Por décadas, por séculos, o campo à direita do espectro político na maioria dos países ocidentais adotou uma conturbada concepção ideológica. Trata-se aqui do chamado liberal-conservadorismo. Tradições filosóficas que se uniram a partir do século XVIII, quando um Whig (partido liberal inglês) britânico, Edmund Burke, fundou esse novo pensamento em resposta a Revolução Francesa. Entretanto, as contradições logicas da disfuncional união liberalismo-conservadorismo — em se tratando de conservação de tradições e costumes — levou a prevalência do primeiro sobre o segundo.
A própria tentativa de pensadores como Burke, o pai do atual conservadorismo britânico, de tentar unir tradição com o liberalismo de Hume, Locke e companhia, falhou. Até porque, sua defesa da tradição era um tanto quanto utilitarista, sendo a tradição e a religiosidade mera utilidade de acordo com a conjuntura social existente. Joaquim Nabuco vai dizer que Burke une “liberalismo utilitário e o conservantismo histórico”. Sendo assim, a tradição pode minguar a partir do momento que ela não é mais útil. Portanto, a defesa da tradição não é vista em sua raiz metafisica, mas usual, sem fundamento na transcendência que lhe dê substância. Qualquer movimento revolucionário progressista que se institui, se torna uma nova tradição que o liberal-conservador defenderá. Como explica Chesterton no seu artigo As Tolices dos Nossos Partidos:
“Todo o mundo moderno está dividido entre conservadores e progressistas. O papel dos progressistas é continuar cometendo erros. O papel dos conservadores é evitar que os erros sejam corrigidos. Mesmo quando o revolucionário se arrependesse da revolução, o tradicionalista já a estaria defendendo como parte de sua tradição. Portanto, temos dois grandes tipos de pessoas: a avançada que se precipita para a ruína, e a retrospectiva que aprecia as ruínas. Ela as aprecia especialmente sob o luar, para não dizer em meio à conversa tola. Cada tolice do progressista e do arrogante transforma-se imediatamente em lenda de antiguidade imemorial para o esnobe. Em nossa Constituição isto se chama freio e contrapeso.
Ao longo da história, o trabalho dos Tories era se contrapor às ações dos Whigs. Um velho unionista discursando sobre Ulster provavelmente ficaria surpreso se fosse chamado de revolucionário. Mas ele estaria assumindo uma posição nos princípios da Revolução — a Revolução de 1688. Em suma, o conservador de dois ou três anos atrás existiu para proteger o que o conservador de duzentos anos atrás tentava evitar. E da mesma forma como aconteceu com a Revolução de 1688, aconteceu com a Revolução Industrial. Quando o conservador médio, o constitucionalista, sai em defesa do capitalismo, ele sai em defesa do resultado deplorável da última trapalhada dos radicais. Foram os radicais que criaram a Revolução Industrial, com suas fábricas e suas favelas, seus milionários e seus milhões de escravos assalariados. Assim que os progressistas criaram essa felicidade, instantaneamente veio a tarefa dos conservadores de evitar que fosse desfeita. O capitalismo é simplesmente o caos que se seguiu ao fracasso do individualismo. Porém, estes mesmos tradicionalistas, que nunca caíram no erro do individualismo, estão proibidos de acusar o fracasso do individualismo. O sucesso da política de Manchester foi aceite de forma tão abjeta que seus oponentes derrotados sequer ousaram ver que ela fracassou. Torna-se dever do Tory defender o triunfo dos radicais mesmo quando termina em derrota. Da mesma forma, é um fato inacreditável que alguns continuem falando da eficiência alemã, embora estejam olhando de frente aquilo que os alemães realizaram. Uma pessoa respeitável considera meio bolchevista falar do colapso do capitalismo. Mas se os bolcheviques resolvessem explodir a Cidade de Londres com dinamite, lançando a cruz da Catedral de São Paulo para além do Tâmisa e mandando o Monumento pelos ares para além das colinas de Highgate, seria dever do respeitável conservador conservar esses fragmentos nos locais exatos onde caíram, e resistir a qualquer tentativa revolucionária para devolvê-los a seus lugares.”
G.K. Chesterton: The Illustrated London News, 19 de abril de 1924. Tradução: Pedro Gontijo Menezes
Se voltarmos aos anos 80, veremos que os governos liberais-conservadores, como os de Thatcher e Reagan, não conseguiram efetivamente combater a desordem provocada pelos opositores da ordem familiar, religiosa e moral. Pelo contrário, testemunhamos a continuidade, tanto durante suas décadas de governo quanto nos anos que se seguiram, da Revolução Sexual dos anos 60 e das ideias existencialistas de Sartre e Beauvoir. Essas ideias ganharam vida entre as gerações, propagando a noção de que o homem existe, mas não possui uma essência; ele é definido por si mesmo, sem uma substância intrínseca. Essa perspectiva, problemática do ponto de vista metafísico, epistemológico e antropológico, resultou na chamada Ideologia de Gênero e foi utilizada por Beauvoir para fundamentar sua tese feminista. Além disso, essa mentalidade contribuiu para a expansão do secularismo por todo o tecido social.
As diversas agendas da chamada pós-modernidade, amplificadas pelo fenômeno “woke”, encontram respaldo financeiro nas grandes fundações internacionais, tais como a Open Society, Fundação Ford, Fundação Rockefeller e Fundação Rothschild, bem como no suporte das famílias abastadas da burguesia. A influência dessas agendas se estende por meios como Hollywood, os principais jornais de circulação e expressões culturais de variados tipos.
É claramente discernível que essas agendas compartilham um substrato liberal, na medida em que promovem um individualismo radical, se revoltam contra a autoridade e a tradição. Além disso, ao destruírem as normas morais que tradicionalmente limitavam os âmbitos do mercado e da demanda, abrem espaço para a criação de novos públicos-alvo, cujas reivindicações são prontamente adaptadas pelo sistema capitalista para serem transformadas em mercadorias.
O conservadorismo liberal não se mostrou eficaz em atenuar esses desdobramentos, visto que ele os conciliou com a defesa do livre-mercado e do capitalismo laissez-faire. Na verdade, como Chesterton observou, muitos desses desdobramentos foram assimilados pelos próprios conservadores. A tendência liberal de suprimir tradições e costumes de ordem moral, religiosa e cultural resultou na supressão completa da tradição. Até mesmo a Revolução Sexual foi mercantilizada, gerando um florescente mercado consumidor para pornografia e conteúdo erótico. Clínicas de aborto se tornaram negócios altamente lucrativos, da mesma forma que o mercado gay.
Esses fenômenos revelam-se profundamente enraizados na lógica capitalista, uma lógica que prioriza o acúmulo de capital sem restrições morais.
As revoluções liberais, que eram, em si, revoluções burguesas, se opunham violentamente contra a Igreja Católica, pois a Igreja, além de tudo, não separava economia de moral, como a lógica burguesa capitalista fez. A virtude moral da Castidade, por exemplo, foi rebaixada na hierarquia de valores diante da avidez lucrativa do capitalismo. De maneira similar, a prática da usura, que a ascendente burguesia via como uma âncora do capitalismo, encontrou censura desde os primórdios da Igreja como um pecado moral, em confronto com o princípio da caridade.
Santo Antônio de Lisboa abordou vigorosamente essa questão, condenando os gananciosos usurários ao exaltar: “Que desapareçam da terra aqueles dominados pela avareza, pois se tornaram amaldiçoados ao recusar a submissão a Deus e ao negar compaixão ao próximo. Exibem, em suas bocas, presas semelhantes às dos leões, porém estas estão corroídas pelo veneno do dinheiro e contaminadas pelo vício da usura”.
Gustavo Corção, na sua brilhante obra Três Alqueires e uma Vaca, ao comentar sobre a questão dos bens e da propriedade, explica a posição da Igreja em defesa do bem comum em harmonia com a defesa da propriedade:
“tomemos em Jacques Maritain um resumo da doutrina tomista: “No que concerne à propriedade dos bens terrestres, Santo Tomás ensina que, por um lado (e antes de tudo por causa das exigências da personalidade humana, considerada como elaborando e trabalhando a matéria, e submetendo-a a forma da razão), a apropriação dos bens deve ser privada, sem o que a atividade fabricante da pessoa se exerceria mal; mas, por outro lado (por causa da destinado primitiva dos bens materiais á espécie humana, e da necessidade que cada pessoa tem desses meios para poder se dirigir aos seus fins últimos), o próprio uso dos bens individualmente apropriados deve servir ao bem comum de todos. Quantum ad usum non debet homo habere res exteriores ut proprias, sed ut communes. Esse segundo aspecto se obnubilou completamente na época do individualismo liberal”.
CORÇÃO, Gustavo. Três Alqueires e uma Vaca. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1961. 273,274p
A lógica capitalista não valoriza o bem comum nem a moral; seu foco é o dinheiro e a maximização de lucros. Portanto, princípios morais restringem o crescimento dos lucros, limitando novos métodos de produção e produtos, impedindo a ampla aceitação de bens associados a práticas imorais e libertinas, e barrando ataques à dignidade humana no contexto do trabalho. Em um modelo onde a moral é dissociada da economia, esta se transforma em um agente de distorções e perversões, afastando o ser humano de sua essência espiritual e aproximando-o de pecados e vícios, ao mesmo tempo em que o afasta das virtudes. A economia e o dinheiro se tornam, assim, convenções sociais que absolutizam a vida em sociedade.
Da mesma forma, a tradição ocidental que o conservadorismo diz defender, sempre compreendeu a economia e a própria propriedade como servas ao bem comum e a moralidade. Essa, portanto, é uma tradição que o liberal-conservador conserva sua destruição.
Daí, unem-se os movimentos de revolução cultural com o capitalismo burguês de ideologia liberal. União está não atormentada pelas contradições da união liberal-conservador.
É difícil conciliar uma crítica liberal-conservadora ao feminismo tendo o feminismo enquanto filosofia nascido com liberais como Mary Wollstonecraft (1759 – 1797) e John Stuart Mill (1806 – 1873); ou mesmo a crítica a Ideologia de Gênero e ao movimento LGBT tendo ambos nascidos no debate liberal da República de Weimer dos anos 20, especialmente na figura de Magnus Hirschfeld (1868 – 1935). Da mesma forma, é difícil conciliar o individualismo radical e o capitalismo desregulado com a defesa de valores morais e tradicionais, assim como, com a defesa cristã do Princípio do Bem Comum e da Destinação Universal dos Bens. O liberalismo separa Economia e Moral — é a ideologia da separação: separa Igreja do Estado, separa razão e fé.
Por isso, à direita liberal-conservadora falhou, falha e falhará. Os pressupostos de um contradizem enormemente o outro.
A união liberal-conservadora falha até mesmo no sentido de que a própria esquerda se tornou liberal. Não há mais a ameaça socialista que sustentou essa união por tantas décadas.
As teorias da Escola de Frankfurt, especialmente na figura de Herbert Marcuse, reconheciam que não há mais possibilidade de revolta da classe proletária contra a classe dominante em razão de uma estabilidade econômica propiciado pelo avanço da sociedade capitalista industrial, portanto, os agentes do processo revolucionário não seria mais a classe trabalhadora, esta, tornada conservadora, mas sim, os parias sociais, o lumpenproletariat, os hoje grupos identitários. Marcuse descreve sua teoria na obra O Homem Unidimensional: A Ideologia da Sociedade Industrial:
“As tendências totalitárias da sociedade unidimensional tornam ineficaz o processo tradicional de protesto — torna-o talvez até mesmo perigoso porque preservam a ilusão de soberania popular. Essa ilusão contém alguma verdade: “o povo”, anteriormente o fermento da transformação social, “mudou” para se tornar o fermento da coesão social. Aí, e não na redistribuição da riqueza e igualação das classes, está a nova estratificação característica da sociedade industrial desenvolvida.
Contudo, por baixo da base conservadora popular está o substrato dos párias e estranhos, dos explorados e perseguidos de outras raças e de outras cores, os desempregados e os não empregáveis. Eles existem fora do processo democrático; sua existência é a mais imediata e a mais real necessidade de pôr fim às condições e instituições intoleráveis. Assim, sua oposição revolucionária ainda que sua consciência não o seja.”.
MARCUSE, Herbert. O Homem Unidimensional: A Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: ZAHAR EDITORES, 1973. 234,235p
A reconfiguração ideológica promovida pela Escola de Frankfurt na mentalidade da Nova Esquerda se encaixava perfeitamente nos planos do capital internacional. A oposição ao neoliberalismo parecia desvanecer. Os novos atores revolucionários não mais representavam uma ameaça à estrutura econômica do capitalismo; em vez disso, estavam criando um mercado emergente para um público crescente que se converteria em consumidores ávidos. Os indivíduos que fazem parte do movimento “LGBTQUAJSMDIDLAM” (peço desculpas, mas perdi o número exato de letras neste acrônimo), as prostitutas, os usuários de drogas — esses novos revolucionários, na realidade, constituíam um mercado bilionário que a corrente esquerdista, reformulada e redirecionada, auxiliou a gerar. A ascensão desses novos agentes de mudança agradava aos ouvidos dos liberais que defendem a liberdade como fim em si mesma. Consequentemente, o grande capital passou a patrocinar agendas “desconstruídas”, enquanto partidos de esquerda evoluíram para uma posição liberal-progressista. Então, o conservadorismo não alinhado emerge como uma ameaça à ordem liberal, a ser combatida a qualquer custo. Assim, o grande capital, os conglomerados midiáticos influentes e organizações globalistas, como a ONU e a União Europeia, empenharam-se em defender um internacionalismo liberal e rotular todos os oponentes como extremistas de direita a serem eliminados do tecido social.
Quando observamos os tempos atuais, vemos que cada vez mais à direita tem se afastado do liberalismo, já entendido como prevalência da usura bancária, portanto, anticristã, como patrocinador das revoluções nos costumes e nas tradições, portanto, degenerada. A divisão política nos países ocidentais não se dá mais entre conservadores e socialistas, mas entre conservadores e liberais (em alguns casos, como nos Estados Unidos, os liberais-conservadores se aproximaram dos liberais-progressistas).
Na Polônia, a oposição ao governo conservador do PiS não é liderada por nenhuma liderança socialista, mas por liberais pró-União Europeia, alinhados com a progressista Agenda 2030 da ONU e por Soros — que já afirmou que a Europa deveria enfrentar o governo polonês –. Soros é proprietário dos dois principais jornais da Polônia, o Eurozet e o Agora, ambos servindo como propaganda do principal partido opositor ao governo de Duda, o Plataforma Cívica de Donald Tusk. Na Hungria. A oposição ao governo conservador de Viktor Orbán se dá por liberais como Péter Márki-Zay, defensor da imigração livre, do capitalismo laissez-faire, da Agenda LGBT, entusiasta da Sociedade Aberta de George Soros (seu financiador), de inspiração liberal em Karl Popper. O artigo do site húngaro Századvég denominado Márki-Zay Péter politikáját Soros György és a globalista érdekek irányítják explica a ligação do líder da oposição húngara com à agenda liberal-progressista de Soros:
Péter Márki-Zay já professou várias vezes a fé na ideia de uma sociedade aberta sonhada por George Soros. Seus pensamentos sobre a migração em 2018 de que “é importante ter uma sociedade inclusiva e amorosa” foram seguidos por uma declaração ainda mais forte em 2019, na qual ele disse que “no geral, a imigração simultânea em larga escala teve um impacto positivo, e não um efeito negativo sobre o desenvolvimento econômico de uma determinada área”. A comunicação que atende aos interesses globalistas não estava longe do prefeito de Hódmezővásárhely anteriormente, mas desde sua vitória nas primárias em 16 de outubro, não apenas aumentou espetacularmente, mas também se tornou comum.
Artigo de Századvég. Márki-Zay Péter politikáját Soros György és a globalista érdekek irányítják. Link: https://magyarnemzet.hu/belfold/2022/01/marki-zay-peter-politikajat-soros-gyorgy-es-a-globalista-erdekek-iranyitjak
Em entrevista à CNN em 20 de outubro, o candidato a primeiro-ministro de esquerda reiterou seu apoio à imigração e, dois dias depois, apoiou o lobby LGBTQ na revista Newsweek condenando as medidas de proteção à criança do governo húngaro. A política de cariz globalista acentuou-se a 23 de Outubro, quando Péter Márki-Zay, relativizando o papel do especulador americano na imigração numa comemoração conjunta da esquerda, declarou que “Não houve prova do assentamento de um único migrante por George Soros até agora.”
A comunicação alinhada com o mainstream liberal de esquerda e o apoio aberto a George Soros foram organizados ao longo de uma estratégia consciente: Péter Márki-Zay também quis usar a ferramenta política das viagens a Bruxelas, que se tornou um hábito da esquerda húngara para negociar com personalidades da rede internacional de esquerda.
Outros exemplos significativos do liberalismo ocidental progressista são Macron na França, Justin Trudeau no Canadá, Joe Biden nos Estados Unidos (este último conta com amplo apoio de neoconservadores e liberais-conservadores, como William Kristol, filho de Irving Kristol, um dos pais do neoconservadorismo, e David Frum, redator de discursos do ex-presidente George W. Bush)). Todos opositores dos conservadores iliberais (definição de João Pereira Coutinho).
Enquanto isso, Trump ascendeu ao poder defendendo o protecionismo, a oposição ao globalismo, a reindustrialização com participação ativa do Estado e o controle sobre a atividade privada relacionada à chamada agenda ESG (Environmental, Social and Governance), que patrocina a propaganda LGBT, feminista, das drogas e do ambientalismo radical em toda a cultura. Ele atraiu a ira de Wall Street, da Indústria Cultural, das elites liberais globais e das fundações internacionais de Soros e Rockefeller.
Na Itália, Meloni, Primeira-Ministra católica e conservadora, anunciou a taxação de 40% sobre lucros excessivos dos bancos, direcionando os recursos para auxiliar pequenos negócios e as classes menos favorecidas. Isso gerou a hostilidade dos grandes fundos internacionais, dos principais bancos e das elites financeiras globais, que utilizam governos liberais europeus como marionetes. Ao assumir o poder, Meloni criticou os burocratas de Bruxelas e a diluição das soberanias nacionais pela União Europeia e pela própria Organização das Nações Unidas.
No cenário político brasileiro recente (2013-), a direita começou a emergir com resquícios da extinta direita liberal-conservadora. Na América Latina, os vestígios das experiências socialistas ainda estavam presentes. O Foro de São Paulo manteve viva a utopia socialista na região. Partidos como o PT, o Partido Comunista Cubano e as FARC cultivavam um projeto de integração narcosocialista, que mesclava o simbolismo de Simón Bolívar com o terrorismo do narcotráfico e o marxismo. Portanto, a luta contra essa esquerda deu origem a uma direita liberal-conservadora. Olavo de Carvalho promoveu a Escola Austríaca de Economia no Brasil, os Estados Unidos passaram a ser vistos como um bastião civilizatório, figuras como Lucas Berlanza e Rodrigo Constantino se tornaram populares, e Paulo Guedes, um ex-membro da Escola de Chicago, assumiu o cargo de Ministro da Economia no governo de direita eleito.
No entanto, essa direita falhou, pois não conseguiu confrontar um adversário mais poderoso e ativo: as elites internacionais e o liberalismo globalista. Ela permaneceu presa à veneração do atual ocidente, que já não é mais a Cristandade, mas sim um conjunto de países liberais e multiculturais governados por marionetes dos bancos e das elites econômicas internacionais, que são inimigas da nossa soberania. Isso é evidenciado pelo fato de serem nesses países que se propõe a internacionalização da Amazônia. A direita brasileira não compreendeu que a grande burguesia é quem patrocina a degeneração moral, não o Foro de São Paulo. Ela também não percebeu que o individualismo radical do liberalismo, juntamente com a defesa de um mercado desregulamentado, favorece o processo de revolução cultural.
Essa compreensão essencial envolve perceber que a absorção da esquerda brasileira pela esquerda liberal ocidental é inevitável e já está em andamento. Lula foi eleito em um consórcio internacional que envolveu grandes fundações bilionárias (conforme mencionado anteriormente), o governo dos Estados Unidos (CIA) e grandes instituições financeiras. Neste continente, os Estados Unidos servem como pilar de sustentação para a esquerda liberal chilena, colombiana e, agora, brasileira. Fernando Haddad emergiu como o novo favorito dos mercados financeiros, suas reformas econômicas em seu ministério agradam a ortodoxia liberal, assim como os governos liberais eleitos em Minas Gerais (Zema), São Paulo (Tarcísio) e Rio Grande do Sul (Leite).
Enquanto isso, a soberania da Amazônia está sendo entregue a organizações não governamentais internacionais, o globalismo está minando a soberania em outras áreas e a agenda “woke”, apoiada por toda a elite internacional e pelos partidos liberais ocidentais, está progredindo. Lula mantém a retórica da velha esquerda viva, porém, são os novos expoentes da esquerda brasileira, como Haddad, Tabata Amaral e os partidos como PSOL e Rede, que estão conduzindo a antiga esquerda, com vestígios da Guerra Fria, para o presente. O que presenciamos é à esquerda brasileira se alinhando completamente com a esquerda liberal ocidental.
Não é sem motivo que chamo o atual governo petista de “Trudeau à brasileira”. Ele se assemelha à esquerda liberal do Canadá: uma ditadura identitária aliada à liberdade de mercado.
Por isso, no Brasil, grupos como o LIVRES, partidos como NOVO, frequentemente considerados liberais puristas, eventualmente terão que tomar uma decisão: unir-se à nova esquerda liberal ou adotar uma postura mais voltada ao conservadorismo real. Caso contrário, o PSOL ou PSB poderão se tornar casas comuns do liberalismo brasileiro. Oposição a eles será ineficaz como discurso, já que as diferenças ideológicas serão mínimas.
Da direita que ainda se diz liberal-conservadora (a maioria), é preciso entender que a disputa não se dá entre comunistas de um lado, liberais e conservadores de outro. Não são os DCEs radicalizados e o militante boçal de um “partideco” comunista que ameaça o Brasil, mas sim, as grandes elites internacionais. O patrocínio a Ideologia de Gênero não vem do comunismo, vem de Soros, vem de Rockefeller, vem dos sócios do Itaú, Bradesco, Santander. Vem do capital internacional. É preciso entender que o liberalismo é parte do problema. O liberalismo é responsável pela centralização do poder político (que o socialismo radicalizará ainda mais), pelo enfraquecimento da família e das instituições orgânicas e tradicionais. Sob o influxo liberal, uma nova visão do indivíduo emerge, caracterizada pela atomização, com o indivíduo despojado de vínculos sociais. O liberalismo retirou a família da esfera da representação na vida pública, o que resultou no enfraquecimento desta última. O poder central e as sociedades de massa ocupam o espaço outrora ocupado pelas esferas intermediárias, incluindo a própria família. Esta transformação é discutida por José Pedro Galvão de Souza em “O Estado Tecnocrático”:
“As hipóteses do estado de natureza e do contrato social — antípodas da tese aristotélica sobre a sociabilidade natural do homem — preparavam remotamente a aceitação da ideia, difundida em seguida a Rousseau, segundo a qual a sociedade política resultaria de um acordo entre os seus membros, considerados isoladamente e assim prefigurando o Citoyen da Revolução Francesa. Este não é o homem concreto, enraizado num determinado grupo social ou em vários grupos a partir da família e passando pela agremiação profissional até se integrar na comunidade global. É o indivíduo solto, desembaraçado de qualquer vínculo social que não seja o da sua participação imediata, pela cidadania, na sociedade política. Ainda que se reconhecesse na família a primeira das comunidades, ela deixava de ter qualquer representação na vida pública, ao mesmo tempo que as novas condições criadas pelo capitalismo industrial faziam com que ela deixasse de constituir unidade de produção para ser apenas unidade de consumo.
As províncias e regiões, que já no Antigo Regime sofriam uma diminuição no alcance da sua autonomia, passavam a ser simples divisões administrativas, na França os “departamentos”. E dessa forma a tendência era reduzir a sociedade política a um simples agregado de indivíduos, não mais distribuídos por grupos escalonados, mas sujeitos simplesmente ao poder do Estado.
Tal a concepção de Rousseau, que, no seu livro Du contrat social — vademecum dos adeptos da democracia jacobina nas assembleias revolucionárias da França — , proclamava abertamente: “é preciso que não haja nenhuma sociedade parcial no Estado” (livro II, capitulo III).
Sendo o característico, por excelência, da sociedade de massas o déracitiement dos seus membros, que se tornam indivíduos desqualificados por se acharem fora de qualquer estrutura orgânica — isto é, fora dos grupos dentro dos quais cada um assume suas responsabilidades pessoais e procura realizar a sua vocação intransferível —, o Estado sem nenhuma sociedade parcial, preconizado por Rousseau, é tipicamente um Estado de massas.
Dessa forma vem a realizar-se o nivelamento igualitário, que surge da destruição dos grupos orgânicos pela rasoura individualista e transforma a sociedade numa poeira de indivíduos. Desaparecem assim as autoridades sociais, assegurando-se o domínio incontrastável do poder político.”
GALVÃO DE SOUSA, José Pedro. O Estado Tecnocrático. São Paulo: Edição Saraiva, 1973. 42,43p
O liberalismo é a degeneração do Ser. É a desordem contra a ordem. É a inauguração de uma religião sem Deus, sem transcendência (a religião civil do Estado de Rousseau). Aquilo que o próprio liberal Tocqueville reconheceu sobre a Revolução Liberal na França: “uma espécie de nova religião, uma religião imperfeita, é verdade, sem Deus, sem mito, sem Além”.
O liberalismo gerou uma lógica racionalista idealista que minou as bases cristãs do Ocidente, desafiou a autoridade da Igreja, do monarca e da família, e transformou o Estado na única autoridade legítima. Isso deu origem a um individualismo atomizado, o que torna as agendas pós-modernas extremamente aceitáveis para os liberais. A ascensão da burguesia como elite não se deu pelos códigos de cavalaria e pelos juramentos de virtude e honra que sustentavam a antiga nobreza medieval, mas sim pela acumulação de capital, usura e mentalidade financeira. Esta é a base materialista das atuais elites.
Portanto, é crucial reconhecer os erros do liberalismo em sua origem como corrente filosófica e seus efeitos contemporâneos.
Os tentáculos do liberalismo, frequentemente através da influência da Maçonaria, causaram muitos danos a este país, inclusive antes de nossa independência. Foi através de um liberal iluminista e maçom como Marquês de Pombal, quando era Secretário de Estado dos Negócios Internos do Reino na corte do rei José I, que os jesuítas foram expulsos do Brasil em 1756. A Revolução Liberal do Porto, com as Côrtes, levou ao caos e desordem em Portugal, quebrando a unidade do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves ao tentar diminuir o status do Brasil de província a colônia, o que nos forçou à separação. Os liberais promoveram um golpe contra o Império para estabelecer uma república laica inspirada na França e nos Estados Unidos, cujo resultado conhecemos bem.
É preciso, portanto, que reconheçamos que o real inimigo da pátria, da tradição, da família, da Igreja, em atuação no Brasil é o liberalismo, agora com a roupagem da esquerda ascendente. O liberalismo busca a desintegração de tudo o que mencionei. São os governos liberais no Ocidente que respaldam Lula e almejam a internacionalização da Amazônia. São as grandes elites econômicas que impõem à nação a agenda “sado-libertina” por meio da Indústria Cultural e de influências bilionárias. São as políticas econômicas liberais que não apenas permitem o patrocínio das agendas globalistas, mas, ao entregarem as empresas nacionais a essas mesmas elites econômicas, tornam-se instrumentos do globalismo, resultando na dissolução da soberania nacional.
Devemos nos inspirar no governo húngaro de Viktor Orbán, que proibiu a entrada de capitais globalistas em seu país, conquistou o apoio da classe média com um projeto nacional de industrialização e apoio econômico às famílias, rompeu com o laicismo liberal na educação ao reintroduzir o ensino cristão nas escolas e desafiou a hegemonia da religião liberal-democrata que domina o Ocidente. Embora ameaçado pela União Europeia e outras organizações supranacionais de orientação liberal e global, a Hungria permanece resiliente. O país reduziu drasticamente as taxas de divórcio, adotou restrições ao aborto e valoriza a família tradicional como uma união entre homem e mulher.
Que nos inspiremos no pensamento tradicionalista de figuras como José Pedro Galvão de Souza, Arlindo Veiga dos Santos, Gustavo Corção e Tito Lívio Ferreira. Rejeitemos os liberais e os liberais-conservadores, que, além de todos os problemas já citados neste artigo, nutrem um profundo desprezo pelo Brasil e pelo legado ibero-católico do passado, fundamentado na Ordem de Cristo, da qual Pedro Álvares Cabral foi grão-mestre. Se, para os socialistas, o país foi edificado com base no genocídio indígena e africano, para os liberais, somos uma falha antropológica, um equívoco civilizacional; deveríamos ter sido colonizados pelos ingleses, então seríamos prósperos, como obviamente se testemunha em Camarões e na África do Sul, e estaríamos inseridos em um capitalismo global próspero. Seríamos segregados, fragmentados e seculares? Sim, mas o que importa é a riqueza, o consumo, etc. Um culto à sociedade atomizada, desenraizada, materialista e profundamente individualista dos anglo-saxões.
Evitemos repetir os equívocos de abraçar um novo movimento liberal, caso ele surja como oposição ao PT, uma oposição que, em sua essência, faria muito pouco além de emular o que o petismo já faz, mas com um discurso explícito e sem a demagogia ideológica à esquerda – economia entregue ao grande capital financeiro enquanto promove à agenda “woke” na sociedade, ainda que de maneira atenuada. Que não nos inspiremos nos errados exemplos, como o argentino Javier Milei, que defende ideias que não são soluções, mas partes do problema. O ódio ao princípio cristão da Justiça Social, venda de órgãos e crianças, entre outras bizarrices. É o liberalismo levada a enésima potência.
Sobre Milei, fico com as palavras do amigo Felipe Quintas:
“Milei é o mais bem acabado representante da psicopatia financista: defende dolarização e bitcoin, prostituição e legalização do tráfico de órgãos, de crianças e de drogas. Candidato mais votado nas primárias da Argentina, país ibero-americano que mais avançou no liberalismo nos anos 90 e desde então só viu suas instituições nacionais, o dinheiro sobretudo, se esfacelarem, Milei revela a essência do liberalismo, que começa defendendo a venda de uma siderúrgica e termina defendendo a venda de pessoas. O princípio desta ideologia é a mercantilização de tudo, tudo mesmo, pois não enxerga valor em nada nem em ninguém, só preço. O Diabo foi o primeiro liberal e o inferno é o seu reino, pois lá estão e para lá irão os seus súditos: aqueles que venderam a mais valiosa e “imprecificável” das coisas, que é a Alma.”.
Referências:
- GALVÃO DE SOUSA, José Pedro. O Estado Tecnocrático. São Paulo: Edição Saraiva, 1973. 42,43p
- CORÇÃO, Gustavo. Três Alqueires e uma Vaca. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1961. 273,274p
- G.K. Chesterton: The Illustrated London News, 19 de abril de 1924. Tradução: Pedro Gontijo Menezes
- Artigo de Századvég. Márki-Zay Péter politikáját Soros György és a globalista érdekek irányítják.Link: https://magyarnemzet.hu/belfold/2022/01/marki-zay-peter-politikajat-soros-gyorgy-es-a-globalista-erdekek-iranyitjak
- MARCUSE, Herbert. O Homem Unidimensional: A Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: ZAHAR EDITORES, 1973. 234,235p