No último fim de semana, um terremoto político eclodiu na Europa. Nas eleições continentais para o parlamento europeu, um levante da extrema-direita alavancou, e muito, o peso e poder das legendas radicais. O caso mais emblemático veio da França de Emmanuel Macron, escrevi sobre sua histórica reeleição aqui no site antes. https://br.hermeneuticapolitica.com.br/eleicoes/os-desafios-de-emmanuel-macron-em-sua-historica-reeleicao/. Entretanto parece que o clima político do país se alterou muito desde 2022.
Antes de avançar na análise é necessário explicar o que são às eleições europeias. O Parlamento Europeu hoje representa todos os membros da União Europeia ao nível continental com os chamados Eurodeputados. Cada um dos 27 países do bloco escolhe quais serão seus representantes ao nível continental votando em políticos de suas respectivas nações, com o crescimento das atribuições da União Europeia em áreas vitais como às finanças e a agricultura não se trata de uma eleição menor e menos relevante.
Após os resultados da França nas eleições europeias, Macron dissolveu o parlamento e convocou novas eleições legislativas internas. É uma jogada ambiciosa e muito arriscada por alguns motivos.
Antes de tudo é preciso lembrar que a França adota o modelo semipresidencialista como sistema de governo, portanto o cargo de Macron não está na reta mesmo que ele perca essas eleições legislativas, seu cargo como presidente está garantido até 2027 pela eleição vencida em 2022. Talvez até por essa estabilidade que Macron tenha tomado tal medida, num parlamentarismo puro, duvido que o presidente francês teria agido da mesma maneira. No entanto, isso não significa dizer que a manobra não tem risco nenhum para o presidente, na verdade, ela tem vários. Hoje o grupo político do presidente controla 169 assentos dos 577 da Assembleia Nacional, o principal opositor, a Frente Nacional comandado por Marine Le Pen e Jordan Bardella possui 88.
Obs: Agradeço ao amigo Frederico Dubot e a Rémi Clément pelo gráfico.
Se as projeções estiverem corretas o partido do presidente (Centro) encolherá para algo entre 125 (cenário pessimista) e 166 (cenário otimista) assentos enquanto o partido de Le Pen (extrema-direita) deve crescer a ponto de quase adquirir maioria absoluta do parlamento ficando entre 235 (cenário pessimista) e 265 assentos (cenário otimista). Dependendo do resultado do partido Republicano (centro-direita) que deve oscilar entre 40 e 55 assentos, é possível que Le Pen consiga forçar que o governo entre no que chamamos na Ciência Política de Coabitação. “Quando chefe de Estado e de Governo são de dois partidos diferentes se fala de coabitação (visto que a relação será mais complicada) e pode haver governo dividido e paralisia legislativa”. (GIANTURCO,2018,p 241)
Basicamente a Coabitação obrigaria que Macron nomeasse um opositor como primeiro-ministro, provavelmente Jordan Bardella substituindo o atual Gabriel Attal aliado de Macron. Nesse cenário os poderes estariam divididos, Macron manteria o controle sobre a Defesa e a Política Externa que estão sob domínio do chefe de Estado. Mas perderia a capacidade de definir agendas para a política interna.
Macron pode estar pensando no longo prazo com essa estratégia. A constituição veda que Macron faça o mesmo movimento (dissolução) no próximo ano, mas como seu mandato ainda é longo o presidente francês pode estar apostando que perderá a primeira batalha, mas não a guerra. Visto que as experiências de extrema-direita, mundo à fora, costumam dar errado quando assumem o poder, não é de se espantar que Macron repita o gesto em 2026, tendo a seu favor alguma incompetência dos opositores para diminuir às chances dos mesmos na eleição presidencial de 2027.
Ecos do Passado
Em 1997 o presidente francês Jaques Chiraq também dissolveu o parlamento esperando uma vitória legislativa interna para fortalecer o seu governo, mas viu a oposição de esquerda vencer as eleições legislativas e forçar o socialista Lionel Jospin como primeiro-ministro durante 5 anos.
O Fim da Europa como a conhecemos
Desde o período pós-guerra e em especial após o fim da Guerra Fria a Europa viveu um certo apogeu, para os amigos que acreditam que a Terceira Guerra Mundial se aproxima é possível fazer um paralelo com os anos da Belle Epoque que antecederam a Primeira Guerra Mundial. O filósofo Holandês Luuk van Middelar aponta em sua obra “A Nova Política da Europa” que enquanto os europeus passaram as últimas décadas em paz e prosperidade discutindo sobre saúde, educação, crescimento, distribuição, liberdade e identidades sociais o mundo foi se transformando e os europeus não perceberam que de certa maneira foi a vitória que os derrotou.
Com o crescimento dos partidos Nacionalistas (não necessariamente parte da direita alternativa) o ceticismo quanto a possibilidade de continuidade do bloco está muito alto. Em 2016 um dos fiadores do bloco se separou (Reino Unido), poucos meses depois Trump chegou ao poder nos Estados Unidos como uma plataforma também nacionalista e amigável em relação à Rússia, alguns anos depois Putin faz sua jogada mais ambiciosa ao invadir a Ucrânia e Trump pode retornar ao poder nos Estados Unidos.
Por enquanto a Europa ainda persiste, os partidos de centro mantiveram o controle do bloco mesmo com o avanço considerável dos radicais. Na Alemanha aconteceu algo curioso, o lado que ficou com o Ocidente durante a guerra fria votou em peso na coligação de centro-direita CSU/CDU. Enquanto o lado que ficou sob controle socialista até a década de 90 deu vitória para o AfD (radicais de extrema-direita). Razões para isso são várias, os anos sob domínio comunista garantiram que a região fosse mais pobre, menos desenvolvida, com menos indústrias e comércio e mais simpática a sentimentos nacionalistas. O segundo lugar do Afd tem um gosto de vitória, em especial quando a coligação de esquerda do atual primeiro-ministro Olaf Scholz ficou em terceiro.
Na Espanha o resultado também foi trágico para a esquerda, assim como na Alemanha, o partido popular espanhol (Conservador) aplicou nos socialistas a maior derrota dos últimos 25 anos enquanto conseguiu segurar os avanços da extrema-direita do Vox. Na Itália, a coligação de extrema-direita de Giorgia Meloni venceu com relativa facilidade. Em alguns outros países, como Portugal e nos países nórdicos, a Esquerda mais radical e socialista venceu.
Percebam que não necessariamente a extrema-direita varreu todas às eleições, porém seu avanço foi notável assim como o avanço da esquerda mais radical, ambas são ligadas por percepções mais eurocéticas e nacionalistas. É impossível analisar esses resultados eleitorais sem analisar o fator de confusão ideológica aparente no mundo hoje. Tanto a Direita quanto a Esquerda perderam seus guias, relativizaram seus dogmas e posições internas e produziram um mundo que cada vez mais esgarça o tecido social, estrangula posições ao centro e dificulta a conquista da solução para os problemas do século XXI (Terrorismo, Imigração, Ressurgimento das Ideologias assassinas dos anos 30) como adultos na sala.
Referências Bibliográficas
GIANTURCO, Adriano. A Ciência da Política. Rio de Janeiro. Grupo GEN. 2018
MIDDELAAR, Van Luuk. A Nova Política da Europa. São Paulo. É Realizações. 2020