O cruel e desumano ataque do grupo terrorista Hamas contra Israel no último fim de semana movimentou a política internacional, ao longo de todo o fim de semana líderes do ocidente e do oriente se posicionaram, em sua maioria condenando o atentado que vitimou vários não combatentes, mulheres foram estupradas e mortas, crianças e idosos dizimados pela ânsia terrorista do Hamas.
Pela escala e características do ataque, o atentado vem sendo chamado de 11/09 Israelense, o Mossad ( serviço de inteligência israelense ) um dos melhores do mundo foi pego de surpesa no último sábado quando o Hamas conseguiu se infiltrar no território através da faixa de Gaza, os ataques foram coordenados, vieram com mais de 2.000 mísseis pelo ar e com combatentes terrestres destruindo tudo que viam pelo caminho, com direito a tanques de guerra e armas de alto calibre.
O objetivo desse artigo não é destrinchar os motivos religiosos e territoriais do conflito, ás possibilidades de resolução, especular sobre alguma escalada com a entrada ( oficial ) do regime iraniano na guerra ou apontar o dedo para uma falha do Mossad. Isso a mídia internacional vem fazendo um bom trabalho na cobertura, pode parecer um choque, mas lá fora terroristas são chamados de terroristas e não de combatentes. O intuito desse artigo é examinar como o conflito pode impactar na posição do primeiro ministro Benjamin Nethanyahu.
Para isso farei uso de dois conceitos presentes no espetacular tratado O Príncipe de Nicolau Maquiavel. Virtu e Fortuna, a primeira significa a capacidade do governante de se adaptar aos acontecimentos políticos para permanecer no poder enquanto Fortuna representa os acontecimentos inimagináveis que ocorrem na política e podem ou não lhe favorecer. Além do uso da Teoria Política Internacional para demonstrar qual vertente teria melhor capacidade de prever o que Nethanyahu irá fazer.
Dentro das Relações Internacionais temos duas correntes antagônicas quanto ao impacto da política interna na externa. O liberalismo ( não confundir com o liberalismo econômico Smithiano) têm suas raízes no pós primeira guerra mundial com o presidente democrata Woodrow Wilson como figura chave dessa vertente, para os liberais a política externa é automaticamente uma reflexão da política interna. Sua ênfase se dá muito mais nos nomes envolvidos e características pessoais, ideológicas e de liderança dos chefes de Estado para prever o comportamento internacional.
A corrente rival, o realismo também têm ás suas raízes ligadas a primeira guerra mundial onde autores como Edward Carr e Hans Morgenthau afirmaram entre outras coisas que a Política Internacional têm um campo autônomo, com regras próprias e não apenas lógicas importadas da Filosofia ou da Ciência Política, além disso as Relações Internacionais seriam uma arena primordialmente sobre como adquirir, manter e projetar poder.
Com o passar dos anos um importante professor do Darthmouth College chamado William Wohlforth elaborou uma espécie de síntese entre ás duas macro teorias que levou o nome de Realismo Neoclássico, termo anteriormente cunhado por Gideon Rose mas melhor explicado por Wohlforth. Segundo essa vertente decisões internacionais são impactadas por dois tipos de variáveis: ás independentes ( distribuição de poder, capacidade bélica, percepção sobre ameaça ) e ás intervenientes ( elementos domésticos que impactam de maneira secundária como modelo institucional, característica pessoal do líder e outros poderes políticos, ecônomicos e sociais ).
Com esse terceiro modelo podemos analisar bem a posição de Nethanyahu e o que pode acontecer com ele a depender do desfecho do conflito, não me parece crível que o Hamas consiga seu objetivo declarado de aniquilar o Estado de Israel. Entretanto a forma como Nethanyahu irá navegar por esse período nos diz muito, todos sabemos que numa guerra aberta Israel tem o poder necessário para exterminar o Hamas definitivamente, porém o fim do Hamas pode não ser interessante para Nethanyahu. Um dos motivos que o levaram a retornar o poder foi a fraqueza do primeiro ministro anterior ( Neftali Bennet) em relação aos vizinhos árabes e o medo da população Israelense que com uma política de segurança fraca a única democracia do oriente médio fosse destruída.
No momento anterior aos ataques Nethanyahu estava pressionado, os ultra-ortodoxos de um lado ( poderes políticos-religiosos internos) e o capital internacional (poderes econômicos externos) de outro em relação a polêmica reforma do judiciário (poder institucional) israelense que na prática iria dar ao legislativo a possibilidade de sustar ás decisões da suprema corte. Nethanyahu congelou a reforma após vários protestos da sociedade israelense e de aliados ocidentais. No momento atual com o país atacado e milhares de civis mortos e feridos a oposição ao seu governo deve enfraquecer e os aliados internacionais também esquecerem ás diferenças em prol da defesa de Israel.
É improvável que Nethanyahu aprove a reforma do judiciário no meio do esforço de guerra e de algum decreto de ampliação de poderes do executivo (algo comum em períodos de guerra e crise existencial em que a democracia é lenta demais para resolver os problemas) mas não deve ser descartado tal manobra já que nenhuma crítica da oposição surtirá efeito com o país sob ataque direto dos rivais e os aliados ocidentais sabem que tem bem mais em jogo ali do que brigar pela separação de poderes no estado israelense. Esse “ acobertamento estratégico ” (MEARSHEIMER, 2012,p. 92) seria capaz de garantir a implementação da política desejada sem suscitar uma grande oposição. Essas estratégias tendem a funcionar mais em tempos de guerra do que em tempos de paz, pois a população se torna mais disposta a acreditar no governo e no que os governantes falam em momentos que precisam da defesa do Estado.
Não podemos esquecer também que Nethanyahu estava na mira da justiça e que caso deixe seu cargo de primeiro ministro por qualquer razão existe a possibilidade real dele acabar preso, caso o Hamas seja destruído um dos maiores motivos para sua manutenção no poder acaba.
Definitivamente a existência do Hamas é ruim, inclusive para o próprio povo palestino que ele diz “ defender “ se trata de um grupo fundamentalista e terrorista, Israel estará no seu direito se aniquilar completamente o grupo, mas Maquiavel aconselharia Nethanyahu a não ser tão radical uma vez que a ameaça de que o Hamas faça algo é parte importante de sua sustentação no poder. Será necessário um ataque balanceado para responder a altura e causar dano suficiente para desencorajar futuras retaliações porém sem exterminar por completo o inimigo.
Uma vitória definitiva é o melhor para Israel, mas não para Nethanyahu.
Bibliografia
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo. Hunter Books, 2011
MEARSHEIMER , John . Porquê os líderes mentem. Rio de Janeiro: Zahar , 2012
WOLHFORTH, William. Oxford Handbook of International Relations.NewYork : Oxford University Press, 2008