
Existem três visões sobre como o impacto dessas tarifas se dará na arena internacional, duas delas são negativas mas variam no grau de impacto. A outra é positiva.
A visão positiva diz que Trump irá estancar uma sangria na dívida pública americana e nos juros da mesma de longo prazo sacrificando sua popularidade no curto prazo e arriscando até mesmo uma desaceleração econômica para gerar margem de manobra em relação a dívida quando os Estados Unidos precisarem novamente se endividar, essa corrente sustenta que a dívida pública americana é impagável e menospreza o fator Dólar na equação.
Compreendem que se trata de um remédio amargo, porém necessário para aumentar a arrecadação do Estado.
A segunda visão alerta para os perigos de que isso se transforme em uma guerra comercial e tarifária global com todos os países ou erguendo barreiras tarifárias e não tarifárias ou desvalorizando artificialmente suas moedas ( Como a China fez em 2017 ) e que caso isso ocorra uma recessão global nos níveis de 2008 pode ocorrer e ocorrer muito rápido.
Nesse segundo cenário a aposta de Trump é na resiliência da economia americana para tentar induzir uma “japanificação” da economia chinesa com uma moeda extremamente fraca e desvalorizada e afastar de vez projetos de substituição do Dólar mesmo que a um custo de uma grave crise econômica.
O terceiro cenário, que me parece o mais possível diz que os americanos acostumados a um nível de pujança econômica muito grande não vão ficar muito satisfeitos em começar a pagar 10 mil dólares em um celular ou um videogame.
É impossível nacionalizar a produção de uma ampla gama de bens e serviços com cadeias de produção profundamente internacionais, o aumento do custo dos produtos levará a um empobrecimento da própria classe média que em sua ampla maioria votou em Trump e o elegeu justamente para controlar a inflação que Biden não conseguiu controlar. Como a crise levaria um tempo para ocorrer nesse cenário haveria possibilidade tanto de Wall Street quanto do próprio partido republicano de entubarem a agenda econômica de Trump ( temos mid-terms em alguns meses e os republicanos caso uma crise esteja se aproximando no retrovisor certamente irão perder ao controle da câmara dos representantes e do senado )
Porém se engana quem pensa que o maior problema das tarifas de Donald Trump seja de ordem econômica e prática, ele é de ordem simbólica e filosófica. Crises econômicas fazem parte do Capitalismo, é algo natural do sistema que produz picos e vales de produtividade e prosperidade. Seja teóricos econômicos conservadores como Joseph Schumpeter (1883-1950) ou marxistas como Giovanni Arrighi (1937-2009) concordam que o sistema possui ciclos.
O grande problema das tarifas de Trump é que se trata do maior símbolo do Capitalismo global atacando pilares do próprio capitalismo, os Estados Unidos passaram metade do século XX (Guerra Fria) em uma disputa de mentes e corações sobre qual sistema econômico iria prevalecer, venceram, o capitalismo se provou superior que o comunismo soviético e mesmo marxistas como Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) quando venceram eleições seguiram a receita capitalista de Ronald Reagan, Tony Blair (1997-2007) levou o partido trabalhista britânico para o centro e mesmo Bill Clinton (1993-2001), o último bom presidente democrata, levou o partido democrata para o centro. Toda a Esquerda ocidental entendeu ás regras do jogo, partidos comunistas que eram fortes na França e na Itália viraram pó.
Ao dizer que tudo bem aplicar barreiras comerciais, restringir o comércio internacional, elevar tarifas e taxas. Trump não está arriscando apenas uma recessão, mas está desvalorizando o capitalismo como marca e modelo, o impacto disso é talvez até maior que o de uma crise econômica. Ideias tem consequências já dizia Richard Weaver, o simbolismo do centro do Capitalismo global se virando contra o capitalismo tende a fortalecer partidos de esquerda no mundo todo e não estou falando da centro esquerda trabalhista do Reino Unido mas de comunistas de verdade.
Referências Bibliográficas
ARRIGHI, Giovanni. O Longo Século XX. São Paulo. Editora Unesp. 1996
MEAD, Walter Russell. Uma Orientação Especial. A Política externa norte-americana e sua influência no mundo. Rio de Janeiro. Biblioteca do Exército Editora. Rio de Janeiro. 2006
SCHUMPETER, Joseph. Bussines Cycle: a theoretical, historical, and statistical analysis of the capitalist process. Nova Iorque. McGraw-Hill Book Company. 1939