O atual estágio do Rock no cenário musical e na indústria é decadente para dizer o mínimo, basicamente nenhuma banda capaz de lotar estádios e vender muitos discos surgiu desde a fundação do Foo Fighters, banda do baterista e remanescente do Nirvana, Dave Grohl. Apenas bandas das décadas de 70 e 80 ainda possuem sucesso significativo nos dias de hoje. Mas os Dinossauros uma hora acabam extintos por um motivo ou outro e não houve passagem de bastão alguma.
Conforme esses dinossauros forem naturalmente se aposentando e sucumbindo perante às leis do tempo o Rock seria nada mais do que um estilo morto assim como o Jazz e o Blues antes dele. Não quero soar dramático, ao longo da história o Rock enfrentou momentos difíceis, do fatídico dia 3 de fevereiro de 1959 conhecido como o dia em que a música morreu, o fim dos Beatles, o boicote ao Heavy Metal por supostas conexões satânicas, e a mais absoluta dominância da New Wave e do Punk no fim dos anos 70. Mas nada se compara ao estágio atual que perdura para alguns desde 1992 ou desde a morte de Kurt Cobain para outros.
Nesse cenário eu assumo ter ficado abismado ao ver que o disco número 1 da prestigiosa revista Billboard no mês de fevereiro era de uma banda de Rock, imaginei ter entrado em um Delorean e parado nos anos 80. Soava mais possível sem dúvida alguma uma viagem no tempo do que um disco de Rock no topo das paradas normalmente dominadas por algum artista Country ( estilo que felizmente ainda é popular nos Estados Unidos ) ou alguma estrela Pop que ninguém lembrará o nome daqui 15 anos.
Em minha pesquisa, surpreso fiquei ao descobrir que a banda em questão era fictícia e o Álbum chamado Aurora da banda Daisy Jones & The Six foi lançado como um complemento de uma Minissérie do Amazon Prime baseada em um livro escrito pela autora Taylor Jenkins Reid, na pesquisa também descobri que a história dessa banda pega emprestado elementos de duas bandas importantes na história do Rock. The Eagles (uma de minhas favoritas) e o Fletwood Mac. Eu precisava saber porque novamente o rock havia ficado popular em uma geração que o despreza como algo para elitistas brancos de meia idade e seus filhos playboys, resolvi assistir os 10 episódios da minissérie e fiquei impressionado com o que vi.
A recriação de toda a cena musical dos anos 70 é simplesmente magnífica, infelizmente a série paga um pedágio para o politicamente correto progressista no arco de uma personagem secundária relacionada a cena da Disco Music de Nova York. Mas tirando isso não existem reclamações maiores exceto por alguns episódios próximos do fim que soam como fillers para cumprir a ordem de 10 episódios.
Poucas vezes vi tamanho cuidado em obras fictícias para retratar determinado período de tempo, do jeito de tocar guitarra pré Eddie Van Halen, a postura que alguém deve ter nos ombros ao operar os famosos Hammond B3, a própria mixagem do disco e das músicas tocadas ao vivo ao longo da série é um completo túnel do tempo para os anos 70.
Esses são detalhes bobos para o novo público que a série com certeza alcançou, dado seu estrondoso sucesso até mesmo no Brasil, país que nunca ligou para o Rock, mas para os estudiosos do gênero musical é exatamente isso que dá autenticidade, ao escutar o álbum oficial da banda enquanto escrevo esse texto claramente consigo identificar que o álbum saiu dos anos 70. Tom Scholz não havia inventado a linha Rockman até então e a revolução de John Mutt Lange e Bruce Fairburn ainda não havia ocorrido, foi tudo analógico e não digital. O fato de que os produtores se preocuparam com essa autenticidade deve ser louvado e também o empenho dos atores em aprender a tocar como profissionais. Não é por acaso que já se fala em uma turnê real com os atores para promover o disco e quem sabe uma segunda temporada da série em associação mesmo o livro não tendo uma continuação.
Outro detalhe que passará batido para os leigos é que todo o processo de gravação do disco mostrado nos capítulos foi feito no lendário Sound City Studios em Los Angeles. O mesmo estúdio que deu nascimento a obras primas da história do rock como o Double Vision do Foreigner, o Holy Diver de Ronnie James Dio, e o Appetite For Destruction do Guns & Roses entre outros. A gravadora que publicou o álbum foi o lar do Led Zeppelin e dos Rolling Stones. Nunca uma obra de ficção soou tão real.
Não que a série não tenha elementos cinematográficos interessantes, ela o tem e são vários, porém a importância que ela pode ter ao reviver o gênero musical é ainda maior. O protagonista Sam Claflin foi o que mais me impressionou, de conseguir emular a presença no palco de um Bruce Springsteen aos momentos em que oscila completamente toda sua postura quando o personagem está sóbrio ou alcoolizado, seu arco foi inspirado na história do guitarrista do Eagles Joe Walsh, que também sofreu muito com o alcoolismo ao longo da carreira. A co-protagonista Riley Keogh deixou transparecer o talento musical de neta do Rei do Rock desde a primeira música que cantou, mas também se mostrou uma excelente atriz ao conseguir fazer o público não gostar de sua personagem mesmo quando supostamente deveríamos torcer por ela, porém o temperamento construído por Riley para Daisy era tão irrascível que não nos importávamos.
Outro trunfo da série é mostrar tudo aquilo que envolve o sucesso de uma banda de rock, passando pelo início da carreira até o apogeu, mas também mostrando o processo de composição, o relacionamento com produtores e gravadoras, como funciona para estruturar uma turnê, todos os bastidores que o público só fica sabendo em casos de brigas muito graves que a imprensa descobre e por lógica fatura em cima.
Claro, ainda falta muito para o Rock retomar a popularidade que tinha nos anos 80, mas sem dúvida alguma a produção do Amazon Prime é uma esperança de dias melhores, se apenas um garoto se inspirar em Billy Dunne para aprender a tocar guitarra e uma garota se inspirar em Daisy Jones para aprender a compor e cantar já terá sem dúvida valido a pena, após um sucesso tão significativo quanto esse existe a possibilidade de ao menos alguma grande banda surgir no futuro próximo. Os amantes do Rock agradecem.