Talvez esse seja o tema que mais mostra a incoerência da fala de João Amoedo, ex candidato à Presidência da República pelo Partido Novo, de que seria “Liberal na economia e Conservador nos costumes”, se esquecendo de que a economia reflete a escolha das pessoas, que tomam decisões com base em seus valores, com base no que acreditam, com base na sua cultura. A maconha, hoje, é predominantemente proibida no mundo porque as pessoas do mundo são predominantemente contra, porém, mais pessoas passam a enxergar na maconha um potencial econômico (o sorvete da Ben&Jerry’s, bebidas da AMBEV, elaboradas através de sua divisão internacional, e os cosméticos da Sephora destacadamente) ou medicinal (tratamentos de doenças, como o autismo, e alguns fármacos, inclusive legalizados pela ANVISA no Brasil, entre outros), além das tecnologias e perspectivas da empresa OnixCann.
Indo para os mercados financeiros, as empresas que, de alguma forma, trabalham a cannabis se multiplicam pelo mundo, notadamente nos Estados Unidos e no Canadá, abrindo capital e mostrando oportunidades para investidores que buscam diversificar seus investimentos, em um cenário que vai desde a queda estrutural das taxas de juros pelo mundo e a necessidade de buscar aplicações mais rentáveis até a ampla aceitação de diversas indústrias, como a agrícola, para plantar, a de galpões, para armazenar, farmacêutica, cosméticos, bebidas e uso recreativo, tudo de maneira legalmente constituída e registrada. Os produtos chegam em diversas frentes, mas há alguns particularmente interessantes, como a ração animal, que promete deixar os cães tímidos mais confiantes e os nervosos mais tranquilos, sais de banho, que (dizem) alivia o stress, inflamações e insônia, pasta de dente, com bactericidas mais potentes que os comuns, e café, para melhorar o foco matinal. Todos estes produtos à base de CBD, substância não alucinógena do cannabis, totalmente diferente do THC, usada para a produção de drogas.
Brincadeiras e risinhos de canto de boca a parte, a indústria cresce e se diversifica, mas o preço e os ganhos da cannabis e dos índices que acompanham a indústria não são nada animadores. O The North American Marijuana Index, que acompanha as empresas canadenses e americanas com planos e negócio focadas no setor de maconha e cânhamo que atendam a critérios de liquidez, acumula bad trips e nóias sequenciais, com quedas recentes da casa de 60%, chegando a 80% para períodos mais longos, como se vê abaixo. A explicação mais aceita é de que o mercado inflou e entrou em bolha e essa bolha estourou recentemente, muito por causa de atrasos na avaliação da legislação dos dois países, tornando os preços atrativos novamente e atraindo fundos de investimento e investidores de todas as partes do mundo.
Em se falando de liberalização e legalização, a discussão avança em todo o mundo e países desenvolvidos já discutem sua aceitação. No Brasil, a maconha é ilegal, mas a ANVISA legaliza o uso fármaco sem legalizar o plantio (em se tratando de uma economia fechada como o Brasil, receio que os legisladores tenham exagerado um pouco e agora imaginam a erva caindo do céu, mas enfim). No sentido da fiscalização, os prêmios Nobel em economia Gary Becker e Milton Friedman (Escola de Chicago, a mesma de Paulo Guedes) se posicionaram a favor de liberalização. O primeiro, inclusive, provou, estatisticamente, que as políticas de proibição ao consumo de cannabis gera mais consequências negativas que os efeitos da erva em si, pela forma como são feitas, impedindo arrecadação de impostos e geração de empregos e concorrência. Confirmando isso, em 2011, dezenas de economistas reconhecidos foram perguntados se a abordagem holandesa de taxar ao invés de proibir as drogas leves teria um resultado melhor do que o status quo atual nos Estados Unidos. A maioria (entre eles, Acemoglu do MIT e Robert Hall de Stanford, dois dos maiores economistas atuais) concordou com a tese, disponível em http://www.igmchicago.org/surveys/drug-use-policies.
No show business mundial, a inauguração das marcas Leafs by Snoop e Merry Jane, ambas do empresário californiano Calvin Cordozar Broadus Jr, mais conhecido por ser o rapper Snoop Dogg, e o início de suas vendas no Colorado causou alvoroço, principalmente pelas declarações dele, que, como todos sabemos, é um notável defensor do uso e legalização da erva e forneceu maconha para a diva master Cameron Diaz, dizendo que “é a maneira que eu encontrei de dividir as experiências que tenho com a cannabis de mais fina qualidade que alguém possa imaginar”. Imaginação é o que não deve faltar não é mesmo? No Brasil, uma notável aderente da causa de Snoop é a funkeira Ludmilla, que já possui música com o rapper e cujos hits pedem para os outros saírem da frente. A cantora, polêmica como sempre, afirmou, após o lançamento do seu viral “Verdinha” no Carnaval, que “Chegou a hora de o Brasil dar um start e estudar uma maneira correta de fazer a coisa. Muita gente de paletó vai perder dinheiro, o probleminha está aí”.
Porém os sonhos de Ludmilla e de Snoop, assim como de milhares ou milhões de pessoas barram em discussões políticas, ideológicas e, até religiosas. Quando se trata de maconha, surgem dois grupos extremos destacadamente: o grupo que defende veementemente sua liberalização, afirmando que as pessoas podem aproveitar a onda de maneiras diferentes e os conservadores, contrários à sua legalização (ou, como prefiro descrevê-los, a galera do “meus filhos jamais fariam isso”). Para estes, pesa a questão da legalização da maconha nas questões de violência, criminalidade, problemas de saúde e, como sempre, regulamentação desses mercados. Mesmo o crescimento da bancada evangélica no Brasil mostra a discussão pouco provável. O presidente do STF, Dias Toffolli, cujo mandato se encerra no final desse ano, já se manifestou contrário à pauta e se recusa a botá-la em discussão. Seu sucessor, Luis Fux, segue a mesma linha e dificilmente botará a questão em pauta até fim de seu mandato, em 2022. A abertura está logo em seguida, quando Barroso, um notável defensor da pauta, assumir e a legalização seria provável com a atual composição da casa. Porém, nosso querido Bolsonaro deve indicar apenas evangélicos na próxima renovação das peças da casa. É aí que mora o grande risco de não aprovação, que pode ser adiada por tempo indeterminado.
Como se pode ver, a política não vai sair da frente e essa questão ainda vai dar trabalho, em ondas diferentes, mas já foi capaz de bater e balançar. Para início de conversa, já caminhamos bastante.
Além da receita de impostos, empregos e investimentos, a estimativa é que os medicamentos a base de cannabis podem beneficiar, pelo menos parcialmente, entre soluções para insônia, déficit de atenção, dores crônicas, enxaqueca, estresse pós traumático, dificuldade de dicção, ansiedade, reabilitação e artrite, 45 milhões de pessoas no Brasil, cerca de 20% da população.