Qual é o poder de influência que o dinheiro possui sobre nossas vidas? Será que ele realmente consegue nos corromper, levando uma condição natural nossa possivelmente boa para a ruína, ou o dinheiro simplesmente pode potencializar aquilo que sempre esteve em nós?
Pensar nesse assunto é importante para provocarmos autorreflexão de como encaramos o dinheiro em nossas vidas. No “Conto de Natal”, Charles Dickens propõe uma história que leva a nós leitores a uma profunda reflexão sobre o abandono das virtudes em função do dinheiro.
O personagem Scrooge é um idoso mesquinho que passa a ser assombrado pelos três fantasmas dos natais: o passado, o presente e o futuro. Os fantasmas se organizam em ordem cronológica para visitar Scrooge e o levam para uma jornada um tanto diferente. Em diversos momentos do conto, o próprio personagem se junta a nós leitores para ser espectador da sua vida e consegue enxergar como o dinheiro e sua cobiça destruiu a sua vida.
O amor ao dinheiro tirou a mulher que era amor da sua vida e também cortou os laços com amigos e familiares. Por último, Scrooge vê que no fim da sua vida ele perdeu a oportunidade de ser alguém que cooperou para o bem das pessoas a sua volta. Sendo apenas mais uma pessoa no mundo que no dia da sua morte, ela seria simplesmente esquecida.
No caso, Scrooge não ganhou sua fortuna do dia para o outro. Assim como muitos na realidade, possuem uma escalada na vida financeira devido a uma constante dedicação no trabalho por muitos anos, a fim de que chegasse no seu sucesso. Na sua história, o personagem deixou que sua ambição e cobiça roubasse outras riquezas em sua vida.
Ele perdeu a capacidade de amar e construir uma família, e consequentemente perdeu a vontade de estar com os amigos e familiares. Apesar dele ter tido várias oportunidades para retroceder com suas péssimas escolhas de vida, ele constantemente as negava em virtude do trabalho. Além disso, ele criava um ambiente de trabalho abusivo com seus funcionários, e mesmo que eles fossem bons com ele, não havia reciprocidade nessa relação.
Scrooge se tornou uma pessoa fria e mesquinha, com temperamento que o tornava uma pessoal difícil de se relacionar. Tudo isso ocorreu, pois o dinheiro era seu foco principal. Mas ironicamente, ele chega ao fim da vida com muita riqueza financeira, mas era um homem pobre de virtudes, valores e boas experiências que davam prazer a vida. Tomado por essa conclusão e grande arrependimento, o personagem recebe mais uma nova chance para viver de uma forma verdadeiramente rica, onde ele podia ser mais altruísta, amigável e amoroso com todos.
Essa história demonstra uma perspectiva de um personagem que foi se corrompendo pelo amor ao dinheiro com o passar do tempo. Mas ao romper com a corrupção que estava em sua alma e buscar a redenção de suas ações egoístas, Scrooge ainda rico, tenta usar a sua riqueza para promover mudanças e transformações significativas na vida de todos que conhecia.
O interessante dessa história é que ela demonstra que a corrupção assim como a riqueza, normalmente, não vem de um dia para o outro, mas com pequenas ações, com pequenas concessões e sacrifícios que jamais deveriam ser feitos. Foram as decisões de Scrooge em questões ordinárias, como saber apreciar uma boa companhia, saber encontrar alegria nas coisas ordinárias, que logo as coisas mais significativas também começaram a ruir e perder o sentido.
É normal que para os leitores ingênuos eles possam ler essa história e saiam inspirados a ter mais cuidado com sua relação com as finanças, talvez a passar mais tempo com a família e com os amigos. É bom que isso seja feito mesmo! Mas aplicado isso em um contexto cultural brasileiro, o dinheiro corrompe as pessoas sem vir necessariamente pela riqueza e sim por fontes mais amplas e minuciosas.
Vivemos em um contexto cultural brasileiro que é comum que boa parte da população faça dívidas. Existem diversos tipos de motivos para que as pessoas estejam fazendo dívidas, mas as que eu me refiro são as dívidas maldosas, feitas por comportamentos que demonstrem falta de caráter, do que falta de conhecimento de gestão financeira.
Com esse contexto, é possível observar que muitos se consideram ricos, as custas dos outros e se colocam no dever de criar dívidas sobre dívidas, usando pessoas, aplicando golpes e desenvolvendo esquemas para fugir das punições da justiça. Pessoas assim, podem também estar enfrentando um abismo crítico de moralidade que as impede de vivenciar uma vida ordenada.
A ambição pelos bens, mesmo que ela forneça a riqueza ou dívidas, ela demonstra basicamente que a pessoa vive unicamente escrava da matéria. O dinheiro no caso se torna um ídolo, que sutilmente convence que as virtudes não passam de um meio para um fim. Tratar bem as pessoas com respeito, para pessoas de caráter ruim, pode ser um meio para ter a confiança das outras pessoa e usar isso para seu próprio benefício. Sem perceber as pessoas são manipuladas para serem o pavimento do caminho dos desonestos, que vão pisar com força a fim de conquistar um palácio vasto e cheio de riquezas, que ironicamente talvez nunca exista, e se existir, será apenas um palácio vazio e silencioso.
As virtudes, os valores absolutos e o Tao (definição utilizada por C.S Lewis do padrão universal do que é certo ou errado) eles existem como um fim em si. São o equilíbrio que determina a continuidade de uma vida que vale apena ser vivida. Pode até ser que as virtudes apenas proporcionam, provavelmente, um caminho árduo e lento, mas, por outro lado, é um caminho onde não será necessário quebrar todas as verdadeiras razões existenciais para atingir esse objetivo.
Mas, não devemos nos enganar e iludir com nossos acertos virtuosos. Podemos ser levado durante a rotina e de forma sútil, a tentar determinar o nosso valor como pessoas em função do quanto ganhamos e do quanto podemos ganhar no futuro. Fazemos comparações com pessoas que possuem vocações, habilidades e sonhos diferentes que os nossos, mas gostaríamos que tivéssemos as mesmas vidas. Caímos na rede ardilosa do mundo social virtual que divulga vidas com aparências de riqueza e luxo, mas que na temporalidade se revelam como Scrooge, tristes, sozinhas e amarguradas.
Ao mesmo tempo, temos exemplos de figuras como o brasileiro Flávio Augusto, que teve uma jornada de enriquecimento longa e trabalhosa, mas sem perder os seus valores durante o caminho. Em sua história contada no livro ponto de inflexão, ele demonstra jamais renunciaria a sua saúde e também não renunciaria a sua família em virtude do dinheiro. Até o momento, ele é uma figura que nunca se envolveu com acusações polêmicas de ter enriquecido por favorecimento politico. Dá mesma forma, seu casamento se manteve integro assim como seu caráter e seu nome sempre esteve como referência e influência para uma juventude brasileira marcada pela ostentação que não almeja um futuro familiar prospero, equilibrado e harmônico.