No último artigo para o portal abordei com detalhes os motivos que levaram a derrota dos democratas nas últimas eleições americanas, (https://br.hermeneuticapolitica.com.br/politica-internacional/como-kamala-harris-perdeu/ ) agora o artigo vai se dedicar aos motivos que levaram a vitória de Donald Trump. Quais estratégias e temas o republicano abordou que lhe conferiram vantagem, e quais gols contra do partido democrata ele se aproveitou muito bem.
O tópico principal que levou eleitores para Donald Trump foi a situação econômica dos EUA. Em especial a situação inflacionária. Para termos de comparação em 1990, durante a presidência de George H.W.Bush (republicano) a inflação bateu 6.2. Bush foi punido com a derrota para Bill Clinton (democrata), em 2021 durante o governo Biden a inflação americana bateu 6.1. O maior valor desde 1990. Nos outros ciclos eleitorais, nenhum dos presidentes, Clinton, Bush, Obama ou Trump teve que lidar com dígitos acima de 4%.
Um contexto necessário para entender essa alta inflacionária que Biden precisou lidar é a pandemia do COVID-19. No ano de 2020 Trump, assim como a esmagadora maioria dos líderes ocidentais deu carta branca para o banco central ampliar a impressão monetária como forma de estimular a Demanda Agregada num momento que a Oferta de bens e serviços sofreu uma queda brusca ocasionada por agente exógeno ( a pandemia ). Biden assumiu o governo num momento que o ápice da pandemia já havia passado, já haviam vacinas e não era estritamente necessário seguir com a política de estímulos fiscais e monetários que antes era um imperativo, ao menos na lógica política.
Biden se esqueceu de algo básico na economia, existe um Trade-Off entre a inflação e o desemprego, representado pela curva de Phillips.
Essa é uma escolha que todo governante deve fazer em algum momento. Para controlar a pressão inflacionária é necessário que se tenha um desemprego um pouco mais elevado, que resultará em menos consumo agregado na economia nacional, ou se pode optar como Biden fez de ampliar programas de emprego, ampliando a população empregada porém com isso aumentando a demanda agregada e por consequência a Inflação. A aposta de Biden poderia ter dado certo caso o crescimento do PIB fosse muito maior do que a percepção inflacionária, o que não ocorreu.
Escolher priorizar a Inflação é um caminho mais seguro para os governantes, pois a Inflação é percebida por todos os cidadãos, e mais diretamente associada a uma boa ou má gestão do governo, quando você consegue um emprego tende a perceber o mérito como seu, independentemente se houve ou não uma política pública para tal. Ao passo que a Inflação é um fator externo ao controle do indivíduo, logo a conta estoura no governo.
Trump foi muito hábil em fazer comparações básicas com produtos do cotidiano como as balas Tic-Tac que para ocultar o aumento dos preços, diminuíram o tamanho das embalagens. Uma prática conhecida como Reduflaction. Ao fazer isso Trump apelou para o Retrospective Vote do eleitorado, comparações simples porém efetivas, no meu tempo 10 dólares compravam X, hoje compram X-. É preciso reconhecer e dar o mérito para Trump de ter conseguido remover os academicismos típicos da linguagem econômica para atingir um eleitorado que usualmente não possui grande conhecimento sobre Política Econômica. Se no longo prazo isso será positivo tenho minhas dúvidas, mas hoje auxiliou o partido republicano a ampliar sua base eleitoral e de apoio.
O segundo ponto que Trump conseguiu explorar muito bem foi a questão da Imigração. Faz muito tempo que tenho a suspeita de que os líderes da direita alternativa são menos caricatos do que eles mesmo se fazem parecer, se o populismo é parte integrante do programa, não se pode aparentar mais erudição do que um nível médio ou ás vezes até abaixo disso. Mas Trump claramente leu e entendeu muito bem a obra do jurista e filósofo alemão Carl Schmitt. Um autor que nem de perto figura na lista dos mais fáceis de interpretar.
Schmitt é um personagem extremamente controverso na história da filosofia política devido a sua posição de proeminência no partido Nazista durante os anos do terceiro Reich (1933-1945) mas seu trabalho, assim como o de Martin Heidegger de certa forma era tão relevante que sobreviveu a essa página inominável e insensível na história dos dois pensadores. Ajudou Schmitt o fato de que sua obra influenciou centenas de intelectuais tanto de direita quanto de esquerda que vieram após o fim da segunda guerra mundial (1939-1945) e o fato de que os julgamentos de Nuremberg não concluíram que Schmitt tivera participação em nenhum crime. A obra mais famosa de Schmitt é O Conceito do Político (1932) em que o autor delimita uma ampla consideração tanto moral quanto de estrutura do Estado em busca de uma hegemonia completa da máquina burocrática estatal. Schmitt vai argumentar que assim como o domínio estético é marcado pela dualidade do belo/feio, o domínio moral pelo bem/mal, o domínio econômico pelo lucro/não lucro e assim sucessivamente.
Qual seria então o domínio do político? A dualidade amigo/inimigo. Schmitt sustenta que os conceitos políticos, são todos abstratos demais (república, democracia, sociedade, classes sociais) tudo isso deixa de ter sentido e valor caso não se dê um rosto e não nomeie qual o inimigo a ser combatido. Somente a partir dos padrões de amizade e inimizade que se cria mobilização política. É exatamente isso que Trump fez com relação aos imigrantes ilegais.
Se a economia piorou, foram eles, os imigrantes ilegais que “roubaram o emprego”, se o aluguel aumentou, se a hipoteca disparou… Foram os imigrantes ilegais, não importa o nexo causal, não importa se é um fato… o que importa é a efetividade da mensagem. Do ponto de vista filosófico tenho graves discordâncias quanto a direita adotar um discurso abertamente Niilista, mas do ponto de vista da estratégia política-eleitoral. Foi um grande sucesso.
Como já comentei no texto sobre a derrota de Kamala da rejeição generalizada dos americanos sobre a chamada “Cultura Woke” não vou dedicar muita atenção em relação a esse tópico nesse texto, até porque foi um belo gol contra dos democratas que Trump se aproveitou muito bem com peças de campanha extremamente inspiradas como a da véspera das eleições que veiculou “Kamala is for They/Them, Trump is for You” Isso fechou a tampa do caixão dos democratas em relação a agenda cultural, e como já não tinham a economia a seu favor, era basicamente uma corrida de um cavalo só.
A Ciência Política explica, Os democratas esqueceram o teorema do eleitor mediano.
Em qualquer disputa eleitoral pelo executivo, seja em sistemas bipartidários como nos Estados Unidos ou o segundo turno em sistemas multipartidários como o Brasil naturalmente um candidato, nesse caso Trump se posiciona mais á direita e outro candidato mais á esquerda nesse caso Kamala garantindo para si mesmos de forma razoavelmente automática o eleitorado que se identifica com respectivos lados da disputa pois cada eleitor escolherá o candidato que mais se aproxima de sua própria posição.
Digamos que determinado eleitor chamado de Trump considera o candidato da direita muito radical, porém ele nunca irá votar no candidato da esquerda (Kamala). Por aproximação ele irá escolher o candidato Trump, esse eleitor já é considerado garantido pelas campanhas, elas precisam focar é em outro tipo de eleitor, o chamado eleitor mediano. Pois é ele que á rigor decide a eleição. “ Dessa forma, ambos os partidos tem que lutar para conquistar os votantes do meio, mais corretamente do votante mediano, movendo-se para o centro, o partido que mais agradar esse eleitor é que ganhará o seu voto, e ganhará a maioria dos votos e consequentemente das eleições “ ( GIANTURCO, 2018 p 306 )
Em um país que o eleitor médio já se encontra naturalmente a direita como exposto no gráfico abaixo, a guinada identitária promovida desde os anos Obama afastou os democratas da sua própria base, as agendas DEI, ESG, cotas raciais e uma política frouxa de imigração que levou a um número espantoso de 55% dos latinos a escolher Trump. Um eleitorado considerado cativo dos democratas.
Outros dois pontos explicam a vitória avassaladora de Trump, o primeiro é que sua equipe de campanha não foi feita no susto como das outras vezes, em que se percebia claramente uma campanha mais movida pelo coração e menos pela razão. Dessa vez quem coordenou a campanha eram dois profissionais, percebam que o anti-elitismo e anti-academicismo de Trump vai apenas até a página dois, apenas para manutenção do personagem. O problema é que seus seguidores não possuem o discernimento disso.
Os seus dois chefões da campanha vitoriosa de 2024. Chris LaCivita e Susan Wilies não são amadores, Civita é Cientista Político, foi professor universitário, coração púrpura, já envolvido em aconselhamento político de vários ciclos eleitorais, inclusive sendo instrumental na vitória de George W. Bush contra John Kerry em 2004. Wilies que se tornou Chief of Staff na nova administração uma operadora com larga experiência que ganhou inúmeras eleições na Flórida para Rick Scott e Ron De Santis e ajudou a consolidar o domínio republicano naquele Estado.
Todos que acompanharam o processo eleitoral viram uma campanha mais disciplinada, assertiva, e bem direcionada nos grupos focais. O trabalho já era bem feito mesmo antes do atentado.
Por fim, mas não menos importante temos a influência do filho mais novo de Trump. Baron, que insistiu para que o pai aparecesse em vários podcasts populares nos Estados Unidos. Em especial o de Joe Rogan, que é o mais escutado do mundo, e um meio de comunicação mais associado aos jovens, um eleitorado que se votar, devemos lembrar que os Estados Unidos é um país de voto facultativo, é quase que mais um voto cativo dos democratas. Basta lembrar da famosa frase do primeiro ministro francês Georges Clemenceau “Um homem que não seja um socialista aos 20 anos não tem coração. Um homem que ainda seja socialista aos 40 não tem cabeça” Ainda assim Trump perdeu para Harris nos votos dos jovens (18-29) por apenas 11% quando havia perdido para Biden por 25%.
Trump apareceu no podcast do lendário The Undertaker e acumulou mais visualizações em sua participação 800 mil, do que o tamanho do canal da ex-lenda da WWE que possui 600 mil seguidores no YouTube. Trump também apareceu no podcast do comediante Theo Von e conseguiu 15 milhões de visualizações apenas no YouTube em um canal com alcance de 3 milhões. No podcast de Rogan, ele conseguiu 51 milhões de visualizações…O insight do filho de Trump foi valioso, a mídia tradicional auxiliava no modo fale bem ou fale mal, mas fale de mim. Nessas mídias alternativas Trump teve a chance de dizer diretamente para o ouvinte o que queria, contribuindo ainda mais para a humanização permitida após a tentativa de assassinato.
Referências Bibliográficas
GIANTURCO, Adriano. A Ciência da Política. Rio de Janeiro. Grupo GEN. 2018
MANKIW. Gregory. Introdução a Macroeconomia. São Paulo. Cengage Learning. 2019
SCHMITT, Carl. O Conceito do Político. Coimbra. Edições 70. 2015