A virtude do serviço é muito importante, embora mal compreendida e difamada. O ato de servir na ideia média significava ser serviçal, um servo, e, portanto, um símbolo de inferioridade. Não há nada mais equivocado do que tal ideia. Afinal, as coisas tem valor na medida que servem, no sentido de ocupar o lugar no mundo por meio de espaços que fazem a diferença.
A grande meta para o ser humano é fazer a diferença e não vir ao mundo sem perspectivas. É virtuoso assim como funcional ao ser humano sair do mundo melhor do que entrou, mesmo evoluindo-se, por pelo menos um pouquinho, em um ser melhor em razão de sua existência; E através do serviço é que tal conseguirá isso; é ele que coloca na função de fazer a diferença para o outro, preenchendo vazios, a fim de o ser humano não viva em vão.
Servir é uma necessidade de todos os seres – Marcar presença com a finalidade de se acrescentar no mundo consiste numa necessidade humana.
Existe dentro de nós uma inquietude em servir. Entretanto, percebe-se que a existência humana aporta ao ato de ser útil a algo, atividade, função ou alguém, tendo a possibilidade deixar o mundo melhor, pois, há o esforço em preencher um vazio, criando motivação que consequentemente faz com que seres humanos nos encontrem no mundo. Existe uma angústia existencial e o serviço é capaz de preencher essa respectiva angústia.
A motivação está atrelada diretamente ao serviço, do sentimento de que o serviço é necessário, que pode beneficiar algo, uma causa ou alguém. De certa forma, desperta nos seres humanos o sentimento de alegria e de satisfação.
Tanto é assim que na psicologia e psicanálise, profissionais recomendam, além do tratamento realizado em seus consultórios, a prática do voluntariado, uma vez que fortalece o sentimento de ser útil, diminuindo assim a angústia interna e, ao mesmo tempo, para seus pacientes descobrirem o lugar deles no mundo.
Pode-se relacionar o serviço com o amor, que por sua vez, já foi introduzido nessa série de artigos sobre Khalil Gibran, conforme abaixo:
Pois bem.
O amor é a grande motivação do serviço. Nós servimos buscando os pedaços do coração no mundo, pois, somos incompletos. Servir é encontrar o próprio coração perdido nos lugares do mundo. O serviço está impregnado de amor. A carência de amor leva-nos na necessidade de servir.
Neste sentido, evoluímos ao servirmos. Queremos extravasar em amor; O amor é um elemento fundamental à vida humana; servir é distribuir luz, pois a ela servimos.
Quando uma mulher trás uma criança ao mundo, nós costumamos dizer: “Ela deu à luz” – isto é – essa mulher deu essa criança para a luz. Cada um de nós viemos ao mundo para servir à luz. Na medida que servimos, permitimos visualizar novos horizontes, iluminando a humanidade.
Havendo a vontade de servir, há uma potencialização de vontades e talentos no ser humano. A mistura da inteligência com amor, a boa vontade e a bondade; a junção desses elementos faz com que sejamos tremendamente eficazes. Esse é o espirito do servidor, que faz unir numa única direção, que é aportar valor ao mundo. Qualquer tipo de serviço feito com boa vontade e, na direção adequada, é de igual valor perante a natureza. Devemos buscar a oportunidade de servir, ainda que seja irrisório, com intuito o lugar que passou melhor e mais harmonioso como forma de legado. É o exercício de querer fazer a diferença, de deixar o mundo um lugar melhor, mais justo e mais humano. A vida é a dádiva do serviço. Todos os lados existem serviços milenares, que foi sendo embutidos para chegar ao ponto em que nos encontramos. Por isso, não existimos em vão. Nesta toada, o futuro, para nos fazer completos, aguarda o nosso serviço. Ele espera isso de nós. Servir não é tarefa para seres inferiores. Quanto mais servimos, mais sentimos parte deste mundo.
É como diz o Papa Francisco:
“Os rios não bebem a sua própria água; as árvores não comem os seus próprios frutos. O sol não brilha para si mesmo; e as flores não espalham sua fragrância para si. Viver para os outros é uma regra da natureza. A vida é boa quando você está feliz; mas a vida é muito melhor quando os outros estão felizes por sua causa”
Papa Francisco
Assim é ser pai ou mãe. Ser pai ou mãe é servir um ou mais filhos. É estar sempre disponível; é preocupar-se com um inocente; é ensinar uma vida a dar os primeiros passos a um ser impotente, hipossuficiente; é dar amor sem julgamentos.
Para Khalil Gibran, filhos não são aqueles que as mães apenas dão à luz ao corpo como responsabilidade, mas são seres que tem por objetivo formar como humanos. Os filhos não são das mulheres, embora delas terem sido gerados. Para ele, se nem nós somos donos dos nossos próprios corpos, também não seríamos donos de alguém.
Em sua obra “O Profeta”, expressa:
E uma mulher, com um bebê ao colo, disse: “Fala-nos de Filhos.” E ele disse: “Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da aspiração divina pela vida. Vêm por vosso intermédio, mas não de vós; E embora estejam convosco, não vos pertencem. Podeis conceder-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos; Pois têm seus próprios. Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas; Pois elas abrigam-se no amanhã, que não podeis visitar nem mesmo em sonho. Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis torná-los iguais a vós; Pois a vida não segue para trás nem se retarda com o ontem. Sois os arcos com os quais vossos filhos são lançados qual setas vivas. O Arqueiro aponta na direção do infinito, e vos curva com Sua força para que Suas flechas sejam lançadas, rápidas e certeiras, para bem longe. Ao deixar-se encurvar pelas mãos d’O Arqueiro, sede felizes; Pois assim como Ele ama a seta que voa, ama também o arco que é estável.”
Os filhos – Khalil Gibran
Como dito, o amor se realiza em si mesmo, não espera nada em troca. Este é o amor entre pais e filhos. O único desejo que os pais devem ter pelos filhos é que os mesmos se realizem, se completem, que sejam justos e honestos. É a prática do amor vertical. Ser pai ou mãe é fazer hora extra sem receber pagamento pecuniário em troca.
A vida busca pela perpetuação. No entanto, não existe perpetuação neste plano de existência, a não ser que seja a substituição de um corpo velho para um corpo novo. Em outras palavras, a necessidade de eternizar, perpetuar-se no próprio legado é transmiti-lo aos filhos deixando-os seguir, pois, do contrário, os trataremos como propriedade.
Nós não somos ou seremos donos dos nossos filhos. As mães dão à luz aos filhos para o mundo. É preciso identificar com o corpo, que por sua vez, foi um hospedeiro de um lugar cerimonioso, sendo este, o útero da mãe.
A criança até os 7 anos de idade, conforme entendimento dos especialistas, está formando e reconhecendo o próprio corpo; está aprendendo a sentar, a falar, a diferenciar emoções tristes, alegres e agressivas, etc.
O trabalho dos pais é ajudar na formação desta criança, tanto física, quanto psíquica, em razão de estar diante de um ser em formação. Tem-se ainda o trabalho de comandar a formação psíquica e espiritual da personalidade deste ser. Os filhos estarão conosco, mas, não nos pertencerão.
De maneira amorosa ensinar a ter limites, como a proibição de brincar com os próprios brinquedos no dia e no horário seguinte se porventura não os juntar e guarda-los numa caixa, por exemplo, é extrair o máximo dela.
Neste entendimento, é preciso representar o bem para que esse ser em formação se transforme numa pessoa de bem. A questão do exemplo é algo muito importante de entender. Epíteto, antigo filósofo, dizia que as sementes de grandeza no homem necessitam de uma imagem para germinar e florescer – em outras palavras – precisa haver fora um referencial concreto. Por isso, é próprio da criança e do pré-adolescente a necessidade de heróis como personagem, de referenciais que os inspirem, que incitem a serem maiores, a vencer limites.
Quando esse ser não encontra tal referência nos pais e não os admira e/ou não os vê como heróis, consequentemente e inconscientemente ele buscará fora alguém além dos limites sociais, que seja mais ousado, atrevido, que de certa maneira desafiará e alimentará os próprios sonhos.
A fórmula que sempre foi recomendada é: Fazer com os filhos vejam os pais como pequenos heróis. Filhos procuram nos pais alguém que sempre está se esforçando para ser maior e melhor como ser humano. Se um filho admira os pais, a voz destes pais terá mais peso do que a de terceiros na sociedade.
Deve-se ter uma moeda de permuta. O fato de os pais não terem conquistado princípios e valores, assim como não conseguir repassar, deixa-os de mãos vazias diante daqueles que amam. Havendo a respectiva permuta, haverá a formação de um ser humano. Se não houve conquista de valores, consequentemente será gerado um grande sofrimento, em virtude de não haver o que ensinar. Se os pais não tem nada para oferecer, os filhos rapidamente perceberão e logo buscarão outros para oferecerem-lhes algo. Sem vida interior, não há muito como distribuirmos vida à nossa volta.
Criar seres humanos é exigente. Uma das coisas curiosas em nossa sociedade é que existem leis rigorosas para adoção de uma criança, mas nem tão rigorosas leis existem no sentido de regulamentar as mães darem à luz a este ser, bastando apenas o requisito da fertilidade.
Os filhos são da humanidade e, por isso, deveríamos nos responsabilizar. Muitas vezes crianças nascem sem condições mínimas, adequadas e dignas de dar continuidade à vida. Ter um filho é algo muito exigente. Exige que sejamos humanos e isso é constantemente ignorado em nossos dias.
As pessoas superficiais se apegam as formas e não ao conteúdo; se existe conteúdo, os pais adaptarão para um bebê, uma criança de 5 anos ou até mesmo a um adolescente. Isso quer dizer que quando inexiste princípios profundos, oriundos de uma reflexão de uma vida interior, mas apenas uma forma, eles tentarão impor aos filhos, que não aceitarão, pois, acharão caduco, velho, demodê e irrelevante.
A profundidade é pedagógica, porém, a superficialidade não. A profundidade é convencida pelo exemplo; é capaz de responder qualquer circunstância e rodar em qualquer estrada.
Assim pensa Khalil Gibran.
Do contrário ao dito acima, pode-se considerar fortemente a existência de uma perda de valores humanos assim como uma ausência pelo meio ambiente e qualidade de vida pelos seres humanos seus semelhantes; uma perturbação da personalidade caracterizada por um investimento exagerado da própria pessoa, com exclusão de todas as outras. Tal característica pode ser diagnosticada em seres humanos como transtorno de personalidade narcisista, conforme preceitua Carl Jung.
REFERÊNCIAS
GIBRAN, Khalil. O Profeta. Trad. por Ricardo R. Silveira. Edição Especial. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2011.
Introdução. In: LOWER, Alexander. Narcisismo – Negação do verdadeiro Self. 1ª Edição. Traduzido por Álvaro Cabral ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1983., p. 09-11.