Esse artigo talvez é o mais polêmico que escrevi até então, algumas observações são válidas, muitos irão ler isso e questionar que é impossível alguém ser de esquerda defendendo o sistema de livre mercado, mas devo lembrar de duas coisas, a primeira, Ideologias não são estáticas, elas mudam e se adaptam conforme o Zeitgeist ou espírito do tempo, esse termo ficou famoso na obra de Hegel mas foi primariamente utilizado por Johann Herder em 1769, no mundo pós guerra fria, a maior parte da esquerda mundial percebeu que o ataque frontal ao modo de produção capitalista era um erro, portanto eles intensificaram o que ficou conhecido como estratégia gramsciana. A segunda observação é que o entendimento brasileiro do que é o marxismo não é adequado, isso é interessante pois ao menos na academia, se tem uma tendência marxista nas ciências humanas e mesmo assim aparecem daqui para ali algumas afirmações peculiares para dizer o mínimo como: “o PT não foi um partido de esquerda quando governou “ esse entendimento que classifico como “marxismo de buteco” não se sustenta quando se analisa a obra de marxistas de ponta, intelectuais de respeito, como Robert W.Cox e Louis Althusser (1918-1990). O Marxismo não é uma ideologia, ou na perspectiva gramsciana um conjunto de ideologias, o marxismo é um processo dialético (isso já estava posto em Hegel (1870-1881), anterior a obra de Marx), sendo um processo dialético o marxismo pode assumir a forma inclusive do que aparentemente é o seu oposto, o sistema de livre mercado.
A Nova esquerda portanto não é anticapitalista, ela utiliza o capitalismo como forma de engenharia social, na teoria de relações internacionais marxista se observa gradualmente o aumento de importância das multinacionais e das chamadas elites globais no processo decisório dos Estados-Nação, dentro do arcabouço teórico conceitual da teoria de Relações Internacionais autores das correntes funcionalistas e críticas apostavam na diminuição do poder dos Estados-Nação através da formação de blocos de países como o Mercosul e a União Europeia com o chamado intergovernamentalismo, esse processo aprofundava as relações entre os países dos pontos de vista fiscal, monetário e principalmente na questão da flexibilização da soberania, pois o centro do poder sai do Estado-Nação para instituições supranacionais, claro que isso não é feito de uma vez, como ressalta David Mitrany na obra The functional theory of politics (1975) a integração é feita através do Spill Over (começam em questões técnicas para depois partir para questões mais importantes) para não deixar atentos grupos de pressão contrários, mas pouco a pouco se esvai o poder estatal nacional e cresce o poder transnacional das instituições e multinacionais bilionárias.
Como a esquerda global conseguiu isso? Através da conivência dos “liberais” que embora alguns temam a concentração de poder (a União Europeia na prática é um superestado) ao fazer um calculo utilitário de custo-benefício julgaram que os ganhos econômicos internos compensavam os malefícios nas demais áreas, isso ocorreu porque “liberais” são materialistas (com exceção da escola austríaca que irei comentar mais a frente) ao colocar a qualidade de vida a frente da saúde moral da nação os “liberais”, ainda que sem intenção, contribuíram para colocar o Estado de joelhos.
Outro ponto que os “liberais” acabaram ajudando as ambições globalistas da esquerda foi com a promoção do cosmopolitismo. O chamado jusnaturalismo kantiano defende a total e completa aversão a qualquer forma de barreira a integração dos povos, despreza a história e os antepassados, são indiferentes ante a cultura e a soberania das Nações chegando a defender inclusive que não existissem passaportes ou controle de fronteiras, claro que existe uma diferença entre conceito e aplicação, mas como já dizia o filósofo americano Richard Weaver, Ideias tem consequências.
O domínio cosmopolita nas principais capitais do mundo gerou mudanças na chamada janela de Overton, a janela define quais são as possibilidades de aplicação de políticas perante a opinião pública daquele período, hoje a janela se encontra muito mais à esquerda do que se situava na no fim da guerra fria, o que pode parecer um paradoxo para quem insiste em simplificar as ideologias num binarismo que só abrange posturas econômicas, pois a economia planificada típica das experiências socialistas do século XX apenas existe em Cuba e na Coréia do Norte hoje, do ponto de vista econômico, ao menos no mundo desenvolvido, já se chegou a um consenso de que o sistema capitalista é mais estável e que no agregado produz melhores resultados, claro que o sistema não é perfeito, e que pessoas ficam a margem do desenvolvimento econômico proporcionado por ele, especialmente em países que freiam o ajuste próprio da dinâmica de mercado se valendo de uma ideia utópica de Estado eficiente, burocracias, regulamentações, legislações complexas são criadas com a propaganda de proteger a população do ímpeto selvagem do capitalismo, entretanto a razão de sua criação é a ação de poderosos grupos de interesse que influenciam o legislador.
Portanto a guerra hoje não é na economia, e sim na cultura, e ai por omissão os “liberais” acabam ajudando novamente as ambições da esquerda, o excesso de individualismo pregado por eles pode produzir uma boa sociedade? Sim, mas apenas se esse individualismo vier acompanhado de restrições sejam de ordem moral, ética ou religiosa, do contrário o individualismo leva ao relativismo num piscar de olhos, por exemplo: uma visão tipicamente liberal é que não existe hierarquia entre alta cultura e baixa cultura, essa afirmação já trás por si só um caráter relativista, é chocante para conservadores que alguém diga que existe o mesmo valor em Bach e Anitta ou em T.S Eliot e Stephen King, entretanto é assim que o liberalismo contemporâneo enxerga as coisas. O Filosofo Russell Kirk oferece uma boa explicação do porque existe sim hierarquia entre a alta e a baixa cultura, com o conceito da imaginação moral (as paixões, sentimentos, emoções , o senso comum), caso não tenha acesso a modelos de conduta razoáveis será domada pelas referências mais baixas possíveis.
A Nova Esquerda se aproveita dessa omissão dos “liberais” para promover sua agenda de engenharia social, pois ainda que eles discordem, (e sim alguns deles discordam) o seu norte máximo do individualismo não os permite firmar posição de oposição como os Conservadores fazem, vítimas de sua própria construção conceitual e sem a emergência de um grande autor com entendimento correto de sua história e importância, o liberalismo será fatalmente cooptado pela esquerda para transmitir mais credibilidade as suas loucuras… infelizmente, não aparece que hoje que vá surgir um Ludwig Von Mises, um Thomas Sowell, ou um Hans Herman Hoppe para carregar a tocha da verdadeira liberdade
Um exemplo de como funciona: Para dar legitimidade à sua agenda social a esquerda passou a defender a pedofilia como doença (já existem correntes no direito e na psiquiatria que tratam como doença mental) e depois que for aceito como doença passarão a defender a pedofilia como liberdade de gênero, e quem levantar algum tipo de objeção a isso será tachado como intolerante e retrógrado, e os pedófilos irão dizer que sofrem preconceito como os homossexuais, creio não precisar explicar como é absurdo e ridículo a mera insinuação de que gays e pedófilos são equivalentes… o mesmo descrito com a pedofilia acontece com a campanha pela legalização das drogas, e exemplos não faltam, basta entender que tudo é uma questão de linguagem, se dizem defender o que quer que seja em nome da liberdade a reação no subconsciente humano é mais positiva, por isso a esquerda precisa cooptar os “liberais”, e infelizmente ela tem conseguido.
Hoje é normal veres alguns deles que se empenham em defender as pautas da esquerda, como a ideologia de gênero, feminismo, aborto, drogas e invariavelmente quando você perguntar para eles o porque deles defenderem a razão será, é ruim para os negócios ou prejudica a economia ter um conservador no poder.
Os que falam isso se esquecem, que o momento que as ideias liberais mais estiveram em alta aconteceu nos anos 70 e 80 com prêmios Nobel para Milton Friedman e Friedrich Hayek e os governos conservadores de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, os que falam isso se esquecem que a principal refutação do marxismo veio de um liberal ao demonstrar a impossibilidade do calculo de preços em uma economia planificada, isso é Mises, não veio de um conservador, triste do mundo em que liberais preferem Joe Biden e Macron.
Qual é o absurdo da situação? A Nova Esquerda faz uma interpretação errada dos princípios liberais, e os “liberais” contemporâneos não combatem essa falácia, aceitam pacificamente a deturpação de seus princípios e valores. Sim, eu sei que é tarde demais apontar que um erro conceitual gerou a face atual do progressismo, mas ainda assim isso é relevante e precisa ser dito.
Obs: optei pelas aspas porque não iria denegrir a boa imagem dos liberais de verdade, portanto as aspas são para os liberais fakes.