Bom, caso você, como Jeff Bezos e Richard Branson, esteve andando no espaço nas últimas semanas, saiba que não foram semanas fáceis para os funcionários das empresas de tecnologia. Sim, aquelas mesmas que faziam marketing agressivo do seu portal de talentos falando das oportunidades e sonhos e que criticaram veementemente o Brasil e sua suposta falta de talentos agora se veem na condição de terem que mandar 20%, 30% (ou até mais), do seu quadro de funcionários para o olho da rua. Afinal, o que mudou?
Voltando a Março de 2020, início da pandemia (que não posso falar o nome senão as plataformas reduzem o alcance do meu texto), víamos um Brasil recém saído do Carnaval, com as pessoas ainda achando que iriam cumprir suas promessas de ano novo, esperança e alegria contaminaram as ruas do Brasil. E o vírus também. Com o lockdown, muitas pessoas não só se viram obrigadas a passar a trabalhar de casa, mas também se divertir e se entreter da sua residência, além de fazer compras e tudo mais. Dessa forma, tivemos uma onda de necessidade de pessoas de tecnologia para desenvolvimento e aperfeiçoamento de aplicações e sites que dessem aos clientes das empresas essa facilidade.
Era menos uma questão de escolha e mais uma questão de sobrevivência no mercado. A rede Madeiro, por exemplo, resistiu a este movimento com seu chef Júnior Durski se recusando a fazer delivery, pois isso afetaria a suculência e o sabor de seus hambúrgueres. Como toda arrogância é castigada, hoje a empresa se encontra em uma situação financeira delicada. Com abertura de capital suspensa e dívidas na casa de R$2 bilhões (sendo aproximadamente 30% com vencimento a curto prazo) , está muito próxima de um processo de recuperação judicial e tem muita dificuldade para fazer a renegociação de seus compromissos tanto com credores como com os atuais fundos que já investem nela.
Com essa crescente necessidade, as empresas tiveram que correr para achar os profissionais capacitados para essa implementação rápida dos projetos, mas não apenas as empresas brasileiras, mas também as de fora. Com o trabalho remoto, os salários no Brasil tiveram que crescer para competir com os salários em dólar oferecidos pelas empresas de fora. O financiamento desse e de outros excessos foi estimulado pelo crescimento da alavancagem corporativa (termo bonitinho para dívida) promovida pelo menor patamar de juros da história do Brasil e do mundo, com o capital migrando fortemente da renda fixa, que já não era mais rentável, para a renda variável e, dentro desta, cresceu bastante o capital de risco, responsável por estimular as startups. Além disso, o crescimento das redes sociais profissionais, mais notadamente o Linkedin (comprada 2 anos antes pela Microsoft), mas também o Lattes, fez com que ficasse mais fácil mostrar as suas credenciais (cursos, certificações etc) ao mercado e receber ofertas de outras empresas. Tudo isso aliado ao crescimento da base de profissionais proveniente da estabilização e maturidade do mercado de trabalho em tecnologia.
Essa queda massiva de juros, aliada ao crescimento das dificuldades produtivas e a quebra da cadeia logística, com os preços de fretes triplicando de valor, gerou o problema, em médio prazo, da temida inflação. Para combater esse efeito, estamos em uma fase de enxugamento da base monetária mundial e os efeitos naturais disso são o crescimento das taxas de juros e a volta dos investidores à renda fixa e à proteção.
Essa combinação de capital mais caro com salários inflacionados faz com que diversas empresas que não davam resultado por estarem em sua fase embrionária acabem tendo que enxugar a base e ficam com maior dificuldade para levantar o capital necessário para se manter. Junto a isso, temos a não aceleração da economia a nível global, o que gera perda de poder de compra. Nesse cenário, os consumidores começam a fazer conta e veem que não precisam assinar vários serviços de streaming (vide balanços de Netflix e Spotify que preveem a perda de milhões de assinantes ainda este ano) ou que podem adiar determinados gastos supérfluos que planejavam (vide a queda vertiginosa das ações de varejistas, como, no Brasil, a queridinha Magazine Luiza e, nos EUA, a Amazon). Com esse enxugamento de receitas, as empresas passam a cancelar também serviços que não possuem mais orçamento para arcar, vários deles ligados exatamente às startups.
Exatamente como temos, no futebol, a comparação que um jogador jovem brilhante pode se tornar o novo robozão Cristiano Ronaldo (SIUUUUUU) ou o novo ET Messi, no mundo corporativo dizemos que a empresa pode ser a nova Microsoft, a nova Apple, a nova Amazon. Ora, se as grandes estão perdendo valor de mercado (só ver as correções de bolsas mundo afora), as pequenas, que serão as futuras grandes, também acabam sofrendo os efeitos em cadeia desse movimento, mas sem a robustez e o caixa que as primeiras possuem. Isso faz com que elas tenham que cortar a equipe. Mas, não se assuste, isso é algo cíclico na história da humanidade: em momentos de euforia, as pessoas entram em projetos inovadores que pretendem mudar o mundo, mas é impressionante como, a longo prazo, a última linha do balanço financeiro de uma empresa é a única coisa que importa.
É triste ver várias pessoas perdendo seus empregos, sonhos e planos de carreiras e vidas novas. Apenas fazendo um parênteses gostaria de, em nome do Hermenêutica Política, expressar os nossos profundos sentimentos por todas as pessoas que, direta ou indiretamente, perderam suas fontes de renda e trabalhos em função das recentes demissões em massa do mundo da tecnologia. Aqui no Hermenêutica todos já passamos por essa situação extremamente incômoda, então já sentimos na pele o que vocês sentem agora. Fica aqui nosso desejo de sorte e esperança na busca de cada um de vocês. Não há nada de errado com você, as empresas e a economia estão passando por um momento de ajustes, que, ao que tudo indica, é temporário e não afeta todos os setores.
Fazendo uma referência a uma das melhores animações que já vi, Ratatouille, há um momento em que o espírito do chef Gusteau diz a um faminto Remy que a comida sempre vem para aqueles que adoram cozinhar. Com base nisso, digo que o trabalho sempre vem para aqueles que adoram trabalhar. As oportunidades não deixarão de existir nesse mercado, o movimento puxado pela pandemia não tem volta. A tecnologia, ainda bem, está cada vez mais presente na vida das pessoas e ficará ainda mais com a acessibilidade de diversas soluções que ainda não ganharam escalabilidade. A euforia passou, mas é fato que essas, e outras, empresas ainda estão e estarão em busca de excelentes profissionais.