Em contos de literatura mais ligados as fantasias tradicionais, a magia é tratada como a capacidade de conduzir alterações na realidade. Dependendo do quanto a realidade for alterada, definirá o quão poderosa ela precisa ser, mas como diz o duende Rumpelstiltskin, “toda mágica tem seu preço”. Esses contos são para mostrar que toda ação de poder para mudar a realidade, possuem um preço, e talvez um preço que não estamos prontos para pagar, e por isso dão origem há diversos eventos trágicos.
Mesmo que os magos mais hábeis possam fazer mais magias para adiar o pagamento desse preço, ele não some simplesmente, como se existisse uma lei de troca equivalente. Se há uma alteração muito grande da realidade, a cobrança também será equivalente na sua proporção. Nem sempre os autores das magias que pagam esse preço, mas sim pessoas inocentes e as gerações seguintes, pois tamanho foi o custo de manipular certos poderes.
Qual a relação disso com a mentira?
De certa forma, a mentira é como a magia nos contos de fadas, que também possui uma tentativa de alterar a realidade. Ela possui o seu preço e deixa seus rastros de consequências que não impactam somente o mentiroso, mas tudo que ela pode consumir. Há contos de fadas que tratam especificamente sobre a mentira.
Temos o exemplo do “Menino e Lobo”, o conto no qual o menino mentia para vila que um lobo se aproximava, mas ele mentia apenas para se divertir. Essa mentira se repetiu continuamente, até que ninguém acreditava mais, e um dia o Lobo se tornou real, e ninguém saiu para auxiliar o menino teve um destino trágico com a morte. No caso, a consequência da mentira em virtude de uma diversão, custou a confiança das pessoas da vila, a proteção que elas ofereciam e por fim, a existência do menino.
Já o conto de Pinoquio marcou gerações com a história sobre uma criança esculpida por uma madeira mágica que ao mentir seu nariz crescia, e várias crianças dessas gerações tiveram um certo receio de mentir para que não tivessem o mesmo destino. “Cuidado, pare de mentir! Ou seu nariz crescerá igual ao nariz do Pinoquio!”
Assim como outras obras famosas de contos de fada, Pinoquio sofreu alterações na sua história ao longo da época, para se adaptar melhor a certas idades. Mas como sempre, essas alterações fazem a história perder a sua essência para de adaptarem a um estilo mais “Disney”.
Por isso, a história do menino de madeira na sua essência original não é necessariamente uma história sobre a mentira, mas sobre o custo da mentira para um garoto de madeira que não queria aceitar a sua realidade. Pinoquio desafiava seu pai com desobediência e manipulava os eventos ao seu redor com a mentira para conseguir o que queria, a fim de viver e experimentar tudo o que o mundo tinha para oferecer, além de tomar decisões desastrosas que tentassem impedir ingenuamente as consequências trágicas de suas ações.
Mas, tudo que o menino experimentou foi a triste e constante verdade de que na realidade há consequências para suas ações, principalmente ações impulsivas que buscam apenas satisfazer sentimentos sem questionar as consequências. O menino de madeira até possui uma “voz da consciência” conhecida pelo nome “Grilo falante”, mas é constantemente ignorada com seus alertas e avisos de sabedoria.
Como isso se relaciona com a nossa cultura?
Dentro da nossa cultura, temos a mesma história acontecendo em formatos diferentes. A existência da discussão da disforia de gênero criou uma modalidade de pensamento ideológica em que tenta determinar que a razão de existência humana, está em um sentimento e na sua satisfação. Ou seja, o ser se tornou tão abstrato que fugiu dos seus valores concretos e por isso precisa encontrar em um universo de abstrações, que concordam com suas emoções subjetivas para que somente assim, fazem os disfóricos se sentirem reais, vivos e com um significado.
O significado de vida para essas pessoas chega ao ponto de não se relacionarem mais com valores tradicionais que já se provaram úteis no teste no tempo para o avanço da espécie humana e a perpetuação da paz e prosperidade. Por isso, todo o objetivo dos disfóricos é encontrar e se basear sua existência em mudanças que condizem com suas emoções, mesmo que desafiem toda sua estrutura biológica natural e para criar uma mentira existencial, ao ponto de correrem risco de vida para se tornarem aquilo que sentem.
Assim como o Pinoquio, tomam decisões impulsivas que podem ter consequências irreversíveis, a fim de finalmente conquistarem uma sensação de significado, mesmo que ela venha por meio de uma grande mentira. Se partirmos do pressuposto de que todos carregamos uma “voz da consciência”, com a capacidade de nós dar uma noção natural do que é certo e errado, do que convém ou não, então, uma forma de silenciar esse senso em nós ou o senso das outras pessoas, é por meio de mentiras que contamos a nós mesmos ou para as pessoas.
Isso demonstra algo interessante sobre a verdade. Ela se assemelha a um quebra-cabeça que ao ser montado erroneamente, ele dá indícios de que há algo errado. Mesmo que haja filósofos, intelectuais e pessoas de alto prestígio acadêmico dizendo que um quebra-cabeça está completo, a verdade, assim como o quebra-cabeça, dá indícios que está incompleta. Ou seja, mesmo que exista um enorme esforço científico para alterar os caminhos naturais do corpo para atender interesses subjetivos, mesmo que o preço seja a própria a vida, não passa apenas de uma tentativa ingênua de esconder uma verdade que em algum ponto vai se revelar.
Contudo, a mentira ela não está só nessas questões, mas em tudo a nossa volta. Como diz sabiamente o personagem Dr. House “Everybody lies” (Todo mundo mente). De pequenas a grandes mentiras, todos os dias podemos estar tentando utilizá-la na nossa vida para tornar tudo mais “fácil”. Se você está em dieta, “posso comer isso sim”, mesmo sabendo que não pode. São essas pequenas decisões, pequenas tentativas mágicas constantes de tentar tornar a realidade mais fácil, mais satisfatória conforme os impulsos, que juntas somam um alto preço que deverá ser pago no futuro.
Parece existir na humanidade a constante busca da magia que simplifica tudo, mas que não tem preço algum, como é nós livros do Harry Potter. Mas é nessa busca que abre espaço para prática de uma mentira específica que incentiva todas as outras: que a mentira não tem consequências reais, mesmo que sejam pequenas. Os que acreditam nisso, levam a sua vida, assim como “Menino e Lobo”, que só conseguem defrontar com as consequências das suas mentiras, quando já estão em destinos trágicos demais.