Na última semana, os brasileiros receberam uma ameaça de sanção por parte do candidato democrata a presidência dos Estados Unidos Joe Biden, neste artigo irei explicar os motivos reais (não os imaginários) que levaram Biden a fazer tal ameaça, discutir a efetividade das medidas, caso ocorram, e apresentar um histórico do tema e algumas referências conceituais e mais importante o porque esse tema adquiriu relevância na política internacional.
Antes de começar gostaria de dizer que tal tema está longe de ser uma unanimidade na comunidade acadêmica e ciêntifica, de todos os temas que a mídia gosta de utilizar a estratégia do sensacionalismo esse é de longe o mais afetado, muitos professores e cientistas tanto sociais quanto naturais não acreditam em aquecimento global e muito menos no impacto que dizem que será gerado caso não tomemos nenhuma providência, ao contrário, eles defendem que há um ciclo natural de resfriamento e aquecimento, que já existia desde antes do surgimento da humanidade e provavelmente irá existir após a nossa extinção, e que a ação do homem é incapaz de interferir nesse ciclo a nível global. Irei apresentar algumas vertentes e autores que não compraram a narrativa “Mainstream” a cerca do tema. Como diria o filósofo britânico G.K.Chesterton “Uma falácia não deixa de ser uma falácia apenas por ter muitos adeptos”
Vou começar com um breve histórico sobre o surgimento da ecologia e do ambientalismo. Preocupações acerca do meio ambiente datam da Grécia antiga nos escritos de Platão, o filósofo grego disse “ O que hoje resta (de florestas) comparado com o que havia é como o esqueleto de um homem doente: toda a gordura e a carne tenra se foram, deixando apenas a moldura nua da terra” ,(WILLIAMS, 2000, p 28-46). No entanto foi apenas no século XVIII com o Iluminismo e o avanço dos estudos no campo da história natural que os filósofos e cientistas passaram efetivamente a se preocupar como os efeitos antropogênicos (ação humana) para com o meio ambiente, durante o aceleramento dos processos de urbanização na Europa e na América houve a criação de várias legislações obrigando a criação de áreas verdes, parques e normas para a disposição de lixo químico e industrial.
Já no século XIX nomes como Charles Darwin, Ernst Haeckel e Ralph Waldo Emerson deram várias contribuições valiosas para o tema ,“Darwin criou um novo mecanismo para enxergar a espécie com a teoria da evolução”( BOWLER,2003.p 175-176). Haeckel , que se considerava um Darwinista criou o termo ecologia tomando como matéria a etimologia grega Oikos (casa ou lugar) e logos (área de conhecimento), enquanto Emerson foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento do Transcendentalismo, movimento filosófico desenvolvido na américa do norte durante o século XIX que era uma reação para com o racionalismo Lockeano, Emerson em discurso proferido na cidade de Boston em 1842 que ficara conhecido como “The Transcendentalist” elabora uma série de princípios para viver a vida de modo transcendental, princípios que versavam sobre apreciar a natureza e a vida rural, esse alinhamento com a natureza que permitiria que o individuo não fosse cooptado pela vida industrial nos centros urbanos.
No início do século XX com a crescente tensão e corrida armamentista entre as potências industriais rivais Inglaterra e Alemanha, evidenciado na obra Cooperação e conflito nas relações internacionais de Joseph Nye (2009) o pensamento voltado ao meio-ambiente não teve grande popularidade, visto que os objetivos dos Estados eram outros. O período entre guerras como demonstrado por Edward Carr em 20 anos de crise contou com a preocupação da comunidade internacional muito mais para tentar limitar ou proibir a prática da Guerra entre os estados, do que com preocupações ligadas ao meio ambiente.
Com o fim da segunda guerra mundial e a emergência de escolas de pensamento como a escola de Frankfurt (Adorno, Habermas, Horkheimer) movimentos ligados a revolução cultural ganharam muita força e aí que o ambientalismo moderno surge com maior Ímpeto. Especialmente após a queda do muro de Berlim, o clima de otimismo relacionado a Nova Ordem Mundial e o consenso de Washington veio acompanhado de uma reação por parte dos ambientalistas, o protocolo de Kyoto representava o tema perante a comunidade internacional na década de 90 e hoje temos o chamado acordo de Paris.
Alcançando talvez o seu ápice com o documentário do ex-candidato a presidência dos Estados Unidos da América pelo partido democrata, Al Gore .vencedor do Oscar de melhor documentário em 2007, e também vencedor do prêmio Nobel da Paz. O documentário Uma verdade inconveniente, o documentário discorre sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas no planeta.
Após esse breve histórico seremos capazes de entender aonde e quais momentos foram decisivos para a transformação do tópico em um assunto relevante a nível internacional. O que nos leva diretamente para a Teoria das Relações Internacionais, a primeira teoria das RI a surgir, no início do século XX foi a chamada de realismo clássico com destaque para as obras do já mencionado Edward Carr, de Hans Morgenthau e de Raymond Aron, paralelamente surgiu também a teoria liberal tendo como grande nome o presidente americano Woodrow Wilson e seus famosos 14 pontos que culminaram na criação da liga das nações, mas o fracasso da mesma, que acabou gerando a segunda guerra mundial venceu o debate intrateórico das Relações Internacionais para os realistas.
Na década de 50, auge da Guerra Fria (1945-1991) outro grande nome realista surgiu, o diplomata George Kennan criador da teoria da contenção, até a segunda metade dos anos 70 os realistas não foram desafiados. Nos anos 70 a Guerra Fria desacelerou e os liberais reuniram forças para contestar a hegemonia realista, os principais críticos foram os criadores do neoliberalismo das Relações Internacionais, Joseph Nye e Robert Keohane, os dois sustentavam a afirmação de que o realismo é perfeitamente capaz de explicar a guerra mas incapaz de explicar a paz, na obra Poder e Interdependência (1977) eles defendem a separação dos objetivos do Estado em High Politics e Low Politics. High Politics diz respeito a assuntos de impacto real na segurança nacional e na economia, preocupação principal dos realistas. Low Politics diz respeito aos domínios internos do Estado, portanto é aqui que o meio ambiente se torna objeto de estudo nas Relações Internacionais, também são considerados Low Politics toda a área do direito internacional público (migração, direitos humanos, segurança alimentar etc), os dois autores não negam a existência das High Politics, mas defendem que em momentos de paz a arena internacional é dominada “de dentro pra fora e não de fora pra dentro” a criacão de Nye e Keohane que ficou conhecida como Teoria da Interdepêndencia complexa forneceu bases teóricas sólidas para o advento da globalização em primeiro momento e em segundo para que o ambientalismo emergisse como tópico e depois em um contexto posterior como uma própria teoria de Relações Internacionais dentro das chamadas teorias reflexivistas.
Paralelo ao desenvolvimento das teorias realista e liberal temos também a teoria marxista das Relações Internacionais, a mais avançada e evoluída em estudos sobre o tópico em questão, enquanto liberais não entendem sobre o tópico e dão uma importância indevida e os realistas simplesmente ignoram por ser irrelevante para a segurança nacional os marxistas apresentam um sólido trabalho. Autores como Andrew Linklater, Ken Booth e Robert W. Cox apontam inconsistências no motivo da esquerda dar tanto valor a pauta ambiental, sendo que essa mesma pauta é apenas um artíficio dos Estados ricos (notadamente a Europa ocidental mas também parte da elite política americana) para manter a condição de sub-desenvolvimento dos países emergentes. Para a Europa que já foi destronada pelos Estados Unidos no século XX, depois também virou a terceira ou quarta força global com a ascenção da Rússia de Vladimir Putin e da China no século XXI, frear o desenvolvimento de países como o Brasil, Turquia e Índia é extremamente estratégico.
Por isso independentemente do governo e sua orientação ideológica o Brasil sempre é atacado na pauta ambiental, o vice presidente Mourão e o ministro do meio ambiente Ricardo Salles tem razão, a quantidade de interesses financeiros, ligações entre ONGs e Multinacionais na amazônia são gigantescas. A teoria da dependência e o modelo centro-periferia explicam isso de forma extremamente satisfatória, e a história comprova, a China nunca deu ouvidos as tentativas de limitação de seu crescimento através da pauta ambiental e hoje está em posição de desafiar os Estados Unidos pela supremacia global. Já o Brasil sempre acolheu o trabalho de ONGs, os esforços de multinacionais, e aderiu ao discurso majoritariamente europeu de proteção ambiental, olhe como estamos ? Todas essas regulações ambientais, pedidos de contrapartida não financeiros como no acordo UE-Mercosul, a “proteção da amazônia” são formas de manter o crescimento dos países emergentes sob controle e manter a Europa no centro do debate das Relações Internacionais, nesse ponto Realistas como Henry Kissinger e Kenneth Waltz concordam com os Marxistas, os Estados salvo a hipótese revisionista ( desafiar o atual hegêmona) defendem o Status-Quo.
O único erro que os marxistas cometem a meu ver em seus estudos sobre o ambientalismo é o de afirmar que a Europa ficou rica apenas por ter desmatado as suas florestas para acelerar a sua industrialização, a Europa já era um continente rico desde antes do fim da idade média, já tinha mais renda per capita e cidades maiores, o dinheiro já circulava com maior velocidade conforme demonstrado por Jared Diamond na obra Armas, Germes e Aço (1997)
Agora você deve estar se perguntando porque Biden ameaçou o Brasil, será que os democratas realmente querem fazer uma intervenção na Amazônia, retirar a soberania do Brasil na região e tornar aquele território internacional de soberania compartilhada como são os mares e a lua? Particularmente eu acho que não, a meu ver Biden estava muito mais falando pra dentro do que pra fora, consagrando a lógica imortalizada pelo cientista político Robert Putnam do chamado jogo de dois níveis, o jogo de dois níveis é uma derivação da teoria dos jogos que estabelece que conflitos internacionais são resolvidos não apenas pelo executivo (em teoria o responsável pela formulação e execução da política externa) mas também pelo legislativo dos respectivo países, o legislativo absorve as demandas de atores não estatais para moldar uma legislação sobre a matéria que seja capaz de atender os anseios internos de empresas, lobistas, ONGs etc…enquanto o executivo se preocupa com conseguir o máximo de vitórias possíveis para seu Estado dentro do Win-Set existente, portanto qualquer acordo que venha a ser feito entre Brasil e Estados Unidos pela Amazônia seria extremamente trabalhoso e não renderia grandes frutos para os Estados Unidos.
Biden sabe que se realmente aquela ameaça for real irá gastar muito capital diplomático em algo que não importa para a ampla maioria dos seus eleitores, uma intervenção militar na amazônia é algo tão fora de cogitação que nem merece maiores comentários, ele estava usando a política externa para fazer política interna junto a ala radical do partido, apenas isso, no caso de aplicação de alguma sanção comercial junto ao Brasil, Biden sabe tão bem quanto eu que isso não funciona, nunca funcionou nas Relações Internacionais, os Estados Unidos fazem um bloqueio em relação a Venezuela, isso ao menos acelerou a queda de Maduro? Alguns podem dizer que a Venezuela tem muito petróleo e devido a isso consegue furar o bloqueio além de ser mantida pela Rússia, é um argumento válido mas e Cuba? Já deveria ter falido e os Castro caído se qualquer tipo de sanção comercial tivesse algum resultado real no mundo da Política Internacional.
Referências Bibliográficas
ARON, Raymond.(1962)Paz e Guerra entre as Nações. Brasília: Universidade de Brasília, IPRI/FUNAG, 2002
BOOTH, Ken. ( 1979). Strategy and Ethnocentrism. Londres, Crom Helm Ltda
BOWLER, Peter J. Evolution: The History of an Idea. University of California Press, 2003, 3ª ed.
CARR, H.Edward (1939). 20 anos de crise: 1919-1939. Brasília: Universidade de Brasília,IPRI/FUNAG, 2001.
DIAMOND, Jared (1997) Armas, Germes e Aço: Os destinos das sociedades humanas. Rio de Janeiro: Record , 2001
FALLETO, Enzo; CARDOSO, Fernando Henrique. Dependência e Desenvolvimento na américa latina. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2004
KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Power and Interdependence revisited. International Organization.Vol 41. N 4, 1987, Pp 725-753
LINKLATER, Andrew (1990). Beyond Realism and Marxism. Londres : MacMillan
NYE, Joseph Cooperação e conflito nas relações internacionais. São Paulo: Gente , 2009
KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Power and Interdependence revisited. International Organization.Vol 41. N 4, 1987, Pp 725-753
MORGENTHAU, Hans(1948). A Política entre as nações:a luta pelo poder e pela paz. Brasília :Universidade de Brasília, IPRI/FUNAG, 2003.
PUTNAM, Robert D. “Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games”. International Organization. Vol 42 N 3, 1988, Pp 427–460.
1 comentário
Excelente, análise brilhante, muito didática e acertiva