2020 tem sido um ano difícil. Talvez isso seja um consenso mundial. Todos conhecemos pelo menos uma pessoa que perdeu um emprego, ou ficou com os estudos paralisados, ou mesmo foi vítima desta pandemia em algum grau. Tenho muita empatia por essas pessoas, até por ser uma delas, mas prefiro ver esse ano como um ano de forte aprendizado, principalmente em um campo: o papel e as ferramentas que o mundo digital nos propicia. E, para exemplificar isso, gostaria de falar um pouco sobre a Black Friday no Brasil e no mundo.
Contextualizando, durante os meses de Março e Abril, a economia brasileira, assim como de alguns países do mundo, testemunhou a pior contração de sua história (menos para a Agricultura, que nunca chegou a sentir sequer um arranhão da pandemia). Sentimos isso no nosso cotidiano, vários negócios quebrando e pessoas perdendo empregos virou notícia corriqueira em tabloides do mundo todo. Porém, nos meses de Abril a Setembro, tivemos o maior crescimento da história também, com a indústria e o comércio crescendo algo em torno de 40%.
Qual o principal motivo desse crescimento? o programa de auxílio do Governo Federal, que colocou R$50 milhões por mês no bolso de 66 milhões de famílias brasileiras (mais ou menos metade da população). Aí está o X da questão. É elementar, meu caro Watson, que esse dinheiro foi direcionado aos mais pobres, que historicamente têm uma propensão a gastar 100% de sua renda adicional. Mas e quando essa fonte secar? O auxílio daqui pra frente será reduzido até zerar no início do ano que vem. Aqui entra a Black Friday. De um lado, teremos essa queda na renda, além da falta de insumos para produção dos produtos a serem vendidos, dado o crescimento repentino e exponencial da demanda, mas, de outro, há um desejo de consumo reprimido no Brasil, por causa da autoindulgência (o famoso “eu mereço”), semelhante ao que ouve na China e na Europa depois da queda (?) nos índices de contaminação, mas consumo presencial, não online, o que está dificultado graças à provável segunda onda do COVID e suas consequências (lockdown, fechamento, etc).
Portanto, no desenho deste ano, graças à pandemia, tudo indica que as vendas serão recordes, mas com duas ressalvas: frete grátis e tickets médios menores. O primeiro fator se deve ao fato de várias pessoas terem saído das grandes capitais em direção ao interior do país e o segundo ao fato de as pessoas, por causa da pandemia, estarem com um orçamento bem mais enxuto.
Saindo do consumidor e olhando o lado das empresas, vemos uma disputa enorme pela atenção de clientes com promoções arrasadoras e produtos (ditos) inovadores, mas poucas realmente focando em atendimento ao cliente e o quanto de valor elas estão gerando para ele. Basta ver o site do Reclame Aqui antes e depois desses grandes eventos comerciais para se ter uma noção. Vejo aqui um gargalo clássico, conhecido como “Efeito Manada”. Fazer porque os outros estão fazendo, não porque é importante para a empresa ou para o cliente, mas muitos não se lembram que quem por preço vem, por preço vai embora. Afinal, não vemos o Pacote Office da Microsoft ou os serviços AWS da Amazon com 90% off na Black Friday. Dessa forma, as vendas recordes da época nem sempre representam lucros e a data, criada com o objetivo de desovar estoques para o Natal nos Estados Unidos, acaba canibalizando a demanda para a chegada do papai noel no Brasil, dada a restrição orçamentária forte da população brasileira quando comparada à de outros países.
O Google registra recordes anuais nas buscas por todas as categorias de produtos, não apenas em números, mas também em antecipação. Isso significa que os clientes já estão cientes da “Black Fraude” e começam a monitorar os preços das lojas em que comprarão algum tempo antes de passar o cartão de crédito. Junto a esses, estão clientes que comprarão pela primeira vez online. As lojas terão de falar com esses dois públicos. Credibilidade e atendimento nunca foram tão importantes.
Na China, o Singles Day (dia dos solteiros), uma data criada em contraponto ao dia dos namorados (a ideia é, literalmente, “já que não tenho a quem dar presentes, darei a mim mesmo”) e popularizada pelo Alibaba, possui volume de vendas 5x maior que a Black Friday (você confia em dados chineses? eu não, mas enfim… é o que temos), totalizando, em 2019, a bagatela de US$38 Bilhões em um único dia. Dia este marcado por alto engajamento das pessoas não apenas pelo ato da compra, mas também pela audiência em todas as plataformas dos shows homéricos de artistas internacionais, como Taylor Swift e Beyoncé, feitos com o objetivo claro de expor as marcas e ganhar visibilidade diante da concorrência e do mercado.
O ocidente tem muito a aprender com esses caras. Como se vê, eles vendem uma experiência e uma expectativa que fica na cabeça das pessoas durante meses antes de se concretizar, não um preço e uma promoção no meio de tantas que ocorrem durante o ano. A regra primordial de Warren Buffet (não perca dinheiro) poderá diferenciar muito bem as lojas vendedoras de valor, muitas em seu primeiro grande evento comercial, que sairão grandes desse evento e aumentarão sua base de clientes, e as vendedoras de promoção e preço, que permanecerão assim durante toda a sua existência, provavelmente.
Essa Black Friday tem tudo para ser bem interessante. Será um momento de aprendizagem bem bacana para muitas pessoas e empresas. Os resultados dessa experiência se darão com o tempo, nas próximas Black Fridays, Natais, ou seja lá qual data ainda importaremos da terra do tio Sam, mas já podemos ver uma certa maturidade de consumo chegando no Brasil e no mundo.
Eu já comprei meus jogos e meus Vans (@Arezzo #PatrocinaNós). E você, o que vai comprar?