Nas últimas semanas o debate público no mundo convenientimente se esqueceu de que há uma pandemia que já tomou milhares de vidas em todos os continentes, expondo novamente a hipocrisia (ou seria inteligência ?) dos grupos políticos que tentam capitalizar em cima de qualquer tragédia que venha a acontecer. Os protestos contra a violência policial na morte de George Floyd, o inquérito das fake news no STF e o surgimento de movimentos “democráticos” supostamente anti-fascistas. Abaixo irei explorar cada um desses tópicos de uma maneira realmente honesta, coisa que anda faltando em 95% dos nossos jornalistas, políticos e intelectuais. Ao longo do texto irei resgatar alguns conceitos filosóficos e jurídicos para oferecer o embasamento necessário para o entendimento adequado dessas questões complexas e atuais no debate público.
O caos social gerado pelo assassinato de George Floyd era esperado, temos que separar o evento em si das consequências da politização do mesmo, grupos Antifa (nome cool para black blocks) sempre querem uma desculpa para causar o terror, vivem disso, são financiados para isso e refletem com suas ações um grande vazio existencial típico das ideologias revolucionárias, claro, não adianta para um deles eu citar Russell Kirk “ Não se melhora o mundo ateando fogo nele” mas ao menos eles deveriam ter noção que suas ações beneficiam quem em tese é o inimigo (Donald Trump) ao menos por um cálculo político-pragmático seus organizadores deveriam ser mais inteligentes, a massa que vai pra rua quebrar tudo e as celebridades do esporte ou cinema que vão rua não tem estudo ou intelecto para isso, nas palavras do grande ator, premiado com o Oscar e astro de filmes como Silêncio dos Inocentes (1991) e Um crime de Mestre ( 2007) “ Actors are pretty much stupid when talking about politics ” (Tradução: Atores são estúpidos falando sobre política). Hopkins entende muito bem qual o seu papel na sociedade e o faz com maestria, o papel das celebridades não é dar palpite sobre o que não entendem, e sim fornecer entretenimento.
Sobre o caso em si, o que houve foi um assassinato sim, Derek Chauvin, o canalha usando a farda da polícia cometeu abuso de autoridade e por mim mereceria até o corredor da morte, Floyd cometeu um crime sim, usou dinheiro falso para fazer uma compra. Quando a polícia chegou no local Floyd foi algemado, não estava em fuga, não era ameaça, não oferecia resistência alguma, o policial que envergonha a farda o assassinou a sangue frio, mas só suponhamos que a situação fosse ao contrário… um policial negro fazendo isso com um prisioneiro branco… Haveria politização do fato?
Ao responder essa pergunta podemos perceber claramente a hipocrisia dos chamados “anti-fascistas”, a minha reação seria a mesma independemente de quem fosse a vítima e quem fosse o agressor, a deles não, porque para a esquerda identitária vidas negras importam somente se puderem ser instrumentalizadas para algum benefício político, esse é o Modus Operandi da esquerda identitária, faço questão de incluir o termo identitário porque vários da linha tradicional chamada de trabalhista não compactuam com os saques, os motins e a destruição ao patrimônio público e privado. A escola elitista de ciência política explica esse Modus Operandi da seguinte maneira, quando se tem uma minoria, qualquer uma, se busca capitalizar politicamente em cima delas visando uma vitória parlamentar, é por isso que a ala New left do partido democrata mantém relações com os movimentos “anti-fascistas”, os políticos e os líderes desses movimentos tem objetivos que divergem da massa que segue o rebanho, é interessante notar que os “manifestantes” pouco se importaram com os apelos do próprio irmão de George Floyd que não usassem a memória dele para causar destruição, queimaram uma estátua de Mahatma Gandhi na embaixada da índia, aqui a ironia fica ainda mais evidente, como Gandhi conseguiu a indepêndencia indiana mesmo? Foi matando idosos? Assassinando policiais? Agredindo lojistas? Ou com desobediência civil e pacífica? Outra ironia fantástica é deturpar o legado de Martin Luther King, como se o mesmo defendesse o caos como saída para a questão dos direitos civis nos anos 60. King era um pastor protestante e republicano, duas coisas que essa turma identitária odeia. King nunca apoiou o que covardemente estão dizendo que ele apoiava. A verdade precisa prevalecer sobre a utilidade das narrativas políticas.
Saindo da terra do Tio Sam desembarcamos no Brasil para uma análise honesta sobre o famoso e polêmico inquérito das fake news conduzido pelo Supremo Tribunal Federal, aqui peço a compreensâo do leitor para os vários termos técnico- jurídicos que serão necessários, mas antes se faz necessário um breve histórico da atuação da corte. Jornalistas e acadêmicos especializados na cobertura do STF estabelecem um divisor de águas na atuação da corte, esse divisor é a famosa ação penal 470, conhecida coloquialmente como Mensalão. Esse processo colocou a corte no centro do debate público brasileiro e a partir de então seus integrantes gostaram da fama, do poder e da influência, se aproveitando de períodos conturbados e de inação executiva e legislativa como os anos Dilma e Temer, a suprema corte foi crescendo e acumulando funções dos demais poderes ao ponto de hoje apenas um ministro de forma isolada poder ditar os rumos da nação seja com decisões monocráticas ou com pedidos de vista.
Em 2008, vinte anos após a promulgação da constituição o renomado cientista político Oscar Vilhena cunhou um termo que nos anos seguintes seria o mais próximo para descrever a atuação da corte no país, estavámos e ainda estamos na era da “Supremocracia”, a autoridade e centralidade da corte frente aos demais poderes é clara evidente e o equilíbrio interno da própria corte é cada vez mais ameaçado pelo enfraquecimento do princípio do colegiado, os 11 ministros vem atuando cada vez mais de forma isolada
Ações de coordenação de votos ou liminares que eram comuns no passado e ajudavam a dar um caráter institucional para as decisões da corte eram cada vez mais raros, um exemplo famoso veio em 2018. No último dia do ano judiciário, Marco Aurélio Mello monocraticamente concedeu uma liminar para garantir a todos os presos condenados em segunda instãncia o direito de aguardar os recursos em liberdade, a liminar foi no mesmo dia suspensa por Dias Toffoli (presidente da corte) mas o que mais espanta é um ministro de forma isolada dar uma decisão contrária ao plenário quando o mesmo decidiu em favor da execução antecipada de pena. O poder da caneta do STF quase não tem paralelos em democracias ocidentais
Razões para isso não faltaram, o desprestígio do congresso, a incapacidade do mesmo em reagir com velocidade a demandas populares urgentes, a crise dos partidos políticos, e o ativismo antipolítica de movimentos da sociedade civil fizeram com que toda a atividade política, seja legislativa ou executiva tivesse que ser controlada e tutelada pelo próprio judiciário, a curto prazo isso foi percebido como vitória, como uma purificação do sistema político-partidário, e com a opinião pública ao lado o STF não exitou em usurpar competências do legislativo como no caso do julgamento do casamento entre pessoas do mesmo sexo, ao mesmo tempo que a corte agia de forma punitiva juntos aos políticos corruptos para agradar uma parcela utópica da direita ela avançava em temas sociais rumo ao progressismo para agradar a esquerda, claro que toda corte superior não é estritamente técnica, justamente porque seu objeto de análise é um documento jurídico que também é político, no caso a constituição. Mas existe alguns limites que a corte brasileira parece não se importar, o caso mesmo da liminar de Marco Aurélio revela uma insegurança jurídica tremenda que afasta o país do tão sonhado desenvolvimento econômico.
As capacidades para agir e tomar decisão dos onze são praticamente ilimitadas, A Constituição brasileira conta com 250 artigos, mais 114 artigos nas disposições transitórias, cerca de 80 mil palavras segundo estudo realizado em 2018 pelo Comparative Constitutions Project, observatório ligado as universidades do Texas e de Chicago, é basicamente um parque de diversões hermenêutico. Soma-se a isso uma recente simpatia dos ministros do STF por uma corrente originária dos Estados Unidos que trata o texto constitucional como um organismo vivo capaz de ser alterado apenas pela interpretação sem ser necessário uma emenda a mesma. Tal corrente se chama Living Constitution, soa estranho que juristas brasileiros tenham buscado inspiração no modelo americano já que juridicamente falando a proximidade brasileira é com a europa continental e seus códigos positivados.
Entretanto a suprema corte acabou se americanizando, porém sem o respeito aos precedentes e jurisprudências típicas daquele sistema, o famoso jusfilósofo Alexander Bickel (1924-1974) alertou para os perigos desse tipo de ação política por parte das supremas cortes naquilo que chamou de dificuldade contra majoritária, Bickel recomendava o comedimento dos juízes constitucionais quando confrontados com a expressão da maioria, seja uma lei das casas legislativas ou um ato de um presidente eleito, nessas ocasiões os juízes deveriam agir com o que era chamado de “Judicial Self-Restraint” . Essa parte não foi levada em conta pela nossa “Supremocracia”
Outro ponto que merece uma análise detalhada na atuação do STF são as decisões monocráticas nas chamadas ADIs (Acões declaratórias de constitucionalidade) tais decisões são legais, estão previstas em lei porém, em tese, deveriam ser aplicadas apenas em períodos de recesso, o “carismático” Gilmar Mendes em seu voto na ação penal 470 declarou “ Faço esse registro da questão, portanto, para que fique bem claro que medidas liminares decididas de forma monocrática são em regras ilegais, por violação à lei 9868/99 (art.10) e inconstitucionais, por afronta ao art.97 da constituição, as hipóteses excepcionalíssimas deveriam ser bem delimitadas e definidas no regimento interno do tribunal”… Quatro anos depois o ministro mais “amado” do STF suspendeu de forma monocrática a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil por Dilma Rousseff, em outro momento o “coerente” Mendes declarou em sua obra acadêmica que a execução antecipada da pena não feria o texto constitucional e votou nesse sentido em 2016, em Outubro passado mudou de idéia ao votar pela inconstitucionalidade do mesmo dispositivo.
A recorrência da concessão de liminares e o inteligente manuseio do regimento interno para validar uma liminar sem a necessidade do crivo do plenário criaram um sistema de revisão judicial individualizada o que claramente é um vício do sistema, a revisão judicial existe não para que os ministros do STF ajam sem nenhuma restrição modelando o sistema político ao seu bel prazer e suas próprias idiossincrasias, a revisão judicial existe dentro do contexto imaginado por Montesquieu da separação de poderes e freios e contra-pesos, existe para manter a racionalidade do sistema político e impedir (em tese) o extremismo. É por isso que pedidos por fechamento do STF não fazem o mínimo de sentido, o problema não é quem está lá, não é uma questão de substituição de X por Y, claro que se tivessem escutado Bickel e praticado a auto-contenção não seriam alvos das hordas de fanáticos, mas ainda assim o problema é sistêmico e sem uma nova constituinte não da pra vislumbrar nenhuma solução para o superpoder que o STF se transformou.
O inquérito em si das fake news que atraiu todas as atenções é apenas uma consequência do gigantismo do STF, os argumentos que o inquérito seria ilegal ou inconstitucional são falsos. Percebam que um inquérito nada mais é que um procedimento investigatório e inquisitivo, ilegalidade ou inconstitucionalidade só poderiam ser apontadas em caso de condenação dos envolvidos sem a existência de provas materiais. Dias Toffoli foi inteligente, o artigo 43 do regimento interno do supremo tribunal federal diz : “Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.” Como as ameaças feitas aos ministros da corte vieram da internet, e a internet está em todos os lugares, logo ela também está dentro do tribunal. Juridicamente não há como apontar inconstitucionalidade no inquérito ainda… Mas é provável que por ter participado da produção de provas, o ministro Alexandre de Moraes se considere suspeito, pois nesse caso o princípio constitucional do Juiz Natural seria violado. Princípio esse que trata da garantia de imparcialidade e independência do órgão julgador.
Mas tem muito mais coisa acontecendo aqui do que a aparência demonstra, o lobby realizado pelas grandes redes de mídia que estavam perdendo a batalha para as redes sociais e jornalistas independentes sem dúvida teve um grande papel na produção desse inquérito, o analfabetismo funcional do brasileiro também contribuiu para a situação, grande parte dessas mídias independentes podem até começar com propósitos nobres mas quando crescem são compradas por grupos políticos sejam à direita ou à esquerda, é natural que aconteça. O STF como parte da Elite, ficaria em tese muito mais confortável se somente a elite jornalística fosse falar a respeito deles, pois mesmo que o jornalismo tradicional não seja 100% confiável ele ao menos é mais polido. E isso é a grande questão, não se trata de censura ou o fim da liberdade de expressão no país, se trata de publicidade, o ambiente anárquico das redes sociais quebrou a redoma que costumava proteger o STF, e como o maior poder da nação é perfeitamente esperado que busquem se proteger. O STF não está agindo para derrubar o governo Bolsonaro, está agindo em “Self-Help”.
Para finalizar o artigo é relevante comentar a cerca dos movimentos “anti-fascistas” que começaram a aparecer nas redes sociais e nas ruas, outro desses movimentos se ancora em uma falácia estatística “Somos 70%”. Novamente o analfabetismo funcional do brasileiro demonstra sua glória, os números do Datafolha que embasaram esse movimento trazem aproximadamente 40% de rejeição ao presidente, 30% de avaliação regular, e 30% de avaliação positiva. Com má fé o que eles disseram? Que existe 70% de rejeicão, o que é objetivamente falso. Quem avalia um governo regular não é militante político, é o eleitor mediano, não ideológico, o popular “Não fede, nem cheira” e pela ciência política esse mesmo eleitor tende a gerar a vantagem do incumbente em disputas eleitorais. Ou seja o eleitor que a esquerda diz rejeitar o governo muito possivelmente é o eleitor que dará a vitória para o governo. Manipulação estatística e falta de caráter. Quando se investiga a fundo os “Anti-fascistas” brasileiros fica nítido que usam a defesa da democracia como desculpa para suas ações violentas, não são anti-fascismo, apenas querem um fascismo com suas pautas, o barulho da pluralidade de idéias incomoda demais aqueles que não tem intelecto ou maturidade para conviver em uma democracia. Quando não se tem inteligência se reage com força, reagindo com força o seu próprio inimigo se fortalece.