Ao longo de sua trajetória de sete décadas sempre houveram estudiosos e tentativas de sistematizar o que o Rock significava musical, social e culturalmente. Os próprios músicos divergem quanto a possibilidade de se teorizar sobre o fenômeno, portanto no futuro irei conduzir um estudo mais aprofundado sobre o Rock e suas mudanças através das décadas. Hoje o artigo é dedicado a uma banda um tanto quanto subestimada, e que inclusive já foi subestimada pelo autor que escreve esse artigo.
Esse título por incrível que pareça não diz respeito ao Iron Maiden e suas aulas de história e músicas cuidadosamente montadas para refletirem acontecimentos ao longo dos séculos e um sem fim de referências cinematográficas e literárias, também não diz respeito ao Rock Progressivo do PinK Floyd e sua constante suposição de superioridade perante os colegas de carreira e uma espécie de culto sobre a genialidade da banda sustentada pelos fãs. Com todo o respeito ás duas mas se tem uma banda que merece esse título, essa banda é o Supertramp.
Antes de entrar na análise de algumas de suas letras e significados é necessário passar um pouco pela história da banda. O Supertramp se formou em Londres no início dos anos 70 e lançou 11 álbuns de estúdio ao longo de sua trajetória, os britânicos acumularam mais de 60 milhões de cópias vendidas, conseguiram dois discos de diamante ao longo da carreira e um single no topo da Billboard em 1979 (The Logical Song).
A banda demorou um pouco para encontrar sua identidade musical, formação e sucesso, dos dois primeiros álbuns poucas coisas são realmente memoráveis, e constantes trocas de músicos não ajudaram em nada, para o terceiro álbum com uma formação que estava musicalmente encaixada e entrosada a banda estava pressionada pela gravadora e pelos seus financiadores privados. Não poderiam errar de novo ou seria o fim. Felizmente a banda acertou em cheio, com um álbum conceitual e filosófico inspirado na loucura. O álbum Crime of The Century ( 1974) fez a banda entrar no sonhado mercado americano com o sucesso do single Bloody Well Right. As vendas levaram ao primeiro disco de ouro da banda ( 500 mil unidades vendidas ) e garantiram um contrato mais longo com a gravadora e também uma sequência matadora de álbuns com Crisis, What Crisis? (1975) , Even in The Quietest Moments ( 1977), Breakfast in América (1979) e Famous Last Words (1982)
Decifrar o porque o Supertramp fez sucesso não é uma tarefa fácil. O historiador Paul Friedlander na obra Rock and Roll: Uma história social estabelece que a música sempre atinge os ouvintes em 4 dimensões ( Sentimental, Sexual, Intelectual e Ritmíca ). Essas dimensões não são mutuamente exclusivas. Uma mesma banda pode ter músicas ancoradas nas 4 dimensões e uma mesma música pode utilizar ao menos 2 delas. Por Exemplo: Layla, o maior sucesso de Eric Clapton combina a dimensão sentimental com a rítmica. Always do Bon Jovi combina todas ás dimensões menos a intelectual. É importante notar que o sentimental nem sempre estará ligado ao amor romântico, o Metallica usualmente têm suas composições na área sentimental ( Raiva, Fúria, Depressão, Tristeza ) mas apenas uma música romântica em toda a discografia. Não é coincidência que seja o maior sucesso, baladas, em especial, românticas como Nothing Else Matters são um atalho para o sucesso tanto quanto interpretar álguem já existente é um atalho para o Oscar de atuação.
O diferencial do Supertramp está nas composições, ou seja na dimensão intelectual da música, esse diferencial só foi possível pela improvável parceria entre o pianista Rick Davies e o guitarrista Roger Hodgson. Os dois líderes da banda eram como água e oléo, era um relacionamento que tinha prazo de validade, felizmente durou tempo suficiente para a produção de vários clássicos. Hodgson possui um otimismo um tanto quanto irritante, claramente ele foi influenciado pelo movimento hippie dos anos 60, mas era uma espécie de hippie intelectual, ele adquiriu um estilo de eterno sonhador e visão positiva da vida evidenciado em músicas como Dreamer e Give a Little Bit.
A visão paz e amor do guitarrista contrastava com o pessimismo inveterado do pianista Rick Davies. Ás diferenças entre os dois começavam no berço, enquanto Hodgson cresceu em uma família estável num subúrbio rico em Oxford. Rick cresceu numa área pobre de Swindon, sua mãe era cabelereira e seu pai da marinha mercante, o pai de Rick morreu com o filho sem nem completar 30 anos de idade. A vida tornou Rick um grande cético e cínico e isso é passado brilhantemente em letras como Just a Normal Day, Another Man´s Woman, Ain´t Nobody But Me e principalmente From Now On e Loverboy. Mesmo quando Davies escreve sobre amor, escreve com a ótica do desafortunado e da lei de Murphy. A melancolia de suas composições é reforçada pelo acompanhamento de Blues/Jazz que vem de seu famoso piano Wurlitzer.
O contraste da banda é reforçado pelo fator de que enquanto Davies é um Barítono ríspido, Hodgson alcança notas extremamente agudas com seu tom de tenor. Em uma de suas melhores canções a belíssima Just a Normal Day do álbum Crisis, What Crisis? (1975). Davies interpreta um homem com depressão em busca do auxílio de seu psicólogo, interpretado por Hodgson que canta o refrão, ao fim notamos o pessimismo de Davies com o encerramento em que a terapia nada mais é que uma forma de se enganar que existe alguma luz no fim do túnel. Loverboy do álbum Even in The Quietest Moments por outro lado antecipa um fenômeno contemporâneo e zomba dos populares coachs de relacionamento. Na dobradinha Ain´t Nobody but Me e Another Man´s Woman Davies mostra o declinio que acontece com um homem quanto ele está apaixonado e não é correspondido além das belas referências a O Médico e o Monstro investiga a miséria de se apaixonar por uma mulher casada e ás migalhas que o amante recebe apenas para continuar ali.
Aqui está outro diferencial do Supertramp em relação ás demais bandas, a capacidade de tornar o cotidiano em algo profundo. É fácil ser uma música empolgante tratando dos feitos de Winston Churchill, Cantando sobre o motor de sua mais nova Ferrari ou discutindo a Guerra Fria. O Difícil é pegar situações ordinárias e transforma-las em algo digno de análises mais aprofundadas e nisso a discografia do Supertramp é um prato cheio.
A banda continuou na ativa até 2002 mas nunca mais desfrutaria do sucesso que alcançou entre seu terceiro e seu sétimo álbum. O fim da parceria entre Davies e Hodgson levou a uma banda abaixo de seu potencial e uma carreira solo que também não conseguiria grandes feitos. Davies e Hodgson se completavam por mais que tentem negar hoje em dia que um não precisasse do outro na banda.
Bibliografia
FRIEDLANDER, Paul. Rock and Roll: Uma história social. Rio de Janeiro: Record. 2017