Em meu último artigo aqui no Hermenêutica Política escrevi sobre a decadência hollywoodiana e os grandes erros que essa indústria cometeu nos últimos anos, agora para complementar o assunto, elaboro um pouco mais sobre o estado quase terminal que o maior representante da sétima arte se encontra.
Para quem acompanha cinema mais de perto, o ano de 2023 trouxe várias surpresas:
- A monumental falha da última aventura de Indiana Jones, que se tornou o maior fracasso comercial da história da Disney;
- O caso de marketing de sucesso do filme da Barbie e Christopher Nolan talvez realizando a sua obra-prima máxima com o drama biográfico Oppenheimer;
- O retorno a direção de Ben Affleck com um dos filmes mais elogiados do ano, e extremamente representativo do American Way of Life, contando a história da parceria entre Michael Jordan e a Nike em Air- A História por trás do Logo.
Contudo, o mais surpreendente de todos, foi um filme descartado pela Disney que lançou sem nenhum marketing ou alarde, O Som da Liberdade, que conseguiu, na bilheteria doméstica, rivalizar diretamente com os grandes lançamentos do período.
Alguns desses fatos dizem respeito aos apontamentos que conduzi no primeiro artigo, a dominância quase completa de pautas progressistas alienou metade do país que não concorda com os ideais políticos de Massachusets, da Califórnia ou de Nova York. A bilheteria massiva de Barbie pode enviar sinais de vitória para os progressistas, porém eles continuam sem perceber porque a maioria dos filmes carregados dessas retóricas fracassam.
Todos os analistas dizem que a bilheteria ainda não recuperou os níveis pré-pandêmicos e existem dúvidas se ela irá recuperar o seu auge, reportado no ano de 2018. O fracasso de Indiana Jones é o mais assustador de todos esses fatos. O projeto seria a despedida de um ator lendário como Harrison Ford do papel que o imortalizou como um dos grandes sucessos e dos grandes heróis da década de 80, o diretor James Mangold vinha de vários sucessos em sequência como Logan (2017) e Ford versus Ferrari (2019). A Disney garantiu um dos maiores orçamentos da história do cinema ( o sétimo maior até o momento) e no ano anterior o fenômeno Top Gun tomou o mundo de assalto, também apresentado como o retorno e a despedida de um dos grandes heróis dos anos 80, o intrépido Pete Maverick interpretado por Tom Cruise.
Todos os elementos estavam em cena para um sucesso massivo e estrondoso, mas não foi bem assim. A equipe de produção, também responsável por destruir Star Wars diga-se de passagem, conseguiu fazer naufragar um dos projetos teoricamente mais seguros e rentáveis dos últimos anos.
O público, aquele que determina a vida e a morte das franquias, não ficou nada impressionado com a desconstrução de Indiana Jones e o posicionamento de umas das princesas feministas do momento como a heroína do longa. Tudo faz sentido quando olhamos que Phoebe Waller Bridge, também teve a sua contribuição no péssimo e desastroso último capítulo da franquia do 007, que também apela para o mesmo expediente de desconstruir o herói e transforma James Bond, um dos mais destemidos personagens da história do cinema em um sensível e sentimental pai de família derrotado de forma ridícula pelo vilão.
Enquanto a Disney tenta entender porque esse fiasco ocorreu com uma de suas três maiores franquias sem ter coragem de dizer e enfrentar que o real problema é fingir que toda a sua audiência pensa da mesma maneira e com o mesmo viés , alguns outros players de Hollywood tiveram surpresas positivas.
Os Estúdios Amazon pela primeira vez lançaram uma produção original nos cinemas com o novo filme do diretor Ben Affleck ( Argo, Medo da Verdade, Atração Perigosa ) e embora o filme tenha sido apenas um sucesso moderado na bilheteria, o seu impacto cultural é algo intangível. O filme já nasceu um clássico. Não vou me espantar se Affleck levar mais um Oscar de Melhor Filme para casa, assim como levou com Argo em 2013.
É interessante notar que Affleck não é um republicano conhecido como Jon Voight, Clint Eastwood, Arnold Schwarzenegger ou Kelsey Grammer e sim um democrata convicto, mas um democrata da velha guarda. Ter se tornado alvo da sanha totalitária dos lacradores do Twitter sem dúvida fez Affleck repensar algumas coisas e em Air ele demonstra isso com a maior celebração do American Way of Life do cinema contemporâneo ao lado de Top Gun: Maverick. Essa é uma lição que os democratas da nova geração precisam aprender, amar o país não é monopólio do partido republicano, patriotismo é algo para além das opções político-partidárias.
O caso de O Som da Liberdade é ainda mais emblemático pelo contexto, o filme foi descartado pela Disney após a compra da 20th Century Fox, antiga detentora dos direitos cinematográficos. É estrelado por um ator que caiu em relativo ostracismo nos últimos anos devido a seu posicionamento explícito como cristão e produzido por um estúdio que depende de Crowdfunding para produzir os seus títulos. Se no início do ano dissessem que O Som da Liberdade seria lançado nos cinemas já seria motivo de dúvida, quanto mais conseguir ser mais rentável que Indiana Jones.
O sucesso da obra lembra, em uma escala menor, o que aconteceu em 2014 com Sniper Americano, não em termos de arrecadação, mas em atrair e levar aos cinemas a população de estados vermelhos (ao contrário do Brasil, nos EUA a cor vermelha representa a direita), não é necessário ser o Sherlock Holmes para perceber que é a presença dessa população nos cinemas que pode levar a recuperação da bilheteria para os níveis pré-pandêmicos. Usualmente os cinemas recebiam filmes de todos os espectros políticos, por consequência haviam obras que agradavam todos os lados do espectro. Ultimamente as obras se tornaram tão politizadas e recheadas de conteúdo divisivo que grande parte da audiência evaporou.
Os filmes sempre tiveram conteúdos polêmicos relacionados à política, religião e comportamento. A grande questão é que antes era tudo mais implícito e soava menos como uma propaganda política explícita. Era necessário que o espectador refletisse sobre a obra para entender as mensagens embutidas ali. Um bom exemplo disso é a obra Laranja Mecânica de Stanley Kubrick, um filme tão ambíguo, mas tão ambíguo que jamais seria produzido atualmente pelo medo de ofender determinada parcela da população, pelo medo das reações das redes sociais e os boicotes.
Os estúdios podem até querer ficar fora de polêmicas o máximo possível enquanto organizações privadas, isso é até entendível, porém dada a natureza do seu produto, que depende da boa vontade do público e depende da reação desse público para se manter, não é nem de perto uma boa ideia alienar metade da população do seu maior mercado consumidor. Hollywood está deixando dinheiro na mesa ao não agradar os gostos de espectadores republicanos, e num momento de crise, com greves simultâneas na indústria, (atores e roteiristas) e uma bilheteria sem projeções animadoras, tudo que não pode ser feito é deixar dinheiro em cima da mesa.
1 comentário
Muito bom o artigo, aborda muito bem essas questões atuais. Show!