No mês de Abril, Emmanuel Macron se tornou o primeiro presidente no período da chamada quinta república (de 1958 em diante )a se reeleger na França após governar de maneira efetiva. Nesse período outros presidentes conseguiram manter suas cadeiras, mas na prática eles estavam na oposição. Parece estranho apontar que o presidente estava na oposição mas isso é explicado ao entendermos a forma de governo da França que é o semipresidencialismo.
O que é o semipresidencialismo? Essa forma de governo é a mais rara dentre os países relevantes na Geopolítica global e funciona da seguinte maneira: Divisão entre chefe de governo, chamado de primeiro ministro, e o chefe de Estado, chamado de presidente. Diferentemente do presidencialismo que centraliza às duas funções no mesmo cargo e do parlamentarismo que coloca o chefe de governo como uma figura meramente cerimonial, o semipresidencialismo funciona na lógica da diarquia governamental, os poderes executivos são compartilhados com o chefe de Estado tendo um pouco a mais de poder pois ele pode dissolver a assembléia, além disso existem eleições separadas para os cargos de presidente e primeiro ministro e a assembléia pode demitir o primeiro ministro.
Nessa lógica é possível tanto que presidente e primeiro ministro sejam do mesmo partido e ideologia quanto de diferentes partidos e ideologia. Quando eles são do mesmo partido se têm uma sincronia maior nas ações governamentais e maior capacidade de governabilidade e estabilidade política, se eles forem de partidos diferentes a Ciência Política consagrou o termo da “Coabitação” pois a relação será mais complicada, consensos difíceis de construir, o governo pode ficar dividido e é extremamente provável o congresso entrar em paralisia legislativa.
Nos casos anteriores em que houve reeleição do presidente na França, tanto o socialista François Mitterand (1981-1995) quanto o direitista Jacques Chirac (1995-2007) devido aos resultados das eleições parlamentares de meio de mandato, as Mid Terms, tiveram que passar por momentos de coabitação e impotência em que o poder estava com seus rivais, Charles De Gaulle ( 1959-1969) também foi reeleito, mas durante seu mandato houve mudanças constitucionais para alterar a forma de escolha do presidente, portanto no modelo atual ele foi eleito apenas uma vez. Isso torna Macron o único presidente francês a controlar todos os aspectos da política interna e externa em um mandato a conseguir novamente a confiança da população para um segundo mandato.
Considerando o histórico relacionamento complicado dos franceses com o governo esse não é de maneira alguma um feito pequeno. Macron parece ter absorvido muito bem os ensinamentos do grande pensador florentino Nicolau Maquiavel em sua Magnum Ops , O Princípe. Macron demonstrou ter domado a Fortuna demonstrada por Maquiavel, para além das habituais descrições caricaturais das redes sociais francesas que descrevem Macron como um arrogante elitista parisiano, existiram milhões de franceses componentes do chamado eleitor mediano que podem até não considerar Macron um bom presidente, mas também não o consideraram um presidente ruim. Claro, a França passa por problemas que Macron não conseguiu responder de forma adequada em seu primeiro mandato, a ameaça representada pela imigração desenfreada ainda se faz presente, e Macron é simpatizante da estúpida ideia ambientalista ligada a chamada energia verde, mas tirando isso sua gestão até que foi competente, o desemprego não mais toma as manchetes dos jornais, muito por causa das reformas implementadas em seu mandato, sua resposta em relação a pandemia do COVID-19 foi adequada e por mais que tenha havido algum ruído quanto a sua reforma previdenciária, a maioria dos franceses entendem que a idade para a aposentadoria no país não mais refletia a expectativa de vida da sua população.
Além disso também é motivo de orgulho para os Franceses ter um líder capaz de falar de igual pra igual com potências maiores que a França como demonstrado nas tentativas, ainda que fracassadas, de Macron convencer Vladimir Putin a encerrar sua guerra na Ucrânia, esse foi outro fator que demonstrou a capacidade camaleônica de Macron, sem a Guerra na Ucrânia o cenário mais provável seria que toda a direita apoiasse Marine Le Pen no segundo turno, o euroceticismo vinha crescendo desde o Brexit em 2016, e basicamente toda a Direita mundial adotou uma postura mais nacionalista. Refletida nas eleições de Donald Trump, Jair Bolsonaro, Matteo Salvini entre outros.
O ataque de Putin a Ucrânia fez com que Conservadores e Progressistas em algum grau tenham colocado suas diferenças de lado para defender seu modo de vida em comum dando um sopro revigorante na democracia liberal, retirando a guerra cultural da pauta e centralizando o debate no mundo ocidental em questões de segurança e defesa. Macron novamente soube se beneficiar da circunstância, se colocando como defensor da OTAN e da União Europeia nesse novo contexto que mais se assemelha ao cenário da Guerra Fria ( 1945-1991) do que ao cenário pós queda do muro de Berlim. Sem dúvida sua reeleição foi uma derrota para ás ambições revisionistas russas.
Em 2017 Macron fez uma jogada audaciosa ao construir um partido centrista de fato, com isso a tradicional aliança ( em território francês) de sociais democratas e conservadores se desfez, logo para se opor a Macron a única opção possível seria apelar aos extremos á esquerda e á direita, Macron fez isso pois marginalizando a oposição a um local tão extremo ela nunca poderia ser uma ameaça, até então a jogada funcionou. Macron ganhou, governou e acaba de ser reeleito. Entretanto os resultados das últimas eleições também mostraram que essa jogada política pode no segundo mandato explodir em sua cara, ao confinar a oposição no extremismo do espectro, automaticamente Macron fez com que mais pessoas estivessem dispostas a aceitar o extremismo. A votação expressiva de Jean-Luc Melenchon e de Marine Le Pen ligam esse sinal de alerta, nas eleições parlamentares de Junho é possível que a oposição consiga forçar Macron a trabalhar em um cenário de coabitação, o que sempre é complicado.
O presidente francês sabe, assim como todos os líderes ocidentais, de que muito tempo e energia foi gasto em polarizações que demandam tempo e compromissos de ambos os lados para que as feridas cicatrizem, ele pode até estar disposto a fazer isso, mas será que seus oponentes, e os eleitores desses oponentes estão ?