Quando estamos diante de um debate com alguns ateus, modernistas, liberais, comunistas etc., sobre a Inquisição, o script é o mesmo: “genocídio”, “a Igreja malvada queimava hereges”… Uma enorme ignorância histórica!
Antes de tudo, é importante ressaltar que quase todas as ações de uso da força contra hereges atribuídas à Igreja partiram do povo e do poder secular. Por exemplo, em Orleans, no ano de 1022, o rei Roberto da França ordenou um lançar-fogo sobre 13 hereges, sem o consentimento da Igreja. Em 1077, um herege que havia professado seus erros diante do Bispo de Cambraia foi incendiado vivo por populares.
Exemplos não faltam! Nenhum herege era queimado pelas mãos de um clérigo ou sob ordens do mesmo. Ao contrário, diversos santos e clérigos da Igreja condenavam tais práticas.
São Martinho condenou à sentença de morte do imperador romano Máximo, que ordenou a morte do herege Prisciliano, em 385. São João Crisóstomo dizia: “É um crime imperdoável matar um herege”.
Entretanto, assim como Santo Agostinho, São João Crisóstomo defendia punições a hereges, pois, muitos deles não só corrompiam almas, mas também causavam graves atos contrários à Lei Natural, como, por exemplo, os donatistas, que promoviam massacres e pilhagens. O Papa Alexandre III, no Concílio de Latrão III de 1179, fez um pedido aos reis que impusessem o silêncio aos perturbadores da ordem social, mas não a pena de morte.
A Inquisição surge devido ao caos criado pela heresia catará (ou Albigense, pois era na cidade de Albi, na França, que os catáros se originaram). Os catáros eram maniqueístas e gnósticos e acreditavam que a matéria era má, criada por uma divindade má, ao contrário do reino espiritual, criado por uma boa divindade. Como a matéria foi criada por uma divindade maligna, os catáros exaltavam o suicídio. Eram contrários ao matrimônio e ao nascimento, pois acreditavam que assim, teríamos uma alma presa em um corpo pelo Diabo — tido como divindade maligna pelos catáros. Portanto, o esfaqueamento de grávidas promovido pelos catáros era comum na época.
Os catáros se expandiram pela Europa, criaram uma Igreja paralela e gozaram de dioceses e bispos. E com a expansão do catarismo, se deu o caos no Velho Continente, com séries de suicídios, assassinatos de gravidas… Os catáros eram uma ameaça tão grande à ordem pública quanto os comunistas revolucionários e terroristas jihadistas são em tempos modernos.
No ano de 1184, o Papa Lucio III publicou a bula Ad abolendam, que cria a Inquisição Episcopal (administrada por bispos locais). Os hereges eram excomungados pela corte episcopal, e o castigo físico passou a ser autorizado pelo Papa, sob responsabilidade dos leigos. O Papa Lucio III buscou a conversão dos hereges catáros enviando missionários, mas foi em vão. Não havia como lidar com a heresia catára sem o uso da força, pois se tratava de uma ameaça à paz, à ordem e às almas.
Os catáros se enfraqueceram pela derrota na Cruzada Albigense, autorizada pelo Papa Inocêncio III, mas continuaram ativos de forma implícita. Por isso, o Papa Gregório IX, com a promulgação da bula Licet ad capiendos, criou a Santa Inquisição para investigar os acusados de heresia.
A inquisição foi uma importante instituição jurídica, fundamental para constituir conceitos do Direito Processual Penal moderno. Como exemplos, nós temos: Direito de Ampla Defesa e do Contraditório, de que todos são inocentes até que se prove o contrário; e o direito do Réu a ter um defensor. Milhares foram salvos da pena de morte pelo poder secular graças à Inquisição. Como bem evidenciado no livro “Luz sobre a Idade Média”, da brilhante historiadora francesa Régine Pernoud, as famosas torturas estavam longe de ser uma prática comum e corriqueira, restrita a casos bem específicos:
“Nos casos graves, unicamente, o culpado é entregue ao braço secular, o que significa que incorre em penas civis, como a prisão ou a morte. Pois, de todo modo, o tribunal eclesiástico não tem o direito de pronunciar, ele próprio, semelhantes penas. Aliás, segundo declaração de autores, de qualquer tendência que sejam, que estudaram a Inquisição pelos textos, estas apenas fizeram, segundo a expressão de Lea, escritor protestante, traduzido em francês por Salomon Reinach, poucas vítimas. Em 930 condenações produzidas pelo inquisidor Bernard Gui durante a sua carreira, 42 conduziram à pena de morte. Quanto à tortura, apenas se assinalam, em toda a história da Inquisição no Linguadoque, três casos certos em que ela foi aplicada. É dizer que o seu uso era nada menos que geral. Era preciso, por outro lado, para que ela fosse aplicada, que houvesse começo de prova; só podia servir para fazer completar confissões já feitas. Acrescentemos que, como todos os tribunais eclesiásticos, o da Inquisição ignora a prisão preventiva e deixa os acusados em liberdade até a apresentação de provas da sua culpabilidade”.
Luz sobre a Idade Média, Régine Pernoud
O papinho de Inquisição “malvada”, portanto, não passa de bobagem de iluministas moderninhos e leitores de livrecos do MeC.
Bibliografia sobre o tema:
- Para Entender a Inquisição, Felipe Aquino;
- A Verdadeira História da Inquisição, Rino Camilleri
- Luz Sobre a Idade Média, Régine Pernoud
2 Comments
Putz, o cara leu meia dúzias de sites e nenhum livro de grande relevância sobre o tema e expõe um monte de bobagem. Continue assim que vai ser um excelente acadêmico…sqn.
O autor do post cita uma das maiores medievalistas, ganhadora do prêmio francês de melhor trabalho (ou todos os trabalhos, o que foi o caso) na área, e o criticuzinho acima diz que o autor do post não leu “nenhum livro de grande relevância”. Detalhe, a Régine ganhou o prêmio um ano após Le Goff, ou seja, quando a avaliação era realmente rigorosa para escolher medievalistas, e ela também foi eleita por toda a sua obra.