Desde que Luiz Inácio Lula da Silva iniciou seu terceiro mandato como presidente da República, havia uma expectativa legítima de que a condução econômica fosse marcada por uma síntese entre responsabilidade fiscal e compromisso social. A experiência acumulada em seus dois primeiros governos e a retórica centrada na reconstrução do país após anos de polarização indicavam que Lula retornaria com uma proposta madura e moderna de desenvolvimento econômico. No entanto, o que se vê, passados quase dois anos de governo, é uma equipe econômica que opera com improviso, fragilidade política e contradição entre discurso e prática — elementos que minam a confiança da sociedade, dos investidores e até mesmo de aliados do governo no Congresso Nacional.
O caso mais recente e emblemático dessa desconexão entre intenção e ação foi o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), anunciado como uma solução emergencial para atender às metas de arrecadação do governo. A decisão pegou o mercado de surpresa e foi duramente criticada por especialistas, parlamentares e representantes do setor produtivo. Isso porque o IOF, além de ser um tributo de baixo impacto estrutural, incide diretamente sobre o consumo e o crédito, penalizando de forma desproporcional os consumidores de menor renda, as pequenas empresas e aqueles que dependem de financiamento para manter seus negócios ou suas famílias. Em outras palavras, é uma medida regressiva que contraria frontalmente os princípios de justiça social que o próprio presidente defende com veemência em seus discursos.
A justificativa oficial dada pelo Ministério da Fazenda é que o aumento foi necessário para cobrir lacunas no orçamento e garantir o cumprimento das metas fiscais. No entanto, essa explicação revela mais problemas do que soluções. Primeiro, porque evidencia a ausência de planejamento estratégico. Em vez de trabalhar com um plano de médio e longo prazo que reestruture o sistema tributário, promova cortes de gastos ineficientes e aumente a produtividade do gasto público, o governo opta por uma solução rápida, que pode gerar receita no curto prazo, mas que deteriora o ambiente econômico e social no futuro. Segundo, porque revela a fragilidade da articulação política do governo, que parece incapaz de negociar alternativas viáveis com o Congresso ou de convencer sua base aliada sobre a importância e coerência de determinadas medidas.
O aumento do IOF também coloca em xeque a credibilidade da equipe econômica liderada pelo ministro Fernando Haddad. Embora seja um nome respeitado politicamente e que goza da confiança pessoal do presidente, Haddad enfrenta uma pressão constante entre os compromissos fiscais firmados com o mercado e as promessas de campanha que o governo insiste em tentar cumprir. O resultado é uma gestão econômica que não consegue agradar a nenhum dos lados: é malvista pelos investidores por sua instabilidade e falta de previsibilidade, e é criticada pelos movimentos sociais por adotar políticas de austeridade disfarçadas.
Essa situação é agravada pela falta de consistência na comunicação do governo. O que se vê frequentemente são declarações desencontradas entre ministros, mudanças repentinas de rumo e uma incapacidade de construir uma narrativa coesa sobre o que realmente pretende fazer com a economia brasileira. Essa falta de clareza afugenta investimentos, dificulta o planejamento do setor privado e alimenta um clima de incerteza que paralisa o país. E num momento em que o Brasil precisa urgentemente de investimentos em infraestrutura, inovação, educação e saúde, esse tipo de ambiente é tudo que não se precisa.
Outro ponto que merece destaque é a forma como a equipe econômica tem lidado com o arcabouço fiscal. A proposta apresentada no início do governo foi recebida com ceticismo e vem sendo enfraquecida a cada mês, com revisões constantes das metas de resultado primário e a flexibilização de limites de gastos. Essa postura transmite ao mercado — e à sociedade como um todo — a impressão de que a política fiscal do governo é moldada conforme a conveniência do momento, e não baseada em princípios sólidos. Isso mina a confiança do investidor estrangeiro, prejudica a percepção de risco do país e, em última instância, compromete a capacidade de crescimento sustentável da economia brasileira.
Vale lembrar também que, paralelamente às medidas controversas como o aumento do IOF, o governo tem falhado em entregar reformas estruturantes. A reforma tributária, por exemplo, embora tenha avançado parcialmente, ainda está longe de ser concluída, e a falta de consenso interno entre os próprios ministérios e secretarias contribui para a morosidade do processo. A desoneração da folha de pagamento, a revisão das renúncias fiscais e a reforma administrativa são outros exemplos de pautas fundamentais que seguem paralisadas, muitas vezes por falta de liderança clara na condução do processo legislativo.
A consequência dessa paralisia combinada com medidas impopulares é uma erosão progressiva da legitimidade da política econômica. Pesquisas de opinião já começam a refletir uma queda na popularidade do governo entre os setores que antes lhe davam apoio — especialmente os trabalhadores assalariados, os pequenos empreendedores e os servidores públicos. E isso não é por acaso: ao prometer um governo voltado para a justiça social e entregar uma gestão marcada por tributos regressivos e insegurança econômica, o governo Lula perde sua identidade política e abre espaço para a retomada do discurso de seus adversários.
É preciso reconhecer que a conjuntura internacional não é favorável — com juros elevados nos Estados Unidos, tensão geopolítica crescente e instabilidade nos mercados globais —, mas isso não justifica a ausência de um projeto econômico claro e coerente. A boa gestão econômica não se faz apenas com boas intenções ou com retórica. É preciso planejamento, consistência, competência técnica e, acima de tudo, coragem para tomar decisões impopulares quando elas forem necessárias — mas sempre com transparência, diálogo e justiça.
A experiência de governos anteriores mostra que improviso e populismo fiscal cobram seu preço, muitas vezes alto e duradouro. O Brasil não pode mais se dar ao luxo de perder tempo com medidas paliativas, negociações mal conduzidas e promessas não cumpridas. O momento exige seriedade. A população brasileira, especialmente os mais pobres, precisa de um governo que pense à frente, que inspire confiança e que governe com os pés no chão e os olhos no futuro.
Se a equipe econômica do governo Lula quiser realmente marcar uma virada, será necessário abandonar as soluções simplistas e enfrentar os verdadeiros problemas estruturais do país. O caminho é difícil, mas possível. Basta querer — e agir com responsabilidade, transparência e compromisso real com o desenvolvimento do Brasil. Até agora, infelizmente, esse compromisso parece mais discurso do que prática. E o tempo, como sabemos, não perdoa a inação.