A dádiva da generosidade e entrega é muito diferente daquilo que a sociedade majoritária pensa e ensina. Neste sentido, Khalil Gibran escreveu sobre o tema por meio de sua obra “O Profeta”. Para ele, a espera do reconhecimento, a alegria do outro, o status social ou amenizar as dores da própria consciência e culpa após ter praticado algo, por exemplo, consiste numa relação horizontal, comercial e de troca, pois, descaracteriza a essência da verdadeira generosidade, tendo em vista consistir apenas num investimento com retorno futuro.
A generosidade é uma doação incondicional. Se tivermos algum interesse nas coisas humanas mais nobres, qual seja, qual seja, o amor, a justiça, a fraternidade, elas deixam de ser generosas e se transformam numa relação horizontal de troca comercial.
Imagine uma jovem apaixonada por um cavalheiro e uma amiga dela a pergunta por que você gosta dele. Se porventura ela responder, por exemplo, que motivo do gostar se enseja em virtude de ele ter status social ou um bom emprego e, consequentemente, um bom salário, o tal ato de gostar não é generoso, mas tão somente interesseiro, imbuído com características de investimento.
E assim Gibran explana:
Então um homem rico disse: “Fala-nos das Doações.” E ele respondeu: “Vós pouco dais quando doais vossas posses. Apenas quando doais de vós próprios é que dais, realmente. Pois o que são vossas posses senão coisas que guardais por temerdes necessitálas amanhã? E o amanhã, o que traz o amanhã para o cão prevenido que enterra ossos a esmo nas areias enquanto segue os peregrinos a caminho da cidade sagrada? E o que é o temor da necessidade senão a própria necessidade? Não seria o temor da sede, quando vosso poço está cheio, a sede insaciável?
Ser uma pessoa virtuosa e generosa não impede de ter posses, porém, pessoas de muitas posses nem sempre são generosas. Ter patrimônio é importante e faz parte da vida, desde que conquistadas por meio do fruto do próprio trabalho.
Neste sentido, argui Gibran:
Há os que dão pouco do muito que têm — e fazem-no em troca de reconhecimento e seu desejo oculto desmerece suas dádivas. E há os que pouco têm e tudo dão. São aqueles que acreditam na vida e na sua generosidade, e seus alforjes nunca estão vazios. Há os que dão de bom grado, e essa alegria é sua re-compensa. E há os que dão com pena, e essa pena é seu batismo. E há os que dão e não sentem pena ao fazê-lo, tampouco buscam alegria, ou virtude; Dão como a murta do vale exala seu aroma no ar. Através de suas mãos, Deus fala; e, em seus olhos, Ele sorri para o mundo.
Se refletirmos acerca dos grandes homens da história da humanidade, eles tiveram tanto destaque em razão de doarem muitas coisas ou porque doaram muitas coisas?
Os grandes homens foram aqueles que não doaram muitas coisas, mas, sim aqueles que foram generosos. Acumular coisas neste plano de existência nem sempre é sinal de generosidade. O acúmulo, por sua vez, consiste numa insegurança dos seres humanos, tendo em vista o medo de faltar-lhe algo.
Nessa toada, é possível acumular coisas em excesso no plano material ou emocional? Conforme comprovações científicas, tal ato é impossível. Entretanto, é possível acumular fraternidade.
Às vezes a relação horizontal de interesses é tão forte e enraizada, que é transferida até mesmo para as relações mais sagradas, principalmente as religiosas, tratando relação com a divindade como se fosse um plano de previdência privada.
E consequentemente criou-se muitas necessidades humanas. Onde há muitas necessidades, contém também poucas generosidades. Essa avidez excessiva por segurança própria, faz nos tornarmos insensíveis perante às necessidades do outro, cujas ações ensejarão na falta de compromisso com a humanidade, não desenvolvendo assim o amor e a fraternidade, abrindo mão dos próprios valores, que deveriam ser importantes.
Se necessitamos de um reconhecimento público acerca da nossa própria generosidade – em verdade – é que estamos fazendo propaganda de nossas ações, divulgando nossa pretensa “bondade” sem nos preocupar de maneira sincera na necessidade do outro. O verdadeiro generoso não espera nada em troca, tampouco reconhecimento e retorno.
Assim observa Gibran:
É bom dar quando solicitado, mas é melhor dar quando se compreende aquilo que não foi solicitado; E para os generosos, procurar por alguém disposto a receber é alegria maior do que a própria doação. Existirá algo que vós não deveis dar? Tudo o que possuís algum dia será dado; Portanto, dai agora, para que a época da dádiva seja vossa e não de vossos herdeiros.
É possível entender também que nós humanos foram criados para gerar frutos que a natureza espera, sendo alguns como justiça, a fraternidade e a generosidade. A generosidade, como dito, é ausência de expectativa, de troca, de divulgação do ato de bondade. É o ato natural e próprio de fazer o bem.
O egoísta sempre perderá o jogo, pois, não possui capacidade de entregar nada sem requerer algo em troca.
Assim entende Gibran:
Dizeis muitas vezes: ‘Eu daria, mas apenas a quem merece.’ As árvores em vossos jardins não dizem tal coisa, tampouco os rebanhos em vossos pastos. Dão para que possam viver, pois guardar significa perecer. Pois quem merece receber seus dias e suas noites é também digno de tudo que vem de vós. E aquele que mereceu beber do oceano da vida merece encher seu cálice em vosso pequeno riacho. E que mérito maior haverá além da coragem e confiança, mais ainda, da caridade de receber? E quem sois vós a quem os homens precisem abrir seu íntimo e desnudar seu orgulho a fim de que possais enxergar seu mérito revelado e seu amor-próprio destemido? Cuidai, primeiramente, para que mereçais doar e ser da doação um instrumento. Pois na verdade é a vida que dá para a vida — enquanto vós, que vos considerais doadores, sois meras testemunhas. E aqueles que recebeis — e vós todos recebeis —, não tomai para si o ônus da gratidão, pois estareis subjugando a vós próprios e ao doador. Procurai, sim, elevar-se com ele em suas dádivas como se tivésseis asas; Pois se ficardes demasiadamente preocupados com vossa dívida, estareis duvidando da generosidade daquele que tem a terra pródiga por mãe e Deus por pai.”
Um pequeno ato de generosidade não é mais que um ato de obrigação, pois, é isso que a natureza espera dos seres humanos. Se porventura possui a disponibilidade de dar, dê. Doe sem expor, por exemplo, alguém a um ato de humilhação. Não importa se o outro possui ou não méritos. Apenas dê e sinta-se honrado por isso. O generoso espera que cresças; do contrário, não é generosidade.
Essa é a ideia de Gibran sobre a dádiva da generosidade.
REFERÊNCIAS
GIBRAN, Khalil. O Profeta. Trad. por Ricardo R. Silveira. Edição Especial. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2011.