Passadas as eleições municipais de 2024 muitos amigos me perguntaram qual seria o meu método para ter um índice de acertos tão alto nas previsões eleitorais e de conjuntura, desde 2016 ainda na época da faculdade quando comecei a sentir confiança para arriscar um palpite aqui e outro ali, eu errei muito pouco, então resolvi escrever este artigo como uma espécie de guia inicial para quem deseja começar a treinar a sua capacidade de prever cenários políticos. Vou explicar exatamente como acertei algumas e como errei outras. Mas antes uma breve explicação sobre a previsão e análise de cenários.
A previsão de cenários é fundamental para qualquer área da política, seja nas Relações Internacionais, na Economia Internacional ou nas agências de Inteligência. Como o futuro é incerto, conseguir reduzir a sua incerteza é um ativo extremamente valioso em todas as áreas que dependem do futuro para a sua atividade. Por exemplo: prever quando um inimigo se tornará forte o suficiente para te atacar te permite melhorar sua capacidade de defesa ou te permite atacar primeiro para impedir um ataque posterior (Guerra preventiva). O mesmo pode ser dito da economia. Michael Burry, o famoso investidor que previu a crise dos sub-prime em 2008 se tornou bilionário ao apostar contra o mercado, sua história foi retratada no brilhante filme A Grande Aposta (2015) em que Burry é interpretado pelo excelente ator galês Christian Bale.
Assim como se trata de uma área fundamental, se trata de uma área extremamente complicada para atuar, pois é raro que bons resultados venham de analistas jovens, em especial porque quando se é jovem não se acumulou sabedoria, erros e acertos suficientes para prever com alta probabilidade de acerto os eventos. Se tem uma área em que os erros são tão ou mais importantes do que os acertos é na previsão de cenários. Por isso é tão complexo chegar a um modelo fechado que o permita ser aplicado em qualquer área epistemológica e que sempre acerte, todo analista, por mais capacitado que seja está sujeito a eventos “Cisne Negro”.
Esses eventos são todos aqueles imponderáveis que escapariam da mente de qualquer analista. O Poeta romano Juvenal dizia que “ Uma boa pessoa é tão rara quanto um cisne negro”, mais tarde o matemático americano Nassim Nicholas Taleb criaria uma teoria da aleatoriedade baseada no altamente improvável que se tornaria um best-seller. Porém o importante no escopo desse texto é compreender e entender que o analista, em especial o civil, possui naturalmente uma assimetria de informação em relação ao objeto da previsão.
A assimetria de informação é um conceito inicialmente da teoria econômica mas que extrapolou seu campo originário, quando se verificou seu impacto em campos não necessariamente econômicos, como na teoria da guerra.
“Guerras podem começar simplesmente pelos governantes possuírem informações assimétricas” (JACKSON, MORELLI. 2009. p 35). Em influente artigo os dois pesquisadores apontam como a assimetria informacional pode impactar diretamente em decisões de High Politics como entrar em guerra. A assimetria na visão desses autores pode sabotar as possibilidades de barganha e levar para um cenário em que o conflito é a única possibilidade.
“A maioria das grandes guerras da era moderna resultou de líderes que calcularam mal suas possibilidades de vitória” (IKENBERRY, 1999,p 128).
Por mais que seja um conselho que data desde os tempos do tratado “A arte da guerra” de Sun Tzu em 500 A.C“ Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha também sofrerá uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas” ( SUN TZU,2011, p 123). Ainda assim são recorrentes os erros de cálculos que levam os Estados a derrota militar. Um bom exemplo foi o erro do presidente argentino Leopoldo Galtieri ao tentar tomar o controle das ilhas Falklands da Inglaterra em 1982.
Galtieri tomou a decisão levando em conta três fatores que pareciam favorecer a Argentina, devido a distância geográfica a guarnição britânica na ilha era pequena, seu potencial para uma guerra anfíbia parecia abaixo da necessidade, e que um contra-ataque de ampla escala dos britânicos poderia fraturar a aliança ocidental durante a Guerra Fria. Entretanto Galtieri demonstrou não ter conhecimento do amplo cenário, os Estados Unidos não se virariam contra o mais poderoso e mais valioso aliado europeu, que na época era governado por Margaret Thatcher, uma amiga pessoal de Ronald Reagan, no contexto de Guerra Fria um regime ditatorial de direita não teria apoio da URSS para proteção, o Reino Unido é membro permanente do conselho de segurança da ONU, era ano eleitoral na Inglaterra e cerca de 30% da população dizia que o assunto Falklands seria o elemento número 1 para definir o seu voto, além disso é de conhecimento histórico que os britânicos dominam os mares como ninguém, a armada britânica ainda hoje é uma das melhores do mundo em qualquer ótica de análise.
Esse breve passeio histórico foi para demonstrar que até mesmo um presidente de uma das maiores potências regionais, (na época a Argentina ainda não havia perdido o posto para o Brasil dentro da América do Sul), com acesso direto a informes diários de inteligência e contra-inteligência, em outras palavras o mais próximo possível de possuir a informação perfeita que a Teoria dos Jogos estabelece para a tomada de decisão, ainda assim esse indíviduo pode acabar por tomar uma decisão errada ao partir de uma falsa premissa ( A ilha não importa para os britânicos, mas importa para a Argentina), o segundo em comando de Galtieri, o comandante chefe da marinha Jorge Anaya ao invés de levantar as objeções, optou por oferecer vieses de confirmação a premissa original, o que causou a derrota Argentina naquele mesmo ano.
Portanto o primeiro conselho que dou a álguem que deseja tentar prever eventos no cenário político é ter a consciência de que por mais capacitado que você seja, por mais histórico favorável, e por mais bem intencionado você eventualmente pode ser vítima de um evento cisne negro e da assimetria de informação, esses são elementos exógenos, fogem do controle do analista.
O segundo conselho que ofereço é conhecer de forma aprofundada os clássicos do campo de estudo que deseja atuar, os clássicos são considerados clássicos porque seus ensinamentos são universais e atemporais, é isso que diferencia uma obra comum de um clássico, por exemplo: Não dá pra levar a sério um cientista político que ignore O Príncipe de Maquiavel, é o texto que simplesmente inaugura a Ciência Política rompendo de maneira definitiva com a Filosofia Política criando assim a corrente do Realismo na Ciência Política, o mesmo pode ser dito de analistas políticos que ignorem o artigo O jogo de dois níveis de Robert Putnam para entender a dinâmica dos tratados internacionais que envolvem executivo e legislativo ou que ignore Robert Dahl e o conceito de Poliarquia e Pluralismo nas democracias. Todo campo de estudo têm os seus autores e obras fundamentais, a que devemos dedicar muita atenção.
O terceiro conselho é especialmente difícil nos dias de hoje, estamos na era pós moderna, o construtivismo delineado por Frederic Skinner e Herbert Blummer ganhou o debate interno da filosofia política sobre os positivistas seguidores de Karl Popper. Devido a isso somos bombardeados a todo o tempo que não existem mais fatos, apenas versões, que não existem mais verdades, apenas narrativas. Claro que a pós-modernidade é um engodo filosófico e ciêntífico, é ilógica e irracional. É importante registrar que essa percepção de que a pós modernidade é um engodo é compartilhada por pensadores dos mais variados espectros políticos. Seja para o sociólogo marxista Zygmunt Bauman com sua famosa análise sobre a diferença da modernidade sólida para a líquida (pós-moderna) ou para o filósofo liberal Steven Pinker que busca resgatar o legado iluminista atacado pelo construtivismo pós-moderno frente os desafios do século XXI.
Porém é necessário saber navegar por essas águas turbulentas e ilusórias e se manter firme no respeito a separação e a distância entre o observador e o objeto, do contrário não se trata de análise, e sim de torcida.
O quarto ponto é que todo analista deve confiar nos seus instintos e entender o limite e até mesmo os vieses das pesquisas eleitorais, nas eleições gerais de 2022 percebi muito claramente erros grosseiros dos institutos de pesquisa, que Lula venceria Jair Bolsonaro no estado de São Paulo e no estado do Rio de Janeiro não fazia sentido algum, São Paulo nunca elegeu um petista para o governo do Estado e por mais que as pesquisas estivessem mostrando liderança de Fernando Haddad (PT) sobre Tarcísio de Freitas (Republicanos) era óbvio que se tratava de um viés de priorizar o eleitorado da capital para as pesquisas e que o resultado não seria aquele, que Lula venceria no Rio de Janeiro era outro absurdo, Bolsonaro não perderia no seu reduto eleitoral imediato. No mesmo ano cravei vitória de Lula em Minas Gerais mesmo com o estado elegendo um governador de direita em primeiro turno, pois entendia o histórico de Minas Gerais votar diferente para cargos diferentes. O mesmo fenômeno de Zema e Lula em 2022 se repetiu antes com Lula e Aécio no início do século, e com Dilma e Anastásia na virada da década.
Na eleição para os governos estaduais em 2022 registrei apenas dois erros, ACM Neto (União) foi derrotado por Igor Jerônimo (PT) na Bahia e no Sergipe Rogério Carvalho (PT) perdeu para Fábio Mitidieri (PSD). Nesse vídeo em que fui entrevistado pelo hoje também articulista do Hermeneutica Filipe Chácara, explico em detalhes como realizei as previsões dois anos atrás. https://www.youtube.com/watch?v=0_pTg9-Vul0&t=132s
Nessas eleições de 2024 várias pesquisas eleitorais mostravam uma tendência de liderança para Pablo Marçal (PRTB) na disputa pela prefeitura de São Paulo, no entanto desde o início afirmei que Ricardo Nunes (MDB) estaria no segundo turno contra Guilherme Boulos (PSOL). No fim acertei.
Quando você enquanto analista perceber que é possível que você esteja certo e não os demais, não se deve ter medo de ouvir o que o seu instinto diz, esse instinto e essa capacidade de percepção são construídos a cada ciclo eleitoral que se passa, e a cada previsão que se faz. Não só os acertos são importantes, mas também os erros, em especial entender porque você errou. Meu maior erro de previsão talvez tenha se dado também nessas eleições muncipais de 2024 em que cravei vitória de Mauro Tramonte (Republicanos) no primeiro turno para a prefeitura de Belo Horizonte, na realidade o segundo turno será disputado por Bruno Engler (PL) e Fuad (PSD) e Tramonte acabou em terceiro lugar com apenas 15% dos votos. Meu erro foi motivado porque Tramonte conseguiu o apoio dos dois maiores cabos eleitorais do Estado, o governador Romeu Zema (NOVO) e o Ex-prefeito de BH Alexandre Kalil (Republicanos), imaginei que isso se traduziria numa vitória folgada, entretanto me esqueci que Tramonte só havia figurado muito bem nos primeiros meses de campanha por se tratar de um voto de memória devido ao candidato do Republicanos ser apresentador de um popular jornal policial em uma grande rede de TV.
São basicamente esses 4 segredos que tenho para apresentar um desempenho tão bom ao prever resultados eleitorais. Entender que posso ser afetado por eventos Cisne Negro e pela Assimetria de Informação, conhecer os clássicos da área de estudos, manter sempre a distância entre o observador e o objeto, e confiar nos seus instintos de analista, compreendendo ás limitações das pesquisas eleitorais. Por último deixo um alerta, não se trata aqui de um modelo fechado, e sim de um guia para que possam começar a se aventurar nesse mundo, não quero esgotar o debate sobre modelos preditivos na política, apenas abrir uma linha de pensamento.
Bibliografia
BAUMAN, Zygmunt. O Mal estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro. Editora Zahar. 1998
COULON, Alain. A Escola de Chicago. Campinas. Papirus. 1995
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MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo, Hunter Books, 2011
PINKER, Steven. O Novo Iluminismo: em defesa da razão, da ciência e do humanismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2018
PUHVEL,Jaan (1984).” The origin of Etruscan tusna (Swan). American Journal of Philology. Vol 105, N 2; Pp 209–212. 1984
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