A literatura fantástica é repleta de elementos e criaturas que compõe o que chamamos de história de fantasia. Essas histórias possibilitam construir um mundo diferente da nossa realidade, onde eventos que jamais aconteceriam em nossa vida, tomam forma e se expandem para diversas possibilidades. Foi com a literatura fantástica que muitas histórias puderam impactar gerações com suas palavras e adaptações para o cinema, teatro e tantos outros formatos.
Contudo, o gênero de fantasia é pouco valorizado pela maioria de jovens e adultos, sendo erroneamente considerado como um gênero mais focado para crianças. Muitos dos benefícios da literatura fantástica são subestimados e isso cria uma percepção que o gênero seria útil apenas como uma mera distração ou um entretenimento. Essa percepção apenas demonstra que há um desconhecimento da importância da literatura fantástica e sua relação benéfica para a vida dos leitores.
É compreensível que em nossa vida moderna há uma necessidade de sermos pensadores técnicos e que buscam um constante aprimoramento intelectual para o nosso desenvolvimento profissional e pessoal. Também é compreensível que as pessoas também possuem a necessidade de terem entretenimento, e cada vez mais a nossa sociedade moderna é mais incentivada a procurar entretenimentos mais fáceis e rapidamente prazerosos do que um livro.
Por isso, é normal que as pessoas subestimam a existência de algum valor nas literaturas fantásticas e se isolem em bolhas que são uma espécie de defesa da leitura. Os pensadores técnicos gostam de um palácio mental com vastos conhecimentos. Eles ampliam esse palácio com um racionalismo científico e seus fundamentos assertivos, mas ainda se limitam a conhecer aspectos da vida que um livro técnico jamais poderia ensinar.
Lewis, em Abolição do homem, demonstra que este tipo de comportamento racional que se fecha para boas experiências emocionais, acaba tornando os homens insensíveis a valores como a honra, a coragem e o altruísmo. Fazer isso com a literatura fantástica, isenta o leitor de encontrar histórias consoladoras e que manifestam no leitor uma esperança e o incentivam a buscar características atrelados ao heroísmo genuíno.
G. K. Chesterton em seu livro Ortodoxia, também propõe que “Contos de fada não dizem às crianças que dragões existem. Crianças já sabem que dragões existem. Contos de fada dizem às crianças que dragões podem ser mortos.”.
No caso Gilbert, está propondo que os contos de fada podem proporcionar um ensino para crianças de que não importa o quão vil e ameaçador é o desafio da vida, isso não extingue a possibilidade de que esse desafio pode ser derrotado.
Já Tolkien em seu paper Árvore e Folha, concluí que os contos de fadas, ou seja, a literatura fantástica, deveria ser mais consumida por adultos do que por crianças, justamente pelos anos de vida dos adultos que são carregados por experiências difíceis e penosas. Nos contos fantásticos o adulto não é levado a acreditar nos elementos imaginários das histórias como dragões e fadas, mas sim aprender com a história composta por esses elementos que há valores emocionais que precisam ser mantidos como a própria perseverança e determinação diante as dificuldades. Além disso, Tolkien também demonstra que o mundo fantástico pode ser um escape da rotina, mas não para se embriagar com ilusões mórbidas, mas para adquirir novas experiências que trazem alívio e esperança.
Isso demonstra que se a literatura fantástica de qualidade fosse mais difundida nas culturas, elas teriam uma tendência a terem experiências mais positivas sobre a vida. Talvez os conselheiros da vida editorial de vinte e cinco centavos que chamamos de Coach, teriam menos relevância e atenção pela difusão dos bons valores tradicionais que os contos fantásticos podem proporcionar.
Apesar de que muitos desses Coaches tentam entrar no campo da literatura para serem autores de autoajuda, acabam promovendo uma mancha para o gênero literário. Não há um problema efetivo com gênero de autoajuda. Buscar sabedoria e bons conhecimentos para se ajudar sozinho é uma característica que todo herói em contos de fantasia busca durante a sua jornada. Em Senhor dos Anéis, Frodo e os demais personagens tiveram Gandalf como um mestre, Batman teve Alfred, Luke Skywalker teve o Mestre Yoda, Harry Potter teve Dumbledore, Nas Crônicas de Nárnia os personagens tiveram Aslam.
Mas será que alguns desses mestres escrevessem livros compartilhando suas sabedorias, eles teriam títulos similares a esses: “Seja F#oda?”, “O poder do mindset”. “Pensamentos milionários” assim como tantos outros?
Não estou dizendo que autores desse tipo não possuem nada para contribuir, mas se formos comparar o valor da qualidade de uma literatura Coach para literatura fantástica, ambas podem contribuir com propósitos de autoajuda e ensino de sabedoria, mas consumir a literatura Coach seria da mesma forma dizer que você se alimenta de terra porque seu corpo precisa de ferro e você descobriu que pode absorver esse nutriente comendo terra, sendo que você tem condições de frequentar uma diversidade de restaurantes com sabores, experiências e significados e ainda se nutrir com o que você precisa.
Ironicamente, a literatura Coach é um dos gêneros literários mais vendidos, o que demonstra um bom exemplo do que Mises dizia sobre a estrutura do capitalismo que permitiu com que as massas tivessem acesso a níveis de conhecimento que antes pertenciam apenas à aristocracia. Comprar um livro antigamente era algo que pertencia apenas uma elite.
Hoje com a internet e os avanços tecnológicos permitiram um acesso democrático aos meios de crescimento intelectual e a propagação digital da literatura. Mas, ao mesmo tempo que se democratizou massivamente o acesso ao conhecimento, a educação cultural de como saber utilizar esses acessos não conseguiu acompanhar e por isso, temos uma massa que distrai facilmente com qualquer coisa que aparece à sua frente e não possui condições de qualificar aquilo que está levando para sua mente.
A pobreza intelectual não vem apenas da ausência da busca do conhecimento, mas também vem da busca do péssimo conhecimento. Isso leva a tratar sobre um outro problema que envolve a literatura fantástica que é a guerra do imaginário. O imaginário popular é um acervo de histórias que promovem o enriquecimento cultural e ele pode ser influenciado para a propagação de boas virtudes ou para destruição delas.
Como falamos acima, aqueles que tratam a literatura fantástica apenas como uma distração sem valor, ou como uma barreira para os ambiciosos em ampliar seus palácios mentais de conhecimentos técnicos, demonstra um pensamento perigoso.
Esse pensamento é apenas fruto de autores que utilizaram a própria literatura para destruir a virtudes assim como a perspectiva de encontrá-las nas literaturas fantásticas. Como Lewis explica em Abolição do homem, em sua época já havia se espalhado culturalmente que as pessoas mais evoluídas seriam as pessoas que romperam com suas emoções. Mesmo que ocorra várias motivações que construíram esses pensamentos, não se nega o fato de que abandonaram a perspectiva de que boas emoções poderiam promover a interpretação da vida correta.
Lewis crítica a existência de um conto que era projetado para ensinar crianças sobre literatura inglesa, mas que na verdade manipulava as crianças de uma forma maldosa a abandonarem os valores tradicionais das emoções. Esses valores são os valores que impulsionam os homens a se sacrificarem por sua nação na guerra, assim como terem uma postura corajosa diante um inimigo, mesmo que em sua proporção seja uma outra nação que ameace a sua família.
A partir disso, se construiu na sociedade de “Homens sem peito” que estariam “castrados” das suas capacidades, mas que ironicamente, a mesma sociedade que castrou esses homens dos valores tradicionais, exigem que sejam honrosos. Dessa forma, ao invés da literatura fantástica ajudar as crianças no seu amadurecimento, fez com que elas rompessem com valores tradicionais que as tornaram adultos incapazes exercer a honra e o altruísmo.
Mas existe um motivo para que exista dentro da Guerra do Imaginário, uma disputa para derrotar os valores tradicionais. Se os homens conquistaram um poder sobre a natureza, sejam elas físicas ou emocionais, isso acaba proporcionando com que alguns homens tenham mais poder sobre os outros. Se um homem conquistou o poder de vencer a natureza e voar, os outros que querem usufruir desse poder ficam dependentes de quem efetivamente conquistou isso.
Essa conquista de poder sobre a natureza tem aumentado de geração em geração, a partir de um ponto que, cada vez mais, os homens estão dependentes de uma minoria. Essa minoria que Lewis chama de Manipuladores, apenas pode aumentar seus domínios rompendo com os valores tradicionais e com isso, eles tentam criar novos valores para que a humanidade esteja subjugada aos seus interesses.
O próprio Lewis afirma que isso poderia até parecer ser uma conspiração fictícia, mas um dos maiores impeditivos dos Manipuladores ampliarem seus poderes seriam os próprios valores tradicionais que foram protegidos por gerações para perpetuação da espécie humana de forma ordenada. Por milênios a estrutura desses valores foi defendida para que todos pudessem ter um fundamento em comum do que é certo e errado. A partir disso, os manipuladores teriam que começar a definir o que é certo e errado, para que pudessem controlar diferentes povos e culturas.
Essa manipulação também ocorre pela literatura fantástica e pelas suas adaptações. Todo um imaginário cultural seja no Brasil ou em outros países, está em guerra para definir quem terá o domínio das massas. De um lado estão os valores tradicionais da coragem, da honra e do altruísmo, e de outro são as definições de bem e mal que favorecem os manipuladores.
É por isso, que o potencial da literatura fantástica jamais deveria ser descartado, tanto para usufruir os benefícios da boa literatura, tanto para evitar cair nas armadilhas dos Manipuladores com suas obras relativistas que procuram destruir o significado das instituições mais básicas e preciosas como a família. A partir disso, que percebemos que a guerra do imaginário se trata mais um campo de batalha das narrativas ideológicas que os Manipuladores possuem para favorecer a manutenção do seu poder.
Um exemplo disso, seria a história da Princesa e o Sapo, que é uma história sobre uma princesa que, prometeu se casar em troca de ter seu brinquedo de volta. Após o sapo recuperar o brinquedo da princesa, ela não quis cumprir com seu acordo e se escondeu no castelo. Contudo, seu pai (o rei) a fez cumprir a promessa e manter sua palavra, pois ninguém iria respeitá-la se ela não dá valor a sua própria palavra e sua própria virgindade, ao oferecê-la em troca de um brinquedo.
Mesmo assim, a princesa ao beijar o sapo em seu casamento, tem a feliz surpresa de que o sapo era, na verdade, um príncipe sob um feitiço de uma bruxa. Essa história demonstra a importância de uma mulher, valorizar mais a sua palavra e sua integridade, algo que a sociedade moderna, afogada em um esgoto ideológico, tem levado muitas mulheres a prostituição e a pornografia por interesses baratos e mesquinhos.
Na sociedade moderna se perdeu o interesse pela pureza, em virtude de ter um brinquedo de volta, se perdeu nas histórias o respeito pela autoridade dos pais, principalmente pela figura do pai. Podemos ver isso em animações e filmes modernos em que os pais sempre estão errados, e os filhos estão sempre certos.
Dessa forma, se existe toda uma construção de narrativas nos campos culturais do entretenimento moderno para tentar manipular as nossas mentes, devemos questionar se estamos ou não sendo manipulados, justamente, para termos uma visão cada vez mais próxima da realidade. Tolkien dizia que os contos de fadas proporcionam uma visão de certa liberdade para ser buscada, dá mesma forma que um prisioneiro possui uma janela para ver o mundo e ter um deslumbre de como ela é.
Por isso, se queremos algum dia experimentar uma realidade livre dos Manipuladores, precisamos começar dentro do nosso próprio território, a nossa mente. A boa fantasia pode ser o meio para de fato, termos uma visão mais próxima da realidade livre de um relativismo que apenas destrói os valores mais belos e significativos da humanidade.