Uma constante histórica das três grandes revoluções ocidentais (Revolução Protestante, Revolução Francesa e Revolução Comunista) é o crescimento do Poder do Estado.
A Revolução Protestante levou a estatização da fé cristã, o que fortaleceu o absolutismo, os Reis se emanciparam do Direito Divino dos Reis como forma de limitar seu Poder perante à lei de Deus, para uma ideia de Soberania absoluta do Rei, pois ele é o Chefe Supremo da nova religião reformada. Henrique VIII, por exemplo, descontente com a recusa do Papa Clemente VII em anular seu casamento com Catarina de Aragão, rompe com a Igreja Católica através do Ato de Supremacia. Logo após é instituído o Anglicanismo, onde o Rei se torna Chefe Supremo da Igreja. Ele forçou o episcopado inglês a apoiá-lo. Só o Bispo de Exeter, João Fisher, resistiu e permaneceu fiel ao Papa. Henrique VIII cortou-lhe a cabeça, e o Papa proclamou São João Fisher
mártir da Fé.
O interesse do Rei em submeter a Igreja ao Estado para fortalecer o poder real é um dos efeitos nocivos da Revolução Protestante. Daí observamos a mudança de sentido do “Direito Divino dos Reis”, que na Idade Média era considerado apenas um mandato dos reis, e que deviam, portanto, usá-la segunda a intenção e a vontade do Senhor do qual a receberam, e se tornou, a partir do século XVII, uma ideia que levava a crer que o Rei era um pequeno Deus no mundo dos homens. Já dizia Jaime I a seu herdeiro: “Deus fez de vós um pequeno Deus para ocupar seu trono e governar os homens”.
A Segunda Grande Revolução Ocidental, a francesa, foi influenciado fortemente pela filosofia Iluminista. A filosofia Iluminista, ao contrário do propagado pelo liberalismo, não conduziu a uma limitação do Poder do Estado, ao contrário, o elevou, Montesquieu, por exemplo, defendia certas ideias que hoje seriam consideradas socialistas: “Para manter o espírito de comércio, é necessário que todas as leis o favoreçam. Essas leis, por suas disposições, dividindo as fortunas à medida que são feitas no comércio, deveriam prover cada cidadão pobre de circunstâncias que lhe facilitassem trabalhar como os demais. As mesmas leis deveriam pôr cada cidadão rico em circunstâncias tão medíocres que tivessem necessidade de trabalhar para conservar ou para ganhar…”; “Apesar de, na democracia, a igualdade verdadeira ser a alma do estado, é, entretanto, tão difícil alcançá-la, que uma exatidão extrema a esse respeito não seria sempre conveniente. Basta que se estabeleça um censo que reduza ou fixe essas diferenças dentro de um certo limite. Depois disso, é tarefa para as leis específicas igualar as desigualdades, através de encargos impostos aos ricos e concessões de alívio aos pobres…”, socialismo, planejamento econômico central para conduzir a igualdade econômica. Frédéric Bastiat define muito bem esses pensamentos de Montesquieu: “Esta seleção de trechos
escritos por Montesquieu mostra que ele considera as pessoas, as liberdades, a propriedade, a própria humanidade, como apenas material para os legisladores exercitarem sua sagacidade.”. Montesquieu idealizou o conceito de separação de poderes, mas o que na prática significa essa ideia? Uma forma de limitação ou, na verdade, uma forma de concentração de Poder? Todas as formas idealizadas por Montesquieu de limitações do Poder se concentram na mesma estrutura de Poder, no próprio Estado. Não há saída, sempre devemos recorrer a mesma estrutura de poder.
Rousseau, outro intelectual influente na Revolução Francesa dizia que o poder político deveria moldar e mudar a própria natureza humana: “Aquele que ousa empreender a tarefa de dar instituições a um povo, deve-se sentir em condições de mudar, por assim dizer, a natureza humana; de transformar cada indivíduo que, por si só, é um todo perfeito e solitário, em parte de um grande todo, do qual este indivíduo recebe, integralmente ou em parte, sua vida e seu direito de ser. Assim, a pessoa que se compromete a empreender a criação política de um povo deveria acreditar em sua habilidade em alterar a constituição do homem, para reforçá-la, para substituir uma existência parcial e moral por uma existência física e independente, que todos nós recebemos da natureza. E preciso, em uma palavra, que esse criador de política retire do homem suas forças próprias e o dote de outras que lhe são naturalmente estranhas…”
Rousseau também é um dos idealizadores do Contrato Social, e aí já conhecemos a história, o bom selvagem que a sociedade corrompe, para resolver esse problema, é preciso que surja o Estado para evitar o caos. Rousseau, como bom socialista, acreditava que o surgimento da propriedade privada era responsável pelo mal humano. A tese do Contrato Social é fundamental para compreender o Poder desde a Revolução Francesa, Hobbes, já citado anteriormente, também um dos idealizadores do Contrato Social, defendia um Estado forte, controlador, centralizado para impedir a guerra de todos contra todos.
Na Revolução Francesa se fortalece o constitucionalismo, consequência do Contrato Social, que não é somente escritos que visam a organização do Estado, mas um documento que submetia as tradições, costumes, instituições orgânicas e independentes do Estado, etc., ao Estado. É a radicalização do positivismo jurídico, onde uma carta cheia de direitos abstratos suplanta as realidades sociais preexistentes. A Constituição da França de 1791, como a de Cádiz de 1812, acelera ainda mais o processo centralizador do Estado de tal forma que um Rei anterior a elas raramente chegou a sonhar. Tocqueville explanou muito bem na sua brilhante obra O
Antigo Regime e a Revolução, os problemas do Poder na Revolução, como o processo revolucionário francês não só manteve a concentração de Poder do Antigo Regime como o expandiu: “Como seu objetivo não foi apenas mudar um governo antigo, e sim abolir a forma antiga da sociedade, a Revolução Francesa teve de atacar simultaneamente todos os poderes estabelecidos, demolir todas as influências reconhecidas, apagar as tradições, renovar os costumes e os usos e, por assim dizer, esvaziar o espírito humano de todas as ideias nas quais se haviam fundamentado até então o respeito e a obediência. Daí seu caráter tão singularmente anárquico. Mas afastai esses escombros: divisareis então um poder central imenso que atraiu e engoliu em sua unidade todas as parcelas de autoridade e de influência que anteriormente estavam dispersas em uma infinidade de poderes secundários, de ordens, de classes, de profissões, de famílias e de indivíduos, e como que espalhadas em todo o corpo social.”; “O governo central não se limitava a ir em socorro dos camponeses em suas misérias; pretendia ensinar-lhes a arte de enriquecer, ajudá-los nisso e, se necessário, forçá-los. Com essa finalidade, de tempos em tempos mandava seus intendentes e subdelegados distribuírem pequenos textos sobre a arte agrícola, fundava sociedades de agricultura, prometia prêmios, mantinha com altos custos sementeiros cujos produtos distribuía. Parece que teria sido mais eficaz aliviar o peso e diminuir a desigualdade dos encargos que oprimiam então a agricultura; mas não se vê que ele tenha sequer pensado nisso. […] o governo já havia passado do papel de soberano para o de tutor.”.
Durante o período napoleônico surge a conscrição moderna, o Serviço Militar Obrigatório, algo que nem mesmo o Rei absolutista mais sedento pelo Poder poderia imaginar. Na Idade Média e no Antigo Regime, quando o Rei declarava guerra a outro reinado, ele necessitava de voluntários, na Revolução Francesa não, bastava Napoleão ordenar mediante a ameaça, o recrutamento do cidadão. Em pouco tempo se formou um exército imenso de mais de 600 mil homens. A conscrição hoje é legal em diversos países, inclusive no Brasil e consideramos algo normal, naturalizamos o Poder extremo (falarei disso mais tarde, esse é um ponto fundamental).
Da Revolução Francesa até hoje se mantém a mesma estrutura burocrática e concentrada de poder, mas sendo esse poder ainda maior, ainda mais tirânico, um exemplo é o desarmamento civil em que ao tirar as armas dos civis e monopolizá-las, o Poder se previne de qualquer forma de resistência a sua tirania.
No caso da Revolução Comunista, quando falarmos da concentração de Poder no Estado, as experiências socialistas do século XX nos mostraram seu apogeu. A presença máxima do Estado na vida social, todas as propriedades pertencentes a tal estrutura. Toda a economia planejada pelo Estado, todos os meios de produção estatizados.
Marx constituiu boa parte de seu pensamento na dialética de Hegel, no Estado forte (embora no final da vida, viria a ser um crítico de Hegel, Marx nunca abandonou o pensamento dialético e o Estado forte). Hegel defendia um Estado forte como evolução natural do espirito no livro Fenomenologia do Espírito e Marx introdução o materialismo na ideia de Hegel, na qual o proletariado fará a revolução e vai se apropriar dos meios de produção, e esses meios de produção estarão em controle do Estado, resultante num igualitarismo com um Estado forte. No final da história, no qual o processo histórico terminará, será implementado o comunismo sem a existência do Estado, o que jamais ocorreria na prática.
O socialismo não está restrito a Marx, tinha os utópicos que Marx era crítico, a social-democracia, idealizada por teóricos como Ferdinand Lassalle que defende o uso gradual do Estado para levar ao igualitarismo social intervindo no capitalismo, etc., porém, todas as vertentes do socialismo, na prática, levam a mesma coisa, o crescimento do Poder do Estado: o Estado deve estar presente na educação das crianças, na saúde, na propriedade, na economia… é o Estado, é o poder político onipresente.
Atualidade e Paralelo com a atual situação da pandemia do
novo Coronavírus
Nós somos herdeiros da estrutura de Poder resultante desses três processos revolucionários, toda a estrutura burocrática e centralizadora do Estado moderno é consequência delas. Bertrand de Jouvenel na brilhante obra O Poder, a História Natural do seu Crescimento, nos mostra que não importa o que ocorra, no mundo moderno, o Poder do Estado sempre cresce. Revoluções, crises, guerras, revoltas, na ocorrência de tais fenômenos, há uma certeza, a concentração de Poder político será muito maior que anteriormente. Podemos demonstrar isso observando a relação do Poder político durante a pandemia do Coronavírus.
O filósofo italiano Giorgio Agamben, gerou grande controvérsia durante essa pandemia ao publicar uma série de artigos no Istituto Italiano per gli Studi Filosofici, ao questionar as medidas tomadas por governos para deter o vírus, na visão de Agamben, tais medidas seriam irracionais. O filósofo afirma que a pandemia está sendo usada para restringir liberdades e manter o estado de exceção como paradigma normal de governo. Agamben acerta nessa consideração, com um decreto, com a pandemia como desculpa, um agente político pode obrigar todos os indivíduos a usarem máscaras dentro de sua própria propriedade. O Poder estatal, por um decreto, fecha as igrejas, algo que simboliza ainda mais o Estado moderna, o Rei fechar Igrejas seria algo inimaginável na Idade Média, mas no mundo moderno, não há limitações, o Poder político pode, basta decretar. O Poder político pode nos dizer o que devemos fazer na nossa própria residência e não há nada que possamos fazer, a não ser, resultado da concentração de Poder, tentar recorrer ao próprio Estado, se há um consenso entre os agentes do Estado, não há a quem recorrer. O Estado moderno pode tudo. Tudo se concentra nele, o legislador do Estado que determina o certo e errado, o justo e o injusto, ele tem o Poder sobre toda a vida humana. Deixando bem claro que concordo com algum tipo de isolamento social, são milhares de mortes e casos confirmados em todo o mundo, as medidas cientificas fundamentais devem ser tomadas, porém, tem um limite, esse limite é ético e moral.
O Poder não só é exercido de forma centralizada e autoritária no Estado moderno, como muitas formas abusivas de Poder hoje é naturalizado. Naturalizamos o Serviço Militar Obrigatório, o desarmamento, a quebra da inviolabilidade da propriedade privada, o monitoramento do governo na vida privada… não há questionamentos, o Poder político não só age de forma abusiva, como naturaliza as suas ações perante a sociedade, quando concentra cada vez mais Poder, haverá uma multidão que defenderá. É a Estatolatria da obra Omnipotent Government de Ludwig Von Mises.
Aí vai uma pergunta interessante, será que de fato, muitas medidas autoritárias se cessarão após a Pandemia? Será se muitas das medidas de monitoramento serão abolidas? Será que o Poder político usará do Poder exageradamente concedido a ele pelo conformismo social apenas durante a pandemia do Coronavírus ou aproveitará para se expandir?
É fato que desde as Três Grandes Revoluções Ocidentais, toda crise, guerra, revoluções e revoltas levam ao crescimento do estado, minha aposta é que não será diferente no pós-pandemia.
Que fique bem claro que esse artigo não tem como fim legitimar as falas e ações do Presidente Bolsonaro, acho que houve uma minimização da gravidade do vírus, até mesmo uma negligência. De fato, acredito que formas de distanciamento social devem ocorrer, porém, todo o conhecimento da história política dos últimos cinco séculos mostra que devemos ser céticos quando tratamos do Poder.